terça-feira, 28 de maio de 2013

HOTEL SERRADOR - JURISPRUDÊNCIA STJ,


RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO CARLOS FERNANDO MATHIAS
(JUIZ FEDERAL CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO) (Relator):
Trata-se de recurso especial interposto pelo ESPÓLIO DE PAULO MARTINS FILHO, com fulcro no art. 105, inciso III, alíneas "a" e "c", da Carta Maior, em face de acórdão prolatado pelo Eg. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, sob o fundamento de ter o mesmo malferido os arts. 6.º da Lei de Introdução ao Código Civil; 1647, inciso I, 1687, 1969 e 2039 do vigente Código Civil Brasileiro; e 535 do Código de Processo Civil.
Noticiam os autos que PAULO MARTINS FILHO e MERCEDES MAGDALENA SERRADOR  RTINS, contraíram matrimônio sob o regime de separação total de bens, fazendo-o de acordo com a legislação à época vigente por meio de pacto antenupcial lavrado em maio de 1950, no qual ficou expressamente convencionado entre os nubentes o que se segue:

                "que se achando contratados para casar
resolveram que o seu casamento se regerá pela
completa separação de bens; que assim todos os
bens presentes e futuros pertencerão como
próprios e serão incomunicáveis; bem assim o
rendimento de tais bens, podendo cada um dos
outorgantes e reciprocamente outorgados
livremente dispor dos seus bens e rendimentos
sem intervenção do outro e como lhe aprouver,
mantendo cada um dos outorgantes e
reciprocamente outorgados a exclusiva autoridade
de administração, usar e dispor de seus bens a
seu livre arbítrio." (fls. 139)



Em 25.06.2001, PAULO MARTINS FILHO lavrou testamento
público, dispondo da totalidade de seu patrimônio, deixando como seu único
herdeiro seu sobrinho ALOYSIO MARIA TEIXEIRA FILHO, vindo a falecer em 26.05.2004.
Em 25.06.2004, o testamenteiro nomeado requereu a
abertura da sucessão do varão, apresentando seu testamento junto ao Juízo
da 5.ª Vara de Órfãos da cidade do Rio de Janeiro para o devido registro
arquivamento e cumprimento, sendo sua execução ordenada por decisão
datada de 04.08.2004.
Em 05.09.2004, quase quatro meses após o óbito de seu
esposo, veio a falecer MERCEDES MAGDALENA SERRADOR MARTINS.

Abriu-se, assim, a sucessão da mesma, em ação processada junto à 2.ª Vara
de Órfãos e Sucessões, na qual encontram-se habilitados onze sobrinhos
seus, filhos de seus irmãos já falecidos.

Assim é que, nos autos do inventário de PAULO MARTINS FILHO, o espólio de MERCEDES MAGDALENA SERRADOR MARTINS, formulou o pedido de habilitação que deu origem à controvérsia que se põe à apreciação desta Corte Superior, sustentando, em síntese, que, nos termos do art. 1.845 do vigente Código Civil, a despeito da disposição de vontade do

testador, haveria de ser reservada a legítima à sua esposa na condição de
herdeira necessária, vez que já falecidos os ascendentes e inexistentes
descendentes do testador.

O juízo singular indeferiu o pedido de habilitação formulado,
o que ensejou a interposição do agravo de instrumento de que trata o art. 522
do CPC por parte do espólio de MERCEDES MAGDALENA SERRADOR MARTINS.

 Na ocasião, ficou assim fundamentado o voto condutor do referido julgado:
"(...) A disputa está, pois, em se
estabelecer a qual norma se submete a lide,
sabendo-se que o casamento e o testamento
ocorreram na vigência do CC/16, mas os óbitos,
sucessivos, e deram sob o regime da Lei nova
(26.05.04, o do varão; 05.09.04, o da mulher).

Aplicada a regra de direito intertemporal -
tais o objeto próprio e a utilidade da Lei de
Introdução ao Código Civil -, dúvida não pode
subsistir quanto a aplicar-se a lei nova, desde que
'expressamente o declare, quando seja com ela
incompatível ou quando regula inteiramente a
matéria de que tratava a lei anterior'. Solar que, em
face do CC/16, o CC/02 correspondente às três
possibilidades, cuidando-se, como se cuida, de
direitos sucessórios do cônjuge sobrevivente.
Prevendo, por óbvio, que muitos seriam os
casos de testamentos lavrados no regime do
CC/16 e óbitos ocorridos na vigência do CC/02,
este fez constar duas regras necessárias e
suficientes, quais sejam as dos arts. 2.041 e 2.042.

O art. 2.041 estabelece que 'as disposições
deste Código relativas à ordem de vocação
hereditária (arts. 1.829 e 1.844) não se aplicam à

sucessão aberta antes de sua vigência,

prevalecendo o disposto na lei anterior'.

Extraem-se dois efeitos: (1.º) todas as demais

disposições do CC/02, relativas à sucessão, vale

dizer, os arts. 1.845 e seguintes, podem, conforme

o caso, ser aplicadas também às sucessões

abertas antes da vigência da nova lei; (2.º) no

caso, abriu-se a sucessão em 2004, já, portanto,

na vigência do CC/02, descabendo manter-se o

regime do CC/16, desde que atendidos os

preceptivos da lei que o revogou.



(...) O art. 2.042 manda aplicar o disposto

no caput do art. 1.848 - que proíbe o testador de

estabelecer, entre outras, cláusula de

incomunicabilidade sobre os bens da legítima -

quando a sucessão se abrir um ano após a entrada

em vigor do CC/02, 'ainda que o testamento tenha

sido feito na vigência do anterior', com a

consequência expressa de que se, nesse prazo, 'o

testador não aditar o testamento para declarar a

justa causa de cláusula aposta à legítima, não

subsistirá a restrição'.



O art. 2.042 do CC/02 fixou tal prazo

porque, além dele, incide o novo regime. Ora, o

varão faleceu aos 26.05.2004, ou seja, mais de

ano depois de janeiro de 2003, quando passou a

viger o CC/02, e nada aditou ao testamento.

Segue-se que as disposições deste passaram a

obedecer às normas do CC/02. E estas traçam

limite objetivo à liberdade do testador - 'A legítima

dos herdeiros necessários não poderá ser incluída

no testamento' (art. 1.857, § 1.º). Também por

esse motivo, o cônjuge sobrevivente, na qualidade

de herdeiro necessário, faz jus à metade dos bens

destinados ao testamenteiro, por isto que, no caso,

aos herdeiros daquele se deve franquear a

habilitação pretendida." (fls. 610/612-apenso)

Em face do julgado, opôs o ora recorrente embargos de

declaração, suscitando a inaplicabilidade à hipótese do art. 1.845 do Código

Civil, por ofensa ao princípio legal e constitucional de respeito ao ato jurídico

perfeito e ao direito adquirido.

Referidos embargos foram rejeitados à unanimidade,

esclarecendo a Corte a quo, que a questão constitucional suscitada já fora

objeto de apreciação quando do julgamento de agravo de instrumento distinto,

manejado pelo próprio embargante e autuado sob o n.º 2007.002.08178, a

que se negou provimento também à unanimidade.

Ainda irresignado com o teor do v. Acórdão prolatado,

interpôs o ESPÓLIO DE PAULO MARTINS FILHO o recurso especial que ora

se apresenta, aduzindo, preliminarmente, que o agravo de instrumento que

ensejou a prolação do julgado impugnado sequer se fazia merecedor de

conhecimento, vez que, em suas razões, o então agravante não teria

impugnado, especificamente, todos os fundamentos essenciais da decisão

singular atacada, em especial ao referente à escorreita exegese do art. 2.039 do CC/02.

No mérito, afirma que o art. 1.845 do Código Civil, ao incluir

o cônjuge sobrevivente no rol dos herdeiros necessários implicaria em ofensa

cabal a atos jurídicos perfeitos e acabados, ofendendo, assim, o art. 5.º,

XXXVI, da Carta Maior e o art. 6.º, §§ 1.º e 2º da LICC. Sustenta, assim, que

"jamais poderá ser considerado herdeiro necessário justamente aquele

cônjuge que foi casado pelo regime da completa e absoluta separação

convencional de bens" (fls. 751)

Aduz, ainda, que o art. 1.845 do CC/02 se revela

incompatível com os arts. 1.647 e 1.687 daquele mesmo diploma legal,

porquanto os mesmos conferem total liberdade de administração e disposição

do patrimônio ao cônjuge casado através do regime de total separação

convencional de bens.

Assevera que "não há como se admitir que a lei nova,

advinda muito tempo depois do pacto antenupcial e do próprio testamento

deixado pelo varão, venha a atingir tais atos jurídicos perfeitos, tornando sem

efeito as vontades dos cônjuges, transformando-os em herdeiros necessários

um do outro e impondo-lhes, em razão disto, restrições quanto à disposição

da totalidade de seu patrimônio pela via testamentária" (fls. 759) e, acerca do

tema, conclui que "somente para os destinatários do testamento este somente

se tornará um ato jurídico perfeito e acabado após a morte do testador.

Contudo, para o próprio testador, suas disposições de última vontade, desde

que feitas de acordo com a legislação em vigência na época em que foi

outorgado e assinado, são imutáveis após seu falecimento, e jamais poderão

ser alterados pela lei nova" (fls. 767)

Aduz, também, divergência jurisprudencial, colacionando aos

autos ementa de julgado oriundo do Eg. TJ/RS que, em caso análogo ao que

se apresenta, teria esposado entendimento diverso.

Por fim, aponta o recorrente ofensa ao art. 535 do CPC,

afirmando omisso o acórdão exarado na origem, em sede de embargos de

declaração, por não ter dirimido a controvérsia à luz da suscitada ilegalidade e

inconstitucionalidade do art. 1.845 do CPC.

O agravado apresentou suas contra-razões ao apelo nobre

(fls. 787/791), pugnando pela inadmissão do mesmo, posto ser a questão

central do apelo - relativa à ofensa a ato jurídico perfeito - de índole

eminentemente constitucional, bem como pelo fato de não ter sido referido

tema objeto de prequestionamento. No que se refere à apontada ofensa ao

art. 535 do CPC, afirma o recorrido ser indevida a alegação, mesmo porque

teria a Corte de origem deixado expresso que a questão constitucional

suscitada não seria apreciada naquele momento por já ter sido objeto de

análise em agravo de instrumento diverso, manejado pelo próprio

embargante, ora recorrente.

Na origem, em exame de prelibação (fls. 622/630-apenso),

recebeu o recurso especial, bem como ocorreu com o extraordinário (fls.

682/725), crivo negativo de admissibilidade, ascendendo, assim, o primeiro, à

esta Corte Superior, por força da decisão proferida nos autos do AG n.º

1.009.753/RJ.

É o relatório.



EMENTA

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL.

VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA.

DIREITO SUCESSÓRIO. CÔNJUGE SUPÉRSTITE. ART.

1845 DO CPC. REGIME MATRIMONIAL DE SEPARAÇÃO

TOTAL DE BENS. TESTAMENTO ANTERIOR AO NOVO

CÓDIGO CIVIL. DISPOSIÇÃO SOBRE A INTEGRALIDADE

DOS BENS. APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO. PROTEÇÃO

AO ATO JURÍDICO PERFEITO. VONTADE DO TESTADOR

QUE MERECE SER RESPEITADA, IN CASU.



1. Não se verifica violação ao art. 535 do CPC

quando o acórdão impugnado examina e decide, de forma

fundamentada e objetiva, as questões relevantes para o

desate da lide.

