quarta-feira, 23 de outubro de 2013

RECURSO ESPECIAL N° 191.393

RECURSO ESPECIAL N° 191.393 - SP (1998/0075312-5) RELATOR : MINISTRO WALDEMAR ZVEITER R. P/ACÓRDÃO : MINISTRO ARI PARGENDLER RECORRENTE : ROBERTO BOVE - ESPÓLIO ADVOGADO : NEREU CÉSAR DE MORAES E OUTROS RECORRIDO : LUIZ EDUARDO BOVE E OUTRO ADVOGADO : EVELIN ATALLA SCAF EMENTA CIVIL. TESTAMENTO. Se não houver herdeiros necessários (ascendentes ou descendentes) , o companheiro pode, em testamento, dispor livremente de seus bens; a companheira só tem o direito de reclamar a meação, não o direito que resultaria da condição de herdeira. ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, prosseguindo o julgamento, após o voto-vista da Sra. Ministra Nancy Andrighi, por unanimidade. não conhecer do recurso especial. Lavrará o acórdão o Sr. Ministro Ari Pargendler (art. 52, IV, b, RISTJ). Os Srs. Ministros Ari Pargendler, Carlos Alberto Menezes Direito e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro. Brasília, 20 de agosto de 2001 (data do julgamento). Ministro Pargendler Relator p/ acórdão
O EXMO. SR. MINISTRO WALDEMAR ZVEITER: No curso do inventário dos bens deixados por ROBERTO BOVE, a representante do espólio MARIA VERA PAULIELLO BUENO suscitou a perda da eficácia do testamento deixado pelo de cujus, alegando que, com o advento da Lei nº 8.971/94, a inventariante por ter sido, há mais de vinte anos, companheira do autor da herança, fazia jus à sua totalidade. No mencionado testamento, o de cujus beneficiou sua companheira, instituindo-a herdeira de todos os seus bens móveis; mas, em relação aos imóveis, estipulou um fideicomisso sendo fiduciária a inventariante (MARIA VERA PAULIELLO) e fideicomissários os sobrinhos do falecido (LUIZ EDUARDO BOVE e ANA MARIA BOVE), já que o mesmo não havia deixado herdeiros necessários.


Indeferida a pretensão de tornar sem eficácia as disposições de última vontade do de cujus, sobreveio a interposição de agravo de instrumento para o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo; recurso que restou improvido nos termos da ementa seguinte: "AGRAVO DE INSTRUMENTO - Inventário - sucessão testamentária e não legítima - Lei nº 8.971/94 que não tem o condão de tornar caduco ou ineficaz o
testamento deixado pelo autor da herança, que deve ser cumprido - Direito de a agravante pleitear a metade dos bens, a teor do art. 3º do acima citado diploma legal - Recurso improvido." (fl. 177). Rejeitados os embargos declaratórios de fls. 182/187, o ESPÓLIO DE ROBERTO BOVE interpõe o presente recurso especial apontando como violados os arts. 6o da LICC, arts. 1° e 2°, III e 3° da Lei nº 8.971/94; arts. 165, 458, II, 535, e 984 do Código de Processo Civil (fls. 213/226) Foram oferecidas contra-razões às fls. 246/261. Admitido parcialmente na origem, o recurso ascendeu a esta Superior Instância (fls. 271/275)
Instado a se manifestar, o Ministério Público Federal opina pelo sobrestamento do recurso especial, nos termos do art. 542, §3º do CPC, com a redação dada pela Lei nº 9.756/98 (parecer de fls. 282/287). Após o regular processamento do feito, os autos retornaram-me conclusos para julgamento. É o relatório.

I - Conforme tem assinalado a jurisprudência desta Corte, a norma que determina a retenção do recurso especial comporta exceções. O acórdão recorrido que reconhece a validade de testamento, definindo quem são os herdeiros que vão figurar na sucessão não pode ser impugnado através do recurso especial retido. Decisão interlocutória de cuja reapreciação está a depender o desfecho da decisão final da causa (prosseguimento do inventário). Necessidade de imediato processamento do recurso especial.
II - Não há violação ao art. 535 do CPC quando o tribunal se pronuncia expressamente acerca das questões que lhes são remetidas, ainda que contrárias ao interesse do recorrente. Os embargos de declaração opostos para fins de prequestionamento não estão sujeitos ao alvedrio da parte, a qual deve obedecer os lindes estabelecidos na Lei Processual. O manejo da via declaratória não se presta para forcejar o rejulgamento da causa à luz de novos fundamentos.
III - Não cabe recurso especial quando o dispositivo de lei federal é mera reprodução de princípio constitucional. Precedentes.
IV - O testamento válido e eficaz não pode ser revogado pela superveniência da Lei 8.971/94, quando o autor da herança, não deixando herdeiros necessários, podia dispor livremente da totalidade de seu patrimônio, limitando o exercício do direito de sua companheira em prol dos seus sobrinhos. A referida legislação não instituiu a companheira como herdeira necessária, mas apenas a incluiu na ordem da sucessão
legítima ao lado do cônjuge sobrevivente. V - Recurso especial não conhecido.