2. A alteração engendrada na norma civil, alçando o

cônjuge supérstite à condição de herdeiro necessário (art.

1845), tem o escopo de protege-lo nas hipóteses em que

desprovido o mesmo do percebimento de eventual meação

advinda do regime matrimonial adotado.

3. In casu, porém, consoante se infere dos autos

após o falecimento de seu esposo, optou o cônjuge

sobrevivente por não habilitar-se no inventário dos bens do

mesmo, respeitando, assim, último ato de vontade deste,

inserto no testamento que lavrara no ano de 2001.

4. Assim, a despeito de, via de regra, prevalecer, em

matéria de direito sucessório, a lei vigente à época do

falecimento, por força do disposto no art. 1.787 do Código

Civil, tenho que, excepcionalmente, tendo em vista as

peculiaridades do caso em apreço, em homenagem ao

disposto no art. 6.º, §§ 1.º e 2.º, da LICC, que assegura

respeito ao ato jurídico perfeito, devem ser mantidas hígidas

as disposições de última vontade do testador, mesmo

porque estas, corroboradas pela ação em vida da cônjuge

sobrevivente, cumprem não só o desejo do próprio casal,

como estão em consonância com o espírito da norma que

estendeu proteção sucessória a pessoa do cônjuge.

5. Recurso especial provido.



VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO CARLOS FERNANDO MATHIAS

(JUIZ FEDERAL CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO) (Relator):

O dissídio jurisprudencial suscitado encontra-se configurado,

bem como encontra-se implicitamente prequestionada a matéria federal

inserta nos dispositivos legais apontados pelo ora recorrente como malferidos,

o que, somado ao preenchimento dos demais pressupostos de

admissibilidade recursal, impõe o conhecimento do presente recurso especial.

Consoante o relatado, cinge-se o especial às seguintes

alegações: a) violação do art. 6.º, §§ 1.º e 2.º da LICC pela inclusão do

cônjuge supérstite no rol dos herdeiros necessários promovida pelo art. 1.845

do vigente Código Civil; b) incompatibilidade do art. 1.845 do Código Civil com

arts 1.647, 1687, 1969 e 2039 daquele mesmo diploma legal; c) divergência

jurisprudencial, ensejadora da abertura da via especial pela alínea "c" do

permissivo constitucional; e d) violação do art 535 do CPC, decorrente da

omissão da Corte de origem acerca da suscitada ilegalidade e

inconstitucionalidade do art. 1.845 do CPC.

Prima facie, impende destacar que não se vislumbra, na

hipótese vertente, a ocorrência da suscitada ofensa ao art. 535 do Código de

Processo Civil.

Consigne-se que muito embora rejeitando os embargos de

declaração opostos pelo ora agravante, o acórdão recorrido examinou,

motivadamente, todas as questões pertinentes ao desfecho da lide.

Assim, no tocante à alegada violação do disposto no artigo

535, II, do CPC, o especial não merece provimento, pois a Corte a quo

analisou, de forma clara e fundamentada, todas as questões pertinentes ao

julgamento da causa, consoante se infere do inteiro teor do aresto ora

hostilizado.

O dissídio jurisprudencial suscitado encontra-se configurado,

bem como encontra-se implicitamente prequestionada a matéria federal

inserta nos dispositivos legais apontados pelo ora recorrente como malferidos,

o que, somado ao preenchimento dos demais pressupostos de

admissibilidade recursal, impõe o conhecimento do presente recurso especial

A despeito de ter sido, a questão posta nos autos, analisada

pela Corte de origem, quando do julgamento do AI n.º 2007.002.08178-RJ,

sob a ótica constitucional, não há óbice a que seja dirimida a controvérsia,

nesta Corte Superior à luz da legislação infraconstitucional aplicável à

hipótese, máxime por demandar o feito, in casu, acurada análise de regras de

direito intertemporal aplicáveis à espécie em decorrência da entrada em vigor

do novo Código Civil.

Posto isso, cumpre esclarecer que a controvérsia se resume

a saber se, o testamento lavrado antes da entrada em vigor por pessoa

casada em regime de total separação convencional de bens, firmado em

decorrência de pacto antenupcial também celebrado na vigência do código

revogado, configura-se em ato jurídico perfeito, impondo respeito às

disposições de última vontade do testador que vem a falecer quando da

vigência do novel diploma legal.

O testador, como já dito, antes da entrada em vigor do novo

Código Civil, nomeou como herdeiro único da totalidade de seus bens, um

sobrinho seu, ante a inexistência de descendentes e ao pré-falecimento de

seus ascendentes.

Ocorre que, após o falecimento do testador, bem como de

sua esposa, que ocorreu quatro meses após o óbito do primeiro,

habilitaram-se os sobrinhos desta última, pretendendo, assim, resguardar a

legítima que entendem lhes ser de direito, vez que a novel legislação civil

passou a assegurar ao cônjuge supérstite condição de herdeiro necessário.

Antes de mais nada, impõe-se firmar a premissa de que

tanto o pacto antenupcial firmado pelos nubentes, PAULO E MERCEDES,

como o testamento lavrado por este último, como atos jurídicos perfeitos e

acabados que o são, não podem ficar a mercê das alterações legislativas

futuras, e isto até sem ser necessário invocar-se a máxima "tempus regit

actum".

Não se nega, todavia, que a alteração engendrada na norma

civil, alçando o cônjuge supérstite à condição de herdeiro necessário, tem

justamente o escopo de protege-lo nas hipóteses em que desprovido o

mesmo do percebimento de eventual meação advinda do regime matrimonial

adotado.

In casu, porém, a questão que se põe vai além da proteção

conferida pelo legislador ao cônjuge sobrevivente.

Consoante se infere dos autos, MERCEDES, após o

falecimento de seu esposo, optou por não habilitar-se no inventário dos bens

do mesmo, respeitando, assim, último ato de vontade deste, inserto no

testamento que lavrara no ano de 2001. A proteção legal que lhe era

conferida pela lei nova foi, assim, por ato de vontade da própria MERCEDES,

posto em segundo plano sponte propria , tendo optado a mesma por honrar

não só os atos jurídicos perfeitos consubstanciados no pacto antenupcial e no

testamento, já mencionados, como por fazer valer a vontade última de seu

falecido cônjuge.

Oportuno ressaltar que, a despeito das modernas alterações

promovidas pelo Código Civil vigente, em especial no que concerne ao direito

sucessório, a livre disposição dos bens, tanto no novel diploma quanto

naquele revogado, sempre foi direito assegurado aos casados em regime de

separação total de bens, sendo descabido pretender que não pudesse um

deles, dispor em testamento da integralidade dos mesmos na vigência de

norma que, da forma como estabelecia, não lhe impunha a preservação da

legítima, vez que inexistentes naquele momento herdeiros necessários.

É justamente esta a inteligência dos arts. 1.647, 1.687 e

2.039 do Código Civil vigente, apontados pelo recorrente como malferidos,

verbis:

"Art. 1647. Ressalvado o disposto no art.

1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem anuência

do outro, exceto no regime de separação absoluta:

I - alienar ou gravar de ônus real os bens

imóveis;"

"Art. 1687. Estipulada a separação de bens,

estes permanecerão sob a administração exclusiva

de cada um dos cônjuges, que os poderá

livremente alienar ou gravar de ônus real."

"Art. 2039. O regime de bens nos

casamentos celebrados na vigência do Código

Civil anterior, Lei n.º 3.071, de 1.º de janeiro de

1916, é o por ele estabelecido."

Assim, in casu, não há invocar-se que em direito sucessório,

a lei vigente à época do falecimento, por força do disposto no art. 1.787 do

Código Civil, impondo-se, em homenagem ao disposto no art. 6.º, §§ 1.º e 2.º,

da LICC e em harmonia com outras disposições pertinentes do Código Civil,

tanto o de 1916, quanto o atual, (verbi gratia, art. 276 do Código Beviláqua e

arts. 1.647, 1687 e 2.039 do Código Civil atual), que assegura respeito ao ato

jurídico perfeito, devem ser mantidas hígidas as disposições de última

vontade do testador, mesmo porque estas, corroboradas pela ação em vida

da cônjuge sobrevivente, cumprem não só o desejo do próprio casal, como

estão em consonância com o espírito da norma que estendeu proteção

sucessória a pessoa do cônjuge (Código Civil de 2002, art. 1845).

Ex positis, DOU PROVIMENTO ao presente recurso

especial, para restabelecer a decisão do juízo singular, que indeferiu o pedido

de habilitação do espólio de MERCEDES MAGDALENA SERRADOR

MARTINS no inventário de PAULO MARTINS FILHO.

É como voto.



VOTO-VISTA

O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA:

A controvérsia constante dos autos decorre dos seguintes fatos:

Paulo Martins Filho, no ano de 1950, casou-se com Mercedes Magdalena Serrador

Martins em regime de separação de bens. Do casamento não tiveram filhos.

Em 26 de maio de 2004, aos noventa anos de idade, Paulo faleceu, deixando

testamento no qual beneficiou seu sobrinho Aloysio Maria Teixeira Filho, aquinhoando-o com

todos os seus bens. Ocorreu que, quatro meses depois, Mercedes também faleceu, e seus bens

foram inventariados e partilhados entre 11 sobrinhos, filhos de irmãos já falecidos.

Porém, tais sobrinhos resolveram habilitar-se no espólio de Paulo Martins,

sustentando a seguinte tese: Paulo Martins faleceu na vigência do novo Código Civil, que elevou

o cônjuge supérstite à categoria de herdeiro necessário. Assim, Mercedes era sua herdeira e,

como faleceu depois, entendem que, sendo herdeiros de Mercedes, têm direito à parte da herança

de Paulo, tida por legítima.

A habilitação foi julgada improcedente no primeiro grau, mas essa decisão foi

reformada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro com base na interpretação que

conferiu aos artigos 2.041 e 2.042 do Código Civil de 2002.

Aviado recurso especial, o Ministro Relator, Carlos Fernando Mathias, deu-lhe

provimento, mantendo o ato de vontade perpetrado entre os cônjuges, qual seja: de manter seus

patrimônios dissociados nada obstante a nova regra do Código.

Concluiu o i. Relator:

“Consoante se infere dos autos, MERCEDES, após o falecimento de seu

esposo, optou por não habilitar-se no inventário dos bens do mesmo, respeitando,

assim, último ato de vontade deste, inserto no testamento que lavrara no ano de 2001.

A proteção legal que lhe era conferida pela lei nova foi, assim, por ato de vontade da

própria MERCEDES, posto em segundo plano sponte própria , tendo optado a mesma

por honrar não só os atos jurídicos perfeitos consubstanciados no pacto antenupcial e

no testamento, já mencionados, como por fazer valer a vontade última de seu falecido

cônjuge.”

Pedi vista dos autos para melhor análise e entendo que o acórdão recorrido deve ser

mantido.

I

É certo que o casamento de que os autos tratam ocorreu em 1950, na vigência,

portanto, do Código Civil de 1916, segundo o qual o cônjuge era apenas meeiro, observadas as

disposições relativas ao pacto-antenupcial, cujos termos não encontravam limites (art. 256),

exceto nas hipóteses em que era obrigatória a separação de bens. In casu, o regime adotado foi o

de separação de bens, sendo que o Sr. Paulo optou por deixar os seus ao sobrinho Aloysio.

Ocorre que faleceu quando já vigia o novo Código Civil, de modo que sua esposa

sobrevivente, Mercedes, foi elevada à categoria de herdeira necessária.

Então, a questão que se propõe a ser resolvida assenta-se em estabelecer se o ato de

disposição de vontade pelos cônjuges – casamento com separação total de bens – , culminado

com o ato de última vontade manifestado pelo Sr. Paulo – testamento deixando seus bens ao

sobrinho Aloysio –, prevalece em face das novas regras estabelecidas no Código Civil

atualmente em vigor e se há vulneração do ato jurídico perfeito.

Entendo que não e, nesse sentido, penso que está correto o acórdão recorrido, data

vênia do entendimento do Ministro Relator.

O Código Civil de 2002 foi específico ao estabelecer as regras de direito

intertemporal acerca do assunto, dispondo no seu artigo 2.041:

Art. 2.041. As disposições deste Código relativas à ordem da vocação

hereditária (arts. 1.829 a 1.844) não se aplicam à sucessão aberta antes de sua

vigência, prevalecendo o disposto na lei anterior.

Conclui-se que à sucessão aberta antes de 11 de janeiro de 2003 aplicam-se as

disposições do código anterior à ordem da vocação hereditária.

In casu, como aferido no acórdão recorrido, "Paulo faleceu aos 26.05.2004 (fls. 35);

Mercedes, aos 05.09.2004 (fls. 49). É certo, portanto, que a sucessão foi aberta na vigência do

novo Código Civil" (fl. 633).

Pois bem, o cônjuge, na vigência do Código de 1916, observando o artigo 1.603 e

incisos, era herdeiro legítimo; regra essa que foi mantida no atual código, conforme o disposto

no artigo 1.829 e incisos:

“Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se

casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação

obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão

parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais.”

A inovação trazida pelo código atual está em que o cônjuge supérstite foi elevado à

categoria de herdeiro necessário conforme expressamente previsto no artigo 1.845 (que não

encontra dispositivo similar na Código revogado). Observe-se:

Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o

cônjuge.

Nesse ponto, o Ministro relator bem referiu que a alteração engendrada na norma

civil, alçando o cônjuge supérstite à condição de herdeiro necessário, teve o escopo de

protegê-lo. Os autores são unânimes nesse sentido; confira-se Eduardo de Oliveira Leite; in

Comentários ao Novo Código Civil, vol. XXI, 3ª edição, pág. 217:

“A inovação só se justifica pela irresistível intenção de favorecer o cônjuge

sobrevivente, partícipe inconteste da comunhão de vida e de interesses que

caracterizam a sociedade conjugal e que, certamente, não desaparece com a

dissolução do casamento.”

Todavia, a lei fez algumas ressalvas no que concerne à concorrência do cônjuge

sobrevivente com os descendentes do de cujus, estabelecendo que não há concorrência, não

herdando o cônjuge se: (a) o regime de bens era o de comunhão universal; (b) se de separação

obrigatória; e (c) se, no regime de comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado

bens particulares.

Isso se explica porque, na primeira e na última hipóteses, o cônjuge é meeiro do total

de bens deixado pelo de cujos, já estando devidamente amparado; e, na segunda hipótese,

porque é a vontade da lei que fixa que, em determinados casos, não pode haver nenhum tipo de

comunhão de bens, mesmo que queiram os nubentes.

Conclui-se daí que o legislador trouxe para as disposições sucessórias algumas

regras atinentes ao regime de bens do casamento, instituto este pertencente ao direito de família,

extraindo-se dele que: bens particulares constitui o patrimônio pessoal de cada um dos cônjuges,

são bens que cada um possui antes do casamento; já os bens comuns são os que passam a

pertencer a ambos os cônjuges em razão do regime de casamento.

Importa destacar que, se a lei fez algumas ressalvas quanto ao direito de herdar em

razão do regime de casamento ser o de comunhão universal ou parcial, ou de separação

obrigatória, não fez nenhuma quando o regime escolhido for o de separação de bens não

obrigatório, de forma que, nessa hipótese, o cônjuge concorre com os descendentes e

ascendentes, até porque o cônjuge casado sob tal regime, bem como sob comunhão parcial na

qual não haja bens comuns, é exatamente aquele que a lei buscou proteger, pois, em tese, ele

ficaria sem quaisquer bens, sem amparo, já que, segundo a regra anterior, além de não herdar,

(em razão da presença de descendentes) ainda não haveria bens a partilhar.

In casu, não há nenhum tipo de ressalva que tirasse de Mercedes a possibilidade de

herdar. Tinha ela, ao tempo da morte de seu esposo, legitimidade e capacidade de herdar - a lei

civil foi alterada conferindo-lhe a posição de herdeira necessária; o casal não deixou

descendentes; não tinha seu falecido esposo ascendentes. Assim, em que pese o regime de

casamento escolhido por eles ser o de separação de bens, Mercedes, cônjuge supérstite, herda -

no que toca à legítima - sem nenhuma concorrência.

Assim, não tenho dúvida alguma de que Mercedes, por ter falecido após seu marido

que não deixou descendentes, passou à categoria de herdeira necessária, mesmo diante do pacto

antenupcial de regime de separação de bens.

II

Todavia, o caso envolve uma particularidade: o Sr. Paulo deixou testamento

beneficiando sobrinho com todos os seus bens; portanto, é a sucessão testamentária que está

sendo contestada.

Cabe observar que, em princípio, pode-se dispor por testamento da totalidade ou de

parte dos bens para depois da morte, isso se o testador não tiver herdeiros necessários: quais

sejam: descendentes, ascendentes e cônjuge.

De fato, o testador, Sr. Paulo, não tinha herdeiros necessários segundo a regra do

código revogado, pelo que dispôs livremente da totalidade de seus bens. Todavia, quando a

sucessão foi aberta, vigia nova regra e ele passou a ter uma herdeira, sua esposa, a quem

precisaria ter deixado parte correspondente a metade da herança, que é a parte indisponível.

Nada obstante essa modificação legislativa ter-se operado depois do casamento, bem

como da lavratura do testamento, não há por que falar em violação de ato jurídico perfeito ou de

direito adquirido, pois as disposições do novo código projetam-se nos testamentos feitos

antes da sua vigência, uma vez que a lei que regula a sucessão e a legitimação para suceder

é a vigente ao tempo da abertura da sucessão. Isso não só pela regra acima indicada, constante

do disposto no art. 2.041, como pelo disposto no artigo 1.787, assim exarado:

“Art. 1.787. Regula a sucessão e a legitimação para suceder a lei vigente ao

tempo da abertura daquela.”

Eduardo de Oliveira Leite, na obra citada acima, pág. 30, comentando o dispositivo,

elucida:

“O elemento temporal produz efeitos distintos, quer se trate da sucessão

legítima, quer da testamentária.

Com relação à sucessão legítima, a incidência do princípio não abre espaço a

qualquer exegese mais favorável: a lei do tempo da abertura da sucessão é que regula

todas as questões pertinentes à herança do de cujus (salvo, evidentemente, a

ocorrência de alguma condição, materializando-se a capacidade para suceder, no

momento em que esta se verifica).”

Trata-se de princípio antigo, que constava do Código Civil do 1916, no artigo 1.577,

cuja redação era a seguinte:

Art. 1.577. A capacidade para suceder é a do tempo da abertura da sucessão,

que se regulará conforme a lei então em vigor.

A capacidade é determinada pela lei; assim, é a lei que vigora no tempo da

abertura da sucessão que deve regulá-la.

Darcy Arruda Miranda, ao comentar o artigo acima revogado, indica (Anotações ao

Código Civil Brasileiro, 3º volume, 1986, pág. 616):

“11. A capacidade para suceder é a do tempo da abertura da sucessão, ou seja,

do momento em que o autor da herança vem a falecer, regulando-se essa abertura

conforme a lei então em vigor (art. 1.577). Assim se o herdeiro instituído à época em

que foi feito o testamento era capaz, mas veio a tornar-se incapaz ao tempo da

sucessão, não sucede; porém, se era incapaz ao ser lavrado o testamento e veio a

se tornar capaz por ocasião da abertura da sucessão, sucede” (destaquei).

O final da citação acima, que destaquei, corresponde exatamente à hipótese versada

nos presentes autos, pois a Sra. Mercedes, ao tempo em que feito o testamento era herdeira

apenas legítima; contudo, passou a ser herdeira necessária em conformidade com as disposições

do novo Código Civil, sendo esta a lei vigente ao tempo da abertura da sucessão.

Os autores atuais, ao elaborarem seus comentários sobre as questões sucessórias, não

discrepam da doutrina antiga. Observa-se, por exemplo, que Paulo Nader, sobre a capacidade

sucessória, escreve:

"Quanto aos testamentos, estes devem atender aos requisitos formais da lei

vigente na data de sua feitura, mas a capacidade para suceder corresponderá à prevista

em lei quando da abertura da sucessão, como estabelece o art. 1.787 do Código Civil"

(in Curso de Direito Civil - Direito das Sucessões, 2ª edição, págs. 31).

Essa é uma regra básica e antiga que não sofreu quaisquer alterações desde antes do

Código Civil de 1916 até a atualidade, não existindo polêmicas acerca da questão que a envolve.

Portanto, prevalece a regra de que a capacidade para suceder é a do tempo da

abertura da sucessão.

III

O recorrente sustenta a tese de que houve ferimento ao ato jurídico perfeito e ao

direito adquirido, porquanto afirma que o pacto antenupcial e o testamento representam ato de

vontade dos nubentes e que isso deveria ser respeitado.

Ocorre que não há por que falar em direito adquirido na presença de uma expectativa

de direito, como o de suceder.

O autor citado acima, Paulo Nader, explica:

"Direito adquirido não se confunde com expectativa de direito. Aquele é

situação jurídica resguardada pela ordem jurídica, enquanto esta outra figura revela

apenas probabilidade de aquisição de direito. Expectativa é apenas o direito em

potência, pois depende de algum acontecimento futuro e incerto. É a situação jurídica

de alguém que, mantidas as condições existentes, poderá adquirir um direito, como no

caso de herança" (obra citada, vol. I, pág. 122).

Continua o autor já se referindo ao conflito de leis sucessórias no tempo:

"As regras aplicáveis à sucessão ab intestato são as vigentes à época em que se

verificou a morte do titular do patrimônio. Este fato natural constitui a causa

determinante da sucessão. Como se destacou anteriormente, sem o evento morte

inexiste direito subjetivo à sucessão, apenas expectativa de direito, restando assim

inconcebível a aplicação de lei revogada antes do falecimento. Deste modo, Túlio

poderia estar beneficiado, de longa data, com a vocação hereditária prevista na lei 'A',

todavia, se na data da morte do causante, encontrava-se em vigor a lei 'B', que lhe era

menos favorável, não terá argumentos jurídicos para pleitear a aplicação da lei 'A',

pois a sua situação jurídica não se encontrava protegida em qualquer hipótese do art.

5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal (direito adquirido, ato jurídico perfeito ou

coisa julgada ). E como se sabe e o próprio Code Napoleon proclama: 'La loi ne

dispose que pour l'avenir; elle n'a point d'effet rétroactif' (art. 2º)

Aplicando-se o que foi dito à codificação brasileira, tem-se que o óbito havido

durante a vigência do Código Beviláqua, por ele a sucessão se orientará; o ocorrido a

partir da vigência do Código Reale, a sucessão correspondente será por ele regulada.

A capacidade para suceder deve ser aferida no momento da abertura da sucessão, ou

seja, no momento em que a morte se verificou" (obra citada, vol. 6, pág. 31).

Portanto, Aloysio Maria Teixeira, herdeiro testamentário, até a morte de testador,

tinha apenas uma expectativa de direito de titularidade sobre o patrimônio de seu tio; isso

porque, ao tempo em que feito o testamento (apenas para citar duas hipóteses), dependia da

morte do testador e da lei vigente à época do óbito.

Contudo, o testador veio a falecer em 26 de maio de 2004, quando já vigiam as

regras do novo Código Civil, que incluiu o cônjuge supérstite na condição de herdeiro

necessário.



Dessume-se disso tudo que a habilitação do espólio da herdeira necessária no espólio

de Paulo Martins não fere nenhum direito adquirido de Aloysio, uma vez que esse não existia.

No que tange ao ato jurídico perfeito, defendido pelo recorrente quanto ao pacto

antenupcial e ao testamento, a mesma condição se verifica.

O pacto antenupcial não está sendo questionado. Trata-se de instituto afeto ao direito

de família, e não ao de sucessões. Pelo que consta dos autos, foi respeitado integralmente pelos

cônjuges, que nada acerca dele demandaram. É, realmente, negócio jurídico perfeito, até porque

é instituto abraçado pelo atual Código Civil e nenhuma disposição dele está sendo questionada

sob a vertente do direito intertemporal.



Já no que diz respeito ao testamento, há de se observar que nada foi contestado sob o

aspecto formal. Quanto ao aspecto material, como afirmado acima, deve-se considerar que é ato

de manifestação da vontade sem efeito imediato, ou seja, ele somente produzirá efeitos após a

morte do testador; portanto, não é ato alcançado pelo princípio da irretroatividade da lei.

Por outro lado, deve-se considerar que, no tempo em que o testamento foi realizado,

em 2001, vigia o Código Civil de 1916, que abraçava, como citado em linhas precedentes, o

princípio segundo o qual as regras aplicáveis à sucessão são as vigentes à época em que se

verifica a morte do titular do patrimônio, exatamente como previsto no código atual.

Assim, o testador deveria saber que a prevalência de sua vontade dependeria de que

a lei vigente não fosse alterada.



Carlos Maximiliano, comenta o seguinte:

“ No Brasil, como em todos os países cultos, em regra é respeitada a autonomia

da vontade; a lei dispõe somente para os casos não previstos pelos indivíduos, não

resolvidos por êstes em atos jurídicos válidos. Há, entretanto, um conjunto de idéias –

sociais, políticas, econômicas, morais e até religiosas a cuja conservação a sociedade

crê ligada a própria existência. Êsses princípios fundamentais, orgânicos, iniludíveis

se sobrepõem às diliberações dos particulares; denominam-se de ordem pública.

Acima da vontade dos indivíduos está o interêsse social; e 'leis de ordem

pública são aquelas que interessam mais diretamente à sociedade que aos particulares'

(definição de Portalis); 'as que, em um Estado, estabelecem os princípios cuja

manutenção se considera indispensável à organização da vida social, segundo os

preceitos do Direito' (no conceito de Clóvis Bevilaqua)” (in Direitos das Sucessões,

1952, págs. 47/48).



Sendo essa a regra mantida no atual Código Civil e tendo o ato de disposição de

vontade sido efetuado quando também ela vigia, não há por que falar em violação do ato

jurídico perfeito.



Assim, apesar da indignação compreensível do legatário, Aloysio Maria Teixeira

Filho, certo que a legítima, por disposição da lei, é do espólio de Mercedes Magdalena Serrador

Martins.



IV

O Ministro Relator referiu-se a que, após o falecimento do Sr. Paulo, sua esposa

Mercedes optou por não habilitar-se no inventário de seus bens, afirmando:

"A proteção legal que lhe era conferida pela lei nova foi, assim, por ato de

vontade da própria MERCEDES, posto em segundo plano sponte propia, tendo

optado a mesma por honrar não só os atos jurídicos perfeitos consubstanciados no

pacto antenupcial e no testamento, já mencionados, como por fazer valer a vontade

última de seu falecido cônjuge."

Com toda vênia, não corroboro esse entendimento.

O inventário de Paulo foi aberto pelo testamenteiro, Luis Eduardo Tenório, quando o

prazo do artigo 983 estava se esgotando. Justificou-se que tanto o cônjuge supérstite, como o

legatório, Aloysio, estavam impossibilitados de o fazerem; este porque estava fora da cidade do

Rio de Janeiro, e aquela, porque muito idosa, estava sob cuidados médicos. Observe-se:

"Ocorre que o cônjuge supérstite - D.MERCEDES, senhora com 90 (noventa)

anos de idade (nascida em 17/11/1914), encontra-se profundamente abalada com a

morte de seu esposo e sob cuidados médicos em sua residência" (fl. 31).



A presunção de que tal fato era verdadeiro decorre de que, menos de quatro meses

depois, a Sra. Mercedes também veio a falecer.

Ora, é de se presumir que uma senhora com mais de noventa anos, debilitada e

necessitada de cuidados médicos, e ainda sentido a perda do marido, com quem fora casada por

mais de cinquenta anos, não iria se ocupar com habilitação em inventário nenhum. Ademais, não

tinha filhos, nem netos, e, portanto, ninguém que pudesse cuidar de seus interesses, já que

impossibilitada de fazê-lo por ela mesma.

Os seus sobrinhos, por certo, não iriam cuidar disso, pois se ela viesse a renunciar à

herança, não teriam nada a pleitear dos bens de seu falecido esposo, como estão a fazer no

presente momento.

Pelo quadro que se apresentava à época, não seria demais concluir que a Sra.

Mercedes desconhecesse que deveria renunciar à herança para que o ato de última vontade de

seu falecido esposo pudesse ser acatado. Penso que seria preciso abnegação, retidão e um senso

de justiça incomum atualmente para que qualquer um de seus sobrinhos tomasse a iniciativa de

fazer respeitar o ato de vontade dos esposos, propondo à sua tia que renunciasse ou

indicando-lhe essa possibilidade.

Ante este quadro, não creio que se possa falar em renúncia sponte propria .

De qualquer forma, o fato é que renúncia não houve, e a legislação estabelece que ela

deve ser feita expressamente por escritura pública ou termo judicial. Observe-se:

Art. 1.806. A renúncia da herança deve constar expressamente de instrumento

público ou termo judicial.



Confiram-se comentários de Carlos Roberto Gonçalves:

"Dispõe o art. 1.806 do Código Civil que 'a renúncia da herança deve constar

expressamente de instrumento público ou termo judicial'. Não pode ser tácida,

portanto, como sucede com a aceitação. Também não se presume, não podendo ser

inferida de simples conjecturas. Tem de resultar de ato positivo e só pode ter lugar

mediante escritura pública que traduza uma declaração de vontade, ou termo judicial .

Este é lavrado nos autos do inventário e aquela é simplesmente juntada" (in Direito

Civil Brasileiro, 3ª edição, pág. 82).



Não se pode, portanto, concluir que a Sra Mercedes tenha renunciado, pois não só

não poderia fazê-lo tacitamente, como não há nada que indique ter sido a vontade dela.



V

Vê-se, portanto, que:

a) segundo disposições do Código Civil de 2002, o cônjuge supérstite é herdeiro necessário;

b) a capacidade para suceder corresponde à lei em vigor quando da abertura da sucessão;

c) inexiste direito adquirido de herdar enquanto vivo o autor do patrimônio a ser partilhado;

d) não houve renúncia à herança pela Sr. Mercedes.

Com base em todo o exposto, e pedindo vênia ao ilustre Relator, não conheço do recurso especial.

É como voto.





VOTO-VISTA

O SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO:

1. A questão submetida a julgamento é a seguinte:

- Paulo Martins Filho casou-se com Mercedes Magdalena Serrador Martins

segundo o regime de separação de bens acordado em pacto antenupcial celebrado em

19 de maio de 1950 e lavrado no 23º Cartório da Cidade do Rio de Janeiro;

- Em 26 de maio de 2001, Paulo Martins Filho lavrou testamento público

deixando a totalidade de seus bens para seu sobrinho Aloysio Maria Teixeira Filho, vindo

a falecer em 26 de maio de 2004;

- Quatro meses após, dia 5 de setembro de 2004, morreu a sua esposa

Mercedes Magdalena Serrador Martins;

- Foi requerida a abertura da sucessão do varão. Em 04 de agosto de 2004

foi prolatada decisão determinando a execução do seu testamento;

- Por sua vez, a sucessão de Maria Magdalena Serrador Martins foi aberta,

habilitando-se como herdeiros onze sobrinhos e sobrinhas;

- Como a morte de Paulo Martins Filho ocorreu na vigência do Novo Código

Civil, os sobrinhos de Mercedes Magdalena apresentaram pedido de habilitação no

espólio de Paulo Martins, sob o argumento de que, nos termos do artigo 1.845 do Novo

Código Civil, o cônjuge supérstite erigiu-se à categoria de herdeiro necessário, de forma

que, sendo herdeiros de Mercedes Magdalena, têm direito à parte da legítima que lhe

caberia.

O pedido de habilitação foi negado.

Interposto agravo de instrumento, o TJRJ proferiu acórdão do seguinte teor:



AGRAVO DE INSTRUMENTO. Inventário. Habilitação do espólio do

cônjuge-virago no inventário dos bens do cônjuge varão pré-morto, tendo

sido casados sob o regime de separação total e tendo o varão lavrado

testamento, destinando todo o seu patrimônio a um sobrinho. Casamento e

testamento anteriores ao Código Civil de 2002; óbitos em 2004. Conflito

intertemporal de norma: segundo o CC/16, a mulher nada herdaria em face

do testamentário; sob o CC/02, o cônjuge sobrevivente é equiparado a

herdeiro necessário, fazendo jus à meação. Prevalência do regime da lei

nova. Lição de Carlos Maximiliano. Provimento do recurso. (fl. 603/apenso).

Irresignado, o Espólio de Paulo Martins interpôs recurso especial

sustentando, em suma, a inadmissibilidade do agravo de instrumento e violação ao artigo

6º, §§ 1º e 2º da LICC, além de incompatibilidade entre os artigos 1.845 e 1.647 e 1.687

do mesmo diploma legal.

O eminente Ministro Relator Carlos Fernando Mathias deu provimento ao

recurso especial por entender feridos os atos jurídicos perfeitos consubstanciados no

pacto antenupcial firmado entre os cônjuges e no testamento lavrado pelo varão, ambos

na vigência do Código Civil de 1916.

Pediu vista o ilustre Ministro João Otávio de Noronha e proferiu voto

divergente para negar provimento ao apelo nobre, amparado nas seguintes premissas:

a) segundo disposições do Código Civil de 2002, o cônjuge supérstite é

herdeiro necessário;

b) a capacidade para suceder corresponde à lei em vigor quando da abertura da sucessão;

c) inexiste direito adquirido de herdar enquanto vivo o autor do patrimônio a ser partilhado;

d) não houve renúncia à herança pela Sra. Mercedes.

Estabelece o voto divergente que não foram atingidos os atos jurídicos seja

quanto ao pacto antenupcial, seja quanto ao testamento.

O pacto antenupcial porque "é instituto abraçado pelo atual Código Civil e

nenhuma disposição dele está sendo questionada sob a vertente do direito

intertemporal". O testamento, porque "nada foi contestado sob o aspecto formal" e,

quanto ao aspecto material, "deve-se considerar que é ato de manifestação da vontade

sem efeito imediato, ou seja, ele somente produzirá efeitos após a morte do testador" não

sendo assim "alcançado pelo princípio da irretroatividade".

Pedi vista dos autos. Passo a votar.

2. A questão que se põe é: se o pacto antenupcial é celebrado para dispor

acerca do regime de bens no casamento e o testamento foi lavrado considerando esse

acordo, como dizer que não houve violação ao ato jurídico perfeito, se não cumpridas as

disposições de última vontade estabelecidas nesse testamento?

Quando elaborou o testamento, em maio de 2001, o regime de bens do

casamento era o da separação total de bens, e a opção do falecido foi a de deixar todos

os bens para o sobrinho, à míngua de herdeiros necessários.

Todavia, sobreveio o Novo Código Civil e inseriu o cônjuge como herdeiro

necessário (art. 1.845).

É preciso, portanto, estabelecer interpretação do art. 2.042, do NCC em

harmonia com o que dispõe os arts. 6º, § 1º, LICC e 2.039, do NCC, todos abaixo

transcritos, observadas as peculiaridades do caso concreto.

Assim dispõem os referidos dispositivos:

Art. 2.042. Aplica-se o disposto no caput do art. 1.848, quando aberta a

sucessão no prazo de um ano após a entrada em vigor deste Código, ainda

que o testamento tenha sido feito na vigência do anterior, Lei n.º 3.071, de 1º

de janeiro de 1916; se, no prazo, o testador não aditar o testamento para

declarar a justa causa de cláusula aposta à legítima, não subsistirá a restrição.

Art. 6°. A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico

perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

§ 1°. Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao

tempo em que se efetuou.

Art. 2.039. O regime de bens nos casamentos celebrados na vigência do

Código Civil anterior, Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916, é o por ele

estabelecido.

Comento.

Embora para alguns o testamento celebrado na vigência do sistema anterior

configure ato jurídico perfeito que não poderia ser atingido por lei posterior, a maior parte

dos doutrinadores entende que, ainda que ato jurídico perfeito, os seus efeitos somente

serão produzidos após a abertura da sucessão.

Porém, no caso é impossível dissociar o pacto antenupcial e o testamento,

de modo que os atos jurídicos perfeitos e acabados devem ser respeitados, sob pena de

se gerar uma situação de insegurança jurídica e de se ferir o princípio da autonomia da

vontade, na medida em que lhes é assegurada a liberdade em contratar.

Não é possível que o advento de uma nova lei possa deixar ao desamparo

aqueles que, de boa fé, concretizaram negócios e exteriorizaram manifestações de

vontade em observância estrita à lei vigente à época.

Assim, há que se levar em consideração o pacto antenupcial firmado ainda

na vigência da lei anterior e as conseqüências dele advindas.

Nesse particular, o parecer ofertado pelo jurista Nilton Mondego de Carvalho

em consulta feita pelo recorrente:

CLÓVIS BEVILÁCQUA discorrendo, com a sua inegável autoridade,

sobre o tema, ressaltava que:



A irrevogabilidade do regime que o Código estatui no final do art.

230, funda-se em duas razões: o interesse dos cônjuges e o de terceiros.

O interesse dos cônjuges, porque depois de casados, um poderia abusar

da fraqueza do outro e obter modificações em seu proveito exclusivo. O

interesse de terceiros, porque os cônjuges poderiam combinar-se, e, por

um determinado regime, subtrair bens à ação de credores que com eles

tivessem contata o no momento de contratar. A estabilidade do regime é

uma expressão de boa fé e uma garantia para os que tratam com os

cônjuges. Além dessas razões de ordem prática há uma outra de lógica

jurídica. O casamento é um contrato pessoal e perpétuo. O regime de

bens durante ele deve ser estável, inalterável para corresponder à

perpetuidade e imutabilidade das relações pessoais enquanto perdura a

sociedade conjugal' (COMENTÁRIOS AO CÓDIGO CIVIL, vol. II, pág.105)

No tocante ao objeto da consulta, tem-se que os interessados, por meio

de escritura pública do PACTO ANTENUPCIAL DE SEPARAÇÃO DE BENS,

estabeleceram esse regime, ficando claro, nesse instrumento, que todos os

bens, presentes e futuros pertenceriam aos respectivos titulares e seriam

incomunicáveis bem como os rendimentos deles, em razão do que poderiam

eles dispor livremente de tais bens e rendimentos sem intervenção do outro,

como bem lhes aprouvesse, tendo ambos, ao que parece, vultoso patrimônio.

ORLANDO GOMES, referindo-se ao regime de separação de bens, ensinava que:

O regime da separação de bens caracteriza-se pela

incomunicabilidade dos bens presentes e futuros dos cônjuges. Os

patrimônios permanecem separados quanto à propriedade dos bens que

os constituem, sua administração e gozo, assim como as dívidas passivas.

Provém de duas fontes: a convenção e a lei.

Algumas legislações têm-no como REGIME LEGAL, mas, entre nós,

é, de regra, facultativo. Necessário que os nubentes o instituam mediante

PACTO ANTENUPCIAL. Em certas condições, porém, a lei impõe. Diz-se

que, nesse caso, é obrigatório, por ser exigido como sanção, ou por

motivos de ordem pública (obra citada, pág. 193, n.º 121).

WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, no que tange a esse

aspecto, observava, na obra acima citada, na página 143, que o Código Civil

Brasileiro facultava aos nubentes a escolha de qualquer dos regimes por ele

admitidos, exceto as hipóteses do art. 258, parágrafo único, do mesmo

Código (1916), em que o da separação de bens seria compulsório, com

predominância do princípio da autonomia da vontade.

Repisando esse entendimento, esclarecia ele, ainda, que:

Nessa matéria, insista-se, movimentam-se as partes com a maior

liberdade, discricionariamente mesmo.

Gozam eles de ampla autonomia, dispondo como lhes convenha, a

respeito de suas mútuas relações econômicas. (obra citada, p. 144).

Referindo-se ao regime da separação de bens, e, conceituando-o, põe em relevo que:

Eis o regime em que cada cônjuge conserva exclusivamente para si

os bens que possuía quando casou, sendo também incomunicáveis, os

bens que cada um deles veio a adquirir na constância do casamento.

Como adverte CLÓVIS, o que caracteriza esse regime é a completa

separação do patrimônio dos dois cônjuges, nenhuma comunicação se

estabelecendo entre as duas massas, ou dois acervos. A cada um o que é

seu, aí está a fórmula individualista, que bem sintetiza o aludido regime

matrimonial. (obra citada, pág. 172).

Resulta daí que o PACTO ANTENUPCIAL que foi estabelecido entre

PAULO MARTINS (tio do consulente) e MERCEDES MAGDALENA

SERRADOR, referido na consulta, constitui ATO JURÍDICO PERFEITO (e

por isso é inegável) sob pena de evidente contrariedade ao disposto no § 1º,

do art. 6º da Lei de Introdução ao Código Civil (...).

Em tendo sido fixado, naquele instrumento, o regime de separação de

bens, em estrita observância ao referido princípio da autonomia da vontade,

lei alguma posterior poderia alterá-lo (e não alterou, como é óbvio),

tratando-se como se trata sem sombra de dúvida de ato jurídico perfeito.

(...)

Está muito claro, no artigo 2.039, do Código em vigor, que o regime de

bens nos casamentos celebrados na vigência do anterior (Lei n.º 3.071, de 1º

de janeiro de 1916) seria, obviamente, o que foi por ele estabelecido.

Isso quer dizer que os PACTOS ANTENUPCIAIS firmados sob a égide

do Código Civil de 1916, não poderiam ser alterados pelo Novo Código Civil

(e não o foram) permanecendo, portanto, com plena eficácia, respeitando-se,

assim, os atos jurídicos subseqüentes, que dele, por ventura, decorreram.

A regra do § 1º, do art. 2º, da Lei de Introdução ao Código Civil sem

qualquer resquício de dúvida, não tem qualquer incidência na espécie,

tratando-se de evidente equívoco a sua invocação, considerando, sobretudo ,

a ausência de qualquer suporte de fato a justificá-la.

Em sendo o regime de bens imutável, não podendo haver qualquer

comunicação entre os patrimônios dos nubentes, o testamento (não revogado

e nem alterado), efetuado por um deles (cônjuge varão), deixando todos os

bens para o consulente constitui, de igual forma, ATO JURÍDICO PERFEITO,

não podendo o legislador alterá-lo para atribuir ao cônjuge sobrevivente (vale

dizer: aos herdeiros desta) o direito à metade dos referidos bens, porque, aí,

sem incidência, estar-se-ia aplicando lei posterior, com evidente alteração do

regime de bens, estabelecido pelos nubentes, em flagrante violação aos

citados dispositivos legais e constitucionais. (fls. 5/9)

A argumentação desenvolvida, com acerto, dispõe sobre a inegável

influência, no plano sucessório, do regime de bens estabelecido pelos cônjuges,

concluindo pela inaplicabilidade ao caso, das regras dos artigos 1.845 e 1.848 do Novo

Código Civil, sob pena de se fazer letra morta do pacto antenupcial - ato jurídico perfeito -

no qual ficou estabelecida, por livre manifestação dos contraentes, a separação e

incomunicabilidade total dos seus bens, o que aliás continua a ser admitido pela novo

diploma substantivo, em seu artigo 1.639.

Esse aspecto foi evidenciado, com clareza, na decisão que indeferiu o

pedido de habilitação formulado pelo Espólio de Mercedes Magdalena Serrador Martins:

Por outro lado, uma vez adotado pelos cônjuges um regime de bens,

que passa a vigorar desde a data do casamento (art. 230 do Código Civil de

1916, art. 1.639, parágrafo 3º, do Código Civil de 2002), é ele irrevogável (art.

229 do Código Civil de 1916) sendo apenas, agora (art. 1639, parágrafo 2º,

do Código Civil de 2002) passível de alteração mediante autorização judicial,

circunstância essa não ocorrente e, assim, irrelevante para a hipótese sob exame.

Há no plano sucessório, influência inquestionável do regime de bens no

casamento, não se podendo afirmar que são absolutamente independentes e

sem relacionamento no tocante às causas e aos efeitos esses institutos que a

lei particulariza nos direitos de família e das sucessões.



Sabiam os cônjuges, PAULO MARTINS FILHO e MERCEDES

MAGDALENA Serrador MARTINS, portanto, que detinham a livre

administração de seus bens particulares e que deles podiam dispor

livremente inter vivos ou por testamento (art. 27 do Código Civil de 1916; art.

1.647 do Código Civil de 2002; art. 1.626 do Código Civil de 1916; art. 1.857

do Código Civil de 2002).

O fato do casamento se dissolver pela morte dos cônjuges não gera o

direito de permitir que a partilha de seus bens particulares seja realizada por

forma diversa da admitida pelo regime de bens a que submetido o

casamento, nem transforma o testamento, se feito por qualquer deles em

conformidade com as disposições da lei e levando em conta o pacto

antenupcial adotado, em ato jurídico inoperante, imperfeito, inacabado,

subvertendo-se o que a respeito de seu patrimônio foi avençado pela livre

manifestação de vontade dos cônjuges ao casar.

O regime de bens do casamento depende exclusivamente da livre

manifestação de vontade dos cônjuges, como resultado de um acordo de

vontades livres e inteligentes, versando objeto lícito, e constitui um ato

jurídico perfeito e acabado, irrevogável sob a égide do Código Civil de 1916,

uma vez que se lhe siga, como na espécie dos autos, o casamento,

devidamente registrado (fls. 097 e fls. 111)

É evidente que, casando sob o regime da separação convencional de

bens, os cônjuges não vislumbraram, na época em que matrimoniaram, a

hipótese de ser a livre disposição de seus bens, de seu patrimônio particular,

alterada por lei nova superveniente, que retroagisse a ponto de fazer emergir

um direito novo, transformando em herdeiro necessário quem assim não era,

e de, por essa forma, transfigurar o regime de bens que adotaram

legitimamente quando a lei vigente admitia, a ponto de impedir o cônjuge de

livremente dispor de seus bens particulares.

Sob a sistemática do Código Civil de 1916 a esposa do ora inventariado,

não tendo o casal descendentes ou ascendentes, seria a herdeira de seu

patrimônio (art. 1.611 do Código Civil de 1916), o que se repete no atual (art.

1.838 do Código Civil de 2002), caso o de cujus não houvesse disposto da

totalidade dos seus bens particulares, haja vista o regime da completa

separação do patrimônio, em testamento; entretanto, certamente porque

dotados ambos de cabedais de vulto (fls. 22/23 e fls. 148/153), o

inventariante preferiu testar, em 25.06.2001, quando ainda não vigorante o

atual Código Civil, para manifestar sua expressa e livre vontade de aquinhoar

terceiro, seu sobrinho, deixando de lado o cônjuge, com todo o patrimônio

que tinha, limitando-se a instituir a esposa como usufrutuária vitalícia.

Violados estarão - e isso é inadmissível - pela lei nova os fins diretos e

imediatos que os cônjuges se obrigaram e tiveram em mira com o regime

convencional da completa separação de bens, o qual, inclusive, terá sido, por

sua natureza, o alicerce fundamental do consentimento que expressaram

para instituir matrimônio.

Não se pode, conseqüentemente, situar a questão exclusivamente sob

a alçada do direito sucessório, fazendo-a simplistamente depender de lei

nova superveniente que deu ao cônjuge supérstite a posição de herdeiro

necessário no momento em que se abriu a sucessão, limitando o que, por

sua complexidade e por violar ato jurídico perfeito como pacto antenupcial e a

livre expressão de vontade dos nubentes ao contrair matrimônio, não pode

deixar de merecer interpretação ampla e que não leve ao desprezo aspectos

fulcrais do matrimônio e de seu regime de bens à ocasião em que realizados.

O regime de bens convencional do casamento uma vez isento de vícios,

é um contrato perfeito e acabado, que se integra ao patrimônio de cada um

dos cônjuges e à união familiar, seja quanto às relações pessoais entre si,

seja no tocante a terceiros, não podendo as regras a respeito serem

modificadas por lei nova, a qual, mesmo substituindo in totum a antecedente,

terá vigência somente no relativo às sucessões futuras, em seqüência a sua

entrada em vigor. (fls. 574/576).

3. Impõe-se, no caso, a interpretação sistemática e teleológica dos

dispositivos legais em comento, a fim de que não ocorra o malferimento de princípios a

eles preexistentes.

Acerca da matéria, José de Oliveira Ascensão - "O Direito, Introdução e

Teoria Geral", 3ª edição, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, n. 194, p. 321,

preleciona que:

A interpretação deve ter em conta a "unidade do sistema jurídico".

Repetidamente acentuamos já que toda a fonte se integra numa ordem, que

a regra é modo de expressão dessa ordem global. Por isso a interpretação

duma fonte não se faz isoladamente, atendendo por exemplo a um texto

como se fosse válido fora do tempo e do espaço. Resulta pelo contrário da

inserção desse texto num conjunto jurídico dado.

Aplicando-se o acima disposto ao caso concreto, tem-se que, permitir a uma

lei superveniente nomear como herdeiro necessário quem antes não o era à época de

testamento lavrado em conformidade com manifestação de vontade expressa e

consubstanciada em pacto antenupcial de separação total de bens, é tornar inválido tal

testamento e emprestar efeitos retroativos ao pacto que existia e se tornou perfeito e

acabado com o casamento, afrontando a boa fé e a vontade dos cônjuges que, com

certeza, assim decidiram considerando as circunstâncias familiares e sociais, bem como

os reflexos econômicos futuros na linha sucessória.

Savigny, lembrado por Paulo Nader (Curso de Direito Civil, Vol. I, 6ª edição,

Editora Forense), distinguiu duas grandes classes de normas jurídicas: a) referentes à

aquisição de direitos; b) as que dizem respeito à existência (ou inexistência) ou modo de

ser de um direito ou de um instituto jurídico. No primeiro caso, não pode haver

retroatividade da nova lei.

4. Importante, neste patamar, destacar a importância do Princípio da Boa-Fé

Objetiva e seus elementos caracterizadores na celebração dos contratos. Sobre o

assunto, trago à colação texto de Judith Martins-Costa, em sua obra "A Boa-fé no Direito

Privado", no qual a autora refere-se as condições da responsabilidade pré-contratual:

A existência de negociações, qualquer que seja a sua forma, antecedente a

um contrato; a prática de atos tendentes a despertar, na contraparte, a

confiança legítima de que o contrato seria concluído; a efetiva confiança, da

contraparte; a existência de dano decorrente da quebra desta confiança, por

terem sido infringidos deveres jurídicos que a tutelam; e, no caso da ruptura

das negociações, que esta tenha sido injusta, ou injustificada – aí estão,

sinteticamente postas, as condições da responsabilidade pré-negocial."

Pensamento semelhante desenvolve Karina Nunes Fritz:

Percebe-se, então, o importante papel atribuído à boa-fé objetiva no direito

alemão: ela completa, integra a liberdade de exercício de direitos, a

autonomia privada e seu principal desdobramento, a liberdade contratual,

poder conferido pelo ordenamento ao sujeito de decidir acerca da celebração

de um contrato e de determinar livremente seu conteúdo. Significa isso dizer

que as partes devem, no exercício dessa autonomia, agir eticamente,

considerando os interesses do outro, aspecto essencial da idéia de boa-fé.

Daí dizer Larenz que o "princípio da boa-fé significa, em seu sentido literal,

que cada um deve manter lealdade à sua palavra e não frustrar ou abusar da

confiança, que forma a base indispensável para todos os relacionamentos

humanos, (significa) que ele deve proceder como se pode esperar de alguém

que pensa honestamente ".

A boa-fé objetiva não é, como se costuma dizer, uma fórmula vazia. Seu

conceito remete a valores éticos, como lealdade, honestidade e consideração

pelos interesses alheios, razão pela qual é também denominada de boa-fé

ética, mas isso não implica indefinição.

(...)

Por essa razão, diz Martins-Costa que, na tarefa de verificar se determinado

comportamento corresponde, ou não, aos padrões de honestidade e lealdade

exigidos pela boa-fé, deve o juiz averiguar qual a concepção de boa-fé

vigente na doutrina e jurisprudência, pois, como enfatiza a autora, "não se

trata de determinar, por óbvio, qual é a sua própria valoração ". Também

Rosado de Aguiar Júnior compartilha dessa visão ao afirmar que "a boa-fé é

uma cláusula geral cujo conteúdo é estabelecido em concordância com os

princípios gerais do sistema jurídico (liberdade, justiça e solidariedade) ".

("Boa-fé objetiva na fase pré-contratual" Editora Afiliada, p. 110/111)

Também citando Rui Rosado de Aguiar, discorre Lucinete Cardoso de Melo

que:

Segundo Ruy Rosado de Aguiar, podemos definir boa-fé como "um princípio

geral de Direito, segundo o qual todos devem comportar-se de acordo com

um padrão ético de confiança e lealdade. Gera deveres secundários de

conduta, que impõem às partes comportamentos necessários, ainda que não

previstos expressamente nos contratos, que devem ser obedecidos a fim de

permitir a realização das justas expectativas surgidas em razão da

celebração e da execução da avença".

Como se vê, a boa-fé objetiva diz respeito à norma de conduta, que

determina como as partes devem agir. Todos os códigos modernos trazem as

diretrizes do seu conceito, e procuram dar ao Juiz diretivas para decidir.

Mesmo na ausência da regra legal ou previsão contratual específica, da

boa-fé nascem os deveres, anexos, laterais ou instrumentais, dada a relação

de confiança que o contrato fundamenta.

Não se orientam diretamente ao cumprimento da prestação, mas sim ao

processamento da relação obrigacional, isto é, a satisfação dos interesses

globais que se encontram envolvidos. Pretendem a realização positiva do fim

contratual e de proteção à pessoa e aos bens da outra parte contra os riscos

de danos concomitantes.

Na questão da boa-fé analisa-se as condições em que o contrato foi firmado,

o nível sociocultural dos contratantes, seu momento histórico e econômico.

Com isso, interpreta-se a vontade contratual. ( "O princípio da boa-fé objetiva no Código Civil",

http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6027)

Destaca-se, assim, a necessidade de aplicação do Princípio da Boa Fé

Objetiva na complementação das normas que as partes deixaram de usar e, mais ainda,

de se aferir o sentido a ser emprestado às declarações de vontade, especialmente

quanto aos temas expressamente contratados.

Aldemiro Rezende de Dantas Júnior citando Alfonso de Cosio e Cabral, escreve:

No direito moderno a boa-fé assumiu o papel de uma fonte de normas

objetivas, cuja atuação concreta se dá mediante a aplicação de princípios

gerais, esclarecendo em seguida, que isso significa que a boa-fé pode ser

entendida como norma geral, que se diversifica e especializa para cada

situação concreta, ou seja, cujo conteúdo será formado e determinado em

função das circunstâncias concretas. ("Teoria dos Atos Próprios no

Princípio da Boa-Fé", Editora Juruá)

Segundo, ainda, o referido autor:

(...) em relação aos contratos, a conduta ditada pela boa-fé se impõe não

apenas ao longo da execução do mesmo mas antes mesmo de ter se

aperfeiçoado o ajuste e ainda depois que o mesmo já foi integralmente

cumprido nas fases pré e pós contratuais. E ainda mais, tal comportamento

não se impõe apenas aos negócios jurídicos que se situam dentro do campo

das obrigações, mas em relação a todos os negócios jurídicos e m geral. (ob.

cit.)

No mesmo sentido, Judith Martins-Costa ao discorrer sobre os direitos

instrumentais decorrentes da boa-fé objetiva:

Dito de outro modo, os deveres instrumentais "caracterizam-se por uma

função auxiliar da realização positiva do fim contratual e de proteção à

pessoa e aos bens da outra parte contra os riscos de danos concomitantes",

servindo, "ao menos as suas manifestações mais típicas, o interesse na

conservação dos bens patrimoniais ou pessoais que podem ser afetados em

conexão com o contrato (...)".

Trata-se, portanto, de "deveres de adoção de determinados comportamentos,

impostos pela boa-fé em vista do fim do contrato (...) dada a relação de

confiança que o contrato fundamenta, comportamentos variáveis com as

circunstâncias concretas da situação ". Ao ensejar a criação desses deveres,

a boa-fé atua como fonte de integração do conteúdo contratual,

determinando a sua otimização independentemente da regulação

voluntaristicamente estabelecida. ("A Boa-Fé no Direito Privado"; Editora

Revista dos Tribunais, p. 440)

Afirma Pontes de Miranda, em seu Tratado de Direito Privado", Tomo III,

Editora BookSeller, p. 374:

Rigorosamente, as regras de boa-fé entram nas regras do uso do tráfico,

porque tratar lisamente, com correção, é o que se espera encontrar nas

relações da vida. Os usos do tráfico, mais restritos, ou mais especializados,

apenas se diferenciam, por sua menor abrangência. Quando se diz que a

observância do critério da boa-fé, nos casos concretos, assenta em

apreciação de valores, isto é, repousa em que, na colisão de interesses, um

deles há de ter maior valor, e não em deduções lógicas, apenas se alude ao

que se costuma exigir no trato dos negócios. Regras de boa-fé são regras do

uso do tráfico, gerais, porém de caráter cogente, que de certo modo ficam

entre as regras jurídicas cogentes e o direito não-cogente, para encherem o

espaço deixado pelas regras jurídicas dispositivas e de certo modo servirem

de regras interpretativas.

Busca-se assegurar, como se vê, a proteção à confiança fundada de cada

uma das partes contratantes e suas legítimas expectativas não apenas quanto à validade

e eficácia do negócio jurídico mas quanto ao seu cumprimento, a fim de que sejam

alcançados os resultados reais colimados pelas partes.

Com efeito, não se pode olvidar que são constitucionalmente assegurados

os princípios da segurança jurídica, da boa-fé objetiva, da proteção da confiança e do ato

jurídico perfeito.

Sobre o ato jurídico e os negócios jurídicos firmados anteriormente à

vigência do Novo Código Civil, doutrina Daniel Guerra Gunzburguer, em artigo publicado

na Revista Forense, julho/agosto 2005, p. 29:

Assim, embora o art. 2.035 estabeleça que os efeitos dos negócios jurídicos

constituídos antes da entrada em vigor do Código Civil de 2002 ficam

subordinados aos seus preceitos, somos de opinião que, para tais negócios

jurídicos, devem ser respeitados os dispositivos da lei anterior, seja ela o

Código Civil de 1916 ou qualquer outra, em decorrência do art. 5º, XXXVI da

Constituição Federal, que protege o ato jurídico perfeito

(...)

O ato jurídico já se consumou e portanto seus efeitos devem decorrer da

regra em vigor utilizada na época de sua constituição. (...)

Assim sendo, conclui-se que quando concretizada a obrigação sob a égide

da lei anterior, esta será a lei competente para regular todos os seus efeitos.

Alei nova terá, portanto, incidência imediata somente com relação aos fatos

que não atinjam direitos adquiridos ou ato jurídico perfeito, sob pena de

ensejar violação aos dispositivos constitucionais considerados como cláusula

pétrea no art. 60, § 4º da Constituição Federal.

Em artigo intitulado "Regime patrimonial de bens entre cônjuges e direito

intertemporal", Lindajara Ostjen Couto menciona o entendimento de juristas renomados

acerca da matéria:

1.A lei em vigor tem efeito geral e imediato, mas não pode prejudicar o direito

adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, conforme determina o arts.

5º XXXVI, da Constituição Federal e art. 6º, caput, da Lei de Introdução ao

Código Civil.

2.O jurista Pontes de Miranda considera que "lei nova estabelecendo outro

regime legal, ou que modifica o existente até então, não alcança os

casamentos celebrados antes dela, salvo regra explícita em contrário".

3.O posicionamento do Washington de Barros Monteiro é o seguinte: "As

relações de caráter patrimonial, que o casamento origina, regulam-se pela lei

do tempo em que se formaram. O regime de bens não está sujeito às

alterações da lei nova".

4.O Jurista Leônidas Filippone Farrula Júnior afirma que o casamento se

aperfeiçoa com as núpcias e as questões patrimoniais do casamento se

regulam pela legislação vigente à época da celebração. E, ainda, completa

que a alteração do regime de bens aos casamentos anteriores ao CC/02

acarretaria a infringência ao ato jurídico perfeito e ao princípio constitucional

de irretroatividade das leis.

5.Afirma, ainda, que a interpretação literal do art. 2.039, quando menciona "é

o por ele estabelecido", se refere a todo o ordenamento jurídico referente aos

regimes de bens, assim entende que, o código anterior, mesmo revogado,

permanecerá eficaz para disciplinar esta matéria.

6.Maria Helena Diniz tem a posição de que a lei revogada permanecerá a

produzir efeitos "porque outra lei vigente ordena o respeito às situações

jurídicas definitivamente constituídas ou aperfeiçoadas no regime da lei

anterior" ou "se deve aplicar a lei em vigor na época em que os fatos

aconteceram." ("Teoria dos Atos Próprios no Princípio da Boa-Fé",

Editora Juruá "http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6248&p=2).

José da Silva Pacheco em artigo publicado na Revista da Academia

Brasileira de Letras Jurídicas, Ano XVIII, n. 21, Rio de Janeiro , 1º Semestre de 2002, p.

66, comenta:

Entretanto, entre as disposições transitórias, inscreve-se a do art. 2.039

segundo a qual, nos casamentos celebrados na vigência do Código Civil

anterior, observa-se, quanto ao regime de bens, o que nesse código é

estabelecido, mesmo depois de iniciar a vigência do novo Código Civil.

Nessa mesma linha de pensamento expressa o Excelso Pretório que:

O disposto no artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal se aplica a toda e

qualquer lei infraconstitucional, sem qualquer distinção entre lei de direito

público e lei de direito privado, ou entre lei de ordem pública e lei dispositiva.

Precedente do STF." (RTJ 143/724, Rel. Min. MOREIRA ALVES, Pleno -

grifei) Cumpre ter presente, bem por isso, a lição da doutrina, que, tomando

em consideração a realidade jurídico-constitucional vigente no Brasil, repudia,

por incompatíveis com a Constituição da República, todas as hipóteses de

retroatividade injusta: "... um contrato perfeito e acabado na vigência de uma

lei permanece intocável, nas suas disposições, ainda no que diz respeito aos

seus efeitos futuros, manifestados quando já começou a viger uma lei nova

derrogante. A aplicação da lei nova, nessa hipótese, implicaria retroatividade,

em desobediência ao preceito constitucional.

....................................................... Regra básica e inalterável é que todas as

conseqüências de um contrato concluído sob o império de uma lei,

inclusivamente seus efeitos futuros, devem continuar a ser reguladas por

essa lei em homenagem ao valor da certeza do direito e ao princípio da tutela

do equilíbrio contratual. A aplicação imediata da lei nova aos efeitos

posteriores à sua vigência incide no seu fato gerador, e, portanto, implicaria

aplicação retroativa." (ORLANDO GOMES, "Questões Mais Recentes de

Direito Privado", p. 4, item n. 3, 1988, Saraiva - grifei) Perfilha igual

orientação J. M. OTHON SIDOU, para quem, considerada a concepção

vigente no sistema normativo brasileiro pertinente à resolução do conflito

intertemporal de leis, "A lei nova não atinge conseqüências que, segundo a

lei anterior, deviam derivar da existência de determinado ato, fato ou relação

jurídica, isto é, que se unem à sua causa como um corolário necessário e

útil", enfatizando, a esse propósito, que: "Retroativa e, portanto, condenável

(...) é não somente a regra positiva que contrasta com as conseqüências, já

realizadas, do fato consumado, mas também a que impede as conseqüências

futuras do mesmo fato, por uma razão relativa só a ele." ("O Direito Legal", p.

228/229, item XIII, 1985, Forense - grifei). (AI 250949/SP, Relator Ministro

CELSO DE MELLO, DJ 05/09/2000).

Do acima exposto, firmam-se as seguintes conclusões:

- dispõe o artigo 2.039, do Código em vigor, que o regime de bens nos

casamentos celebrados na vigência do anterior será o que foi por ele estabelecido;

- tendo sido fixado, em pacto antenupcial firmado sob a égide do Código

Civil de 1916, o regime de separação de bens, em estrita observância ao referido

princípio da autonomia da vontade, lei alguma posterior poderia alterá-lo por se tratar de

ato jurídico perfeito;

- permanecendo, portanto, com plena eficácia, o pacto antenupcial, devem

ser respeitados os atos jurídicos subseqüentes, dele advindos, especialmente o

testamento celebrado por um dos cônjuges;

- existe no plano sucessório, influência inegável do regime de bens no

casamento, não se podendo afirmar que são absolutamente independentes e sem

relacionamento no tocante às causas e aos efeitos esses institutos que a lei particulariza

nos direitos de família e das sucessões;

- a dissolução do casamento pela morte dos cônjuges não autoriza que a

partilha de seus bens particulares seja realizada por forma diversa da admitida pelo

regime de bens a que submetido o casamento e nem transforma o testamento, se feito

por qualquer deles em conformidade com as disposições da lei e levando em conta o

pacto antenupcial adotado, em ato jurídico inoperante, imperfeito e inacabado;

- o art. 2.042 do Novo Código Civil deve ser ser interpretado em

consonância com os arts. 2.039 do mesmo Diploma legal e art. 6º § 1º da LICC,

observadas as peculiaridades do caso concreto, pois tanto o testamento quanto o pacto

antenupcial firmado entre as partes na vigência da lei antiga, devem ser respeitados,

como atos jurídicos perfeitos, sob pena de se gerar uma situação de insegurança jurídica

e de se ferir os princípios da autonomia da vontade e da boa-fé objetiva, de observância

obrigatória a fim de se assegurar a proteção à confiança fundada de cada uma das

partes contratantes e suas legítimas expectativas não apenas quanto à validade e

eficácia do negócio jurídico mas quanto ao seu cumprimento.

Pelo exposto, acompanho o relator e dou provimento ao recurso especial.

É com o voto.





VOTO-VISTA

O EXMO. SR. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES:

Na assentada do dia 19 de março de 2009, pelo voto do relator -

Min. CARLOS FERNANDO MATHIAS - foi conhecido e provido o recurso

especial interposto pelo ESPÓLIO DE PAULO MARTINS FILHO contra acórdão da

Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro,

sendo acolhida a tese segundo a qual, na espécie, em vista das peculiaridades

que cercam o caso em comento, deve ser afastada a invocação da regra de que a

sucessão se subordina à lei vigente à época do falecimento, de modo a serem

tidas como hígidas as disposições de última vontade do testador.

Na ocasião, proferi voto acompanhando o relator. Em seqüência, o

Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA pede vista dos autos, inaugurando a

divergência, para não conhecer do recurso especial, em face dos seguintes

argumentos:

a) de acordo com as disposições do Código Civil de 2002, o

cônjuge supérstite é herdeiro necessário;

b) a capacidade para suceder corresponde à lei em vigor quando da

abertura da sucessão;

c) inexiste direito adquirido de herdar enquanto vivo o titular do

patrimônio a ser partilhado, e

d) não houve renúncia à herança pela viúva.

Com o prosseguimento do julgamento, nova vista dos autos é

requerida, agora pelo Min. LUÍS FELIPE SALOMÃO, que profere voto no mesmo

sentido do relator, acrescido das seguintes conclusões, verbis :

"dispõe o artigo 2.039, do Código em vigor, que o regime de bens

nos casamentos celebrados na vigência do anterior será o que foi

por ele estabelecido;

- tendo sido fixado, em pacto antenupcial firmado sob a égide do

Código Civil de 1916, o regime de separação de bens, em estrita

observância ao referido princípio da autonomia da vontade, lei

alguma posterior poderia alterá-lo por se tratar de ato jurídico perfeito;

- permanecendo, portanto, com plena eficácia o pacto antenupcial,

devem ser respeitados os atos jurídicos subseqüentes, dele

advindos, especialmente o testamento celebrado por um dos cônjuges;

- existe no plano sucessório, influência inegável do regime de bens

no casamento, não se podendo afirmar que são absolutamente

independentes e sem relacionamento no tocante à causa e aos

efeitos esses institutos que a lei particulariza nos direitos de

família e das sucessões;

- a dissolução do casamento pela morte dos cônjuges não autoriza

que a partilha de seus bens particulares seja realizada por forma

diversa da admitida pelo regime de bens a que submetido o

casamento e nem transforma o testamento, se feito por qualquer

deles em conformidade com a lei e levando em conta o pacto

antenupcial adotado, em ato jurídico inoperante, imperfeito e inacabado;

- o art. 2042 do Novo Código Civil deve ser interpretado em

consonância com os arts. 2039 do mesmo Diploma legal e art. 6º §

1º da LICC, observadas as peculiaridades do caso concreto, pois

tanto o testamento quanto o pacto antenupcial firmado pelas

partes na vigência da lei antiga, devem ser respeitados, como atos

jurídicos perfeitos, sob pena de se gerar uma situação de

insegurança jurídica e de se ferir os princípios da autonomia da

vontade e da boa-fé objetiva, de observância obrigatória a fim de

se assegurar a proteção à confiança fundada de cada uma das

partes contratantes e suas legítimas expectativas não apenas

quanto à validade e eficácia do negócio jurídica mas quanto ao

seu cumprimento."

Nesse contexto, tendo em vista o enriquecimento das discussões,

com a vinda a lume de novas teses e argumentos, solicitei vista dos autos,

apesar de já ter proferido meu voto, para uma reflexão mais aprofundada acerca

da controvérsia.

Analisada a questão de forma mais acurada, com a vênia devida,

tenho que a solução alvitrada pelo relator, e já adotada por mim em um

primeiro momento, deve prevalecer.

Com efeito, por Paulo Martins Filho e Mercedes Magdalena

Serrador Martins foi firmado pacto antenupcial em 19 de maio de 1950, lavrado

nos seguintes termos:

"Resolveram que o seu casamento se regerá pela completa

separação de bens; que assim todos os bens presentes e futuros

pertencerão como próprios e serão incomunicáveis, bem assim os

rendimentos de tais bens, podendo cada um dos outorgantes e

reciprocamente outorgados livremente dispor dos seus bens e

rendimentos sem intervenção do outro e como lhe aprouver,

mantendo cada um dos outorgantes e reciprocamente outorgados

a exclusiva autoridade de administração, usar e dispor de seus

bens a seu livre arbítrio" (fls. 139)

Referido documento ganha eficácia em 31 de maio do mesmo ano,

com a celebração do matrimônio dos contraentes pelo regime da separação de

bens (fls. 138).

Em 25 de junho de 2001, passados, portanto, mais de 50 anos da

lavratura do pacto antenupcial, nova manifestação de vontade é emitida pelo

cônjuge varão, no mesmo sentido das anteriores, agora na elaboração de seu

testamento, deixando para um sobrinho todos os seus bens, gravados, porém,

com a cláusula de usufruto vitalício em favor de sua esposa.

Do quanto exposto, é possível constatar a coerência e certeza com

que os cônjuges dispõem acerca da destinação de seu patrimônio, restando

questionar se vontade assim tão claramente expressa subsiste aos ditames

impositivos do novo Código Civil.

Com efeito, em 26 de maio de 2004, falece Paulo Martins Filho.

Nessa ocasião já está em vigência o Código Civil de 2002 que, assim, passa a

reger a sucessão do cônjuge varão, por força do disposto no art. 1787 do

referido Diploma Legal, verbis :

"Art. 1787. Regula a sucessão e a legitimação para suceder a lei

vigente ao tempo da abertura daquela."

Do mesmo teor, a norma contida no art. 1577 do Código de 1916,

segundo a qual "A capacidade para suceder é a do tempo da abertura da

sucessão, que se regulará conforme a lei então em vigor".

Dessa forma, salvo melhor juízo, a controvérsia não se instala

especificamente sobre matéria de direito intertemporal, ou sobre quais as

normas incidentes sobre a hipótese em comento, mas sim sobre o modo de sua

interpretação.

Com efeito, o art. 1829, I, do Código Civil vigente reconhece ao

cônjuge a condição de herdeiro necessário, "salvo se casado este com o falecido

no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens

(art. 1640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da

herança não houver deixado bens particulares;".

Assim, no que respeita ao regime de separação convencional de

bens, que nos interessa no particular, o cônjuge, segundo uma interpretação

literal da norma, é herdeiro necessário.

Nessa ordem de ideias, Mercedes Magdalena Serrador Martins

seria herdeira de metade dos bens deixados por Paulo Martins Filho, passando,

esse patrimônio, com sua morte, a seus sobrinhos que, assim, teriam

legitimidade para requerer sua habilitação no inventário dos bens deixados pelo

cônjuge varão, como entendeu a Corte carioca.

Essa não parece, porém, a melhor exegese a ser dada ao art. 1829,

inciso I, do Código Civil de 2002.

De fato, o legislador reconhece aos nubentes, já desde o Código

Civil de 1916, a possibilidade de autodeterminação no que se refere ao seu

patrimônio, autorizando-lhes a escolha do regime de bens, dentre os quais o da

separação total, no qual, segundo Pontes de Miranda, "os patrimônios dos

cônjuges permanecem incomunicáveis, de ordinário sob a administração

exclusiva de cada cônjuge, que só precisa da outorga do outro cônjuge, para a

alienação dos bens de raiz" (Tratado de Direito Privado. São Paulo: Ed. Borsói,

tomo 8, p. 343), incomunicabilidade que se perpetua com o falecimento de um

deles, dada a possibilidade de se excluir o cônjuge sobrevivente da qualidade

de herdeiro, através de testamento, como no caso em comento.

Assim, qualquer que seja a razão pela qual os cônjuges decidem

por renunciar um ao patrimônio do outro, essa determinação é respeitada pela

lei anterior. No novo Código Civil, porém, adotada interpretação literal do art.

1829, se conclui pela inclusão do cônjuge sobrevivente como herdeiro

necessário, o que no caso de separação convencional de bens, significa que é

concedido aos consortes liberdade de autodeterminação em vida, retirada essa,

porém, com o advento da morte, transformando a sucessão em uma espécie de

proteção previdenciária.

Cuida-se, iniludivelmente, de quebra na estrutura do sistema

codificado. Com efeito, não há como compatibilizar as disposições do art.

1639, que autoriza os nubentes a estipular o que lhes aprouver em relação a

seus bens, bem como do art. 1687, que permite a adoção do regime de

separação absoluta de bens (afastando, inclusive, a necessidade de outorga do

outro cônjuge para a alienação de bens), com os termos do art. 1829, que eleva

o cônjuge sobrevivente à qualidade de herdeiro necessário, determinando,

inexoravelmente, a comunicabilidade dos patrimônios. De fato, seria de se

questionar o porquê de se escolher a incomunicabilidade de bens, se eles

necessariamente se somarão no futuro.

Tal inconsistência é apontada pelo Professor Miguel Reale, que a

respeito do tema assim se pronuncia, verbis :



"Em um código os artigos se interpretam uns pelos outros", eis a

primeira regra de Hermenêutica Jurídica estabelecida pelo

Jurisconsulto Jean Portalis, um dos principais elaboradores do

Código Napoleão.

Desse entendimento básico me lembrei ao surgirem dúvidas

quanto ao verdadeiro sentido do inciso I do art. 1.829 do novo

Código Civil, segundo o qual a sucessão legítima cabe, em

primeira linha, aos "descendentes, em concorrência com o

cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no

regime da comunhão universal de bens ou da separação

obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no

regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver

deixado bens particulares".

Há quem entenda que, desse modo, o cônjuge seria herdeiro

necessário também na hipótese de ter casado no regime de

separação de bens (art. 1.687), o que não me parece aceitável.

Essa dúvida resulta do fato de ter o art. 1.829, supratranscrito,

excluído o cônjuge somente no caso de "separação obrigatória". A

interpretação desse dispositivo isoladamente pode levar a uma

conclusão errônea, devendo, porém, o intérprete situá-lo no

contexto sistemático das regras pertinentes à questão que está

sendo examinada." (Estudos Preliminares do Código Civil. São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 61 e 62)

Tecidas essas considerações, o ilustre professor faz um aparte para

explicar que a razão pela qual se teve por bem incluir o cônjuge como herdeiro

necessário foi a alteração do regime legal de bens, da comunhão para a

comunhão parcial, o que pode resultar em nada sobrar para o meeiro, se o

patrimônio do falecido se compuser exclusivamente de bens particulares. De

todo modo, sobre a interpretação do art. 1829, I, conclui:

"Recordada a razão pela qual o cônjuge se tornou herdeiro, não é

demais salientar a importância que o elemento histórico tem no

processo interpretativo. Tendo, pois, presente a finalidade que o

legislador tinha em vista alcançar, estamos em condições de

analisar melhor o sentido do mencionado inciso, mantida que seja

sua redação atual.

Nessa ordem de idéias, duas são as hipóteses de separação

obrigatória: uma delas é a prevista no parágrafo único do art.

1.641, abrangendo vários casos; a outra resulta da estipulação

feita pelos nubentes, antes do casamento, optando pela separação

de bens.

A obrigatoriedade da separação de bens é uma conseqüência

necessária do pacto concluído pelos nubentes, não sendo a

expressão "separação obrigatória" aplicável somente nos casos

relacionados no parágrafo único do art. 1641.

Essa minha conclusão ainda mais se impõe ao verificarmos que -

se o cônjuge casado no regime de separação de bens fosse

considerado herdeiro necessário do autor da herança - estaríamos

ferindo substancialmente o disposto no art. 1687, sem o qual

desapareceria todo o regime de separação de bens, em razão de

conflito inadmissível entre esse artigo e o art. 1829, inc. I, fato que

jamais poderá ocorrer numa codificação à qual é inerente o

princípio da unidade sistemática.

Entre uma interpretação que esvazia o art. 1687 no momento

crucial da morte de um dos cônjuges e uma outra que interpreta

de maneira complementar os dois citados artigos, não se pode

deixar de dar preferência à segunda solução, a qual, ademais,

atende à interpretação sistemática, essencial á exegese jurídica"

(Op. cit, p. 62 e 63).

Pouco resta a acrescentar.

De fato, a interpretação ampliativa do termo "separação

obrigatória", constante do art. 1829, inciso I, do Código Civil de 2002, para

abranger não somente as hipóteses elencadas no art. 1640, parágrafo único, mas

também os casos em que os cônjuges estipulam a separação absoluta de seus

patrimônios, não esbarra na intenção do legislador quando decide corrigir

eventuais injustiças decorrentes da alteração do regime legal, ao mesmo tempo

em que respeita o direito de autodeterminação concedido aos cônjuges no

atinente a seu patrimônio tanto pela legislação anterior, quanto pela presente.

Além disso, se evita a perplexidade retratada no caso em comento,

no qual os cônjuges de maneira cristalina e reiterada estipulam a forma de

destinação de seus bens e acabam por ter suas determinações feridas, ainda que

post mortem .

Cumpre assinalar que a proteção ao cônjuge sobrevivo, para

aqueles que não se conformam com a renúncia ao patrimônio do falecido feita

quando da escolha do regime de bens, pode se dar por outras formas que não

sua qualificação como herdeiro necessário, a exemplo da estipulação de

usufruto vitalício a seu favor, nos exatos moldes do presente caso.

Ante o exposto, conheço do recurso e lhe dou provimento para

restabelecer a sentença de primeiro grau, que indefere o pedido de habilitação
do espólio de Mercedes Magdalena Serrador Martins no inventário do bens
deixados por Paulo Martins Filho.


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