O EXMO SR. MINISTRO WALDEMAR ZVEITER (RELATOR): Conforme antecipei no relatório, trata-se de recurso especial interposto pelo ESPÓLIO DE ROBERTO BOVE, representado por MARIA VERA PAULIELLO BUENO, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferido em sede de agravo de instrumento, que considerou válido o testamento deixado pelo de cujus, mesmo após a superveniência da Lei 8.971/94 (lei que regulamenta o direito de alimentos e a sucessão entre concubinos). Em que pese o alentado parecer do Ministério Público Federal, opinando pelo sobrestamento do feito, penso que o caso vertente configura mais uma das exceções à regra da retenção do recurso especial. Com efeito, embora cuide a hipótese de recurso especial interposto contra decisão de natureza interlocutória, se me afigura descabida a aplicação do art. 642, §3° do CPC que dispõe sobre o recurso especial retido.

A nova disciplina do recurso especial, introduzida recentemente pela Lei n° 9.756/98, tem sido alvo de grandes embates no meio jurídico. A jurisprudência desta Corte tem entendido que a regra inserta no mencionado dispositivo comporta exceções, como é o caso, por exemplo, da antecipação de tutela e da decisão que fixa a competência do juízo. Neste sentido, confira-se os seguintes precedentes: MC n°s 2142; 1730, 2299 e 2624. Ao que se extrai do art. 542, §3° do CPC, o especial ficará retido nos autos, aguardando o recurso interposto contra a decisão final da causa para julgamento conjunto. Na hipótese vertente, o acórdão recorrido reconheceu a validade do testamento deixado pelo de cujus determinando a inclusão dos herdeiros testamentários na sucessão (fls. 177/179). Assim, enquanto não decidida a questão, o prosseguimento do inventário continua a depender da definição de quem seriam os herdeiros que irão concorrer na sucessão para que seja expedido, posteriormente, os respectivos formais de partilha. Nesta perspectiva, injustificável que a controvérsia acerca da validade do testamento seja postergada para a decisão final da causa; caso em que, o recurso especial certamente não comporta retenção. Justificada a necessidade do processamento imediato do recurso, passo à análise da aventada violação ao art. 535, II do CPC. Provido o agravo de instrumento pelo Tribunal a quo, manifestou o ESPÓLIO DE ROBERTO BOVE embargos de declaração (fls. 182/187), com vistas a rever a interpretação da Lei nº 8.971/94, além de objetivar o pronunciamento de dispositivos constitucionais. Ocorre, entretanto, que no julgamento do agravo de instrumento, a aplicação da referida lei restou exaustivamente examinada, de forma clara e objetiva, pelo colegiado de origem no voto de fls. 177/179. Além disso, incabíveis os declaratórios para forcejar o rejulgamento da causa sob uma nova ótica constitucional, sendo que a questão já havia sido expressamente dirimida a luz de outros fundamentos. Assim, despiciendo era o manejo da via declaratória, eis que não configuradas as hipóteses do art. 535 do CPC, o qual não restou violado. Ressalto ainda, que os arts. 165, 458, ll e 984 do CPC não serviram de base à conclusão do acórdão recorrido e tampouco foram aventados quando da interposição dos declaratórios. Neste sentir, ausente o pressuposto do indispensável prequestionamento (súmula 282 do STF). Quanto ao art. 6° da LICC, além de não ter sido objeto de discussão no tribunal recorrido, sua interpretação não se coaduna com a via recursal eleita. É que restou assentado nesta Corte o entendimento segundo o qual "se o dispositivo legal tido como violado não passa de mera reprodução de norma constitucional, que o absorve totalmente, é do STF a competência exclusiva para dispor sobre a temática controvertida" (STF-RJ 698/198 in CPC - Theotônio Negrão - 29a Ed. pg. 1298). Tecidas essas observações, passo ao exame da questão federal que está a merecer o crivo desta Corte. A controvérsia suscitada consiste em definir, se a superveniência da Lei 8.971/94, que regulamenta a sucessão entre concubinos, teria o condão

revogar as disposições testamentárias e o fideicomisso instituído em prol dos sobrinhos do de cujus, para favorecer sua companheira com a totalidade da herança.Os dispositivos da Lei n° 8.971/94 não poderiam, por certo, ser interpretados isoladamente, sem a conjugação dos princípios balizadores do direito sucessório insculpidos no Código Civil. Na valiosa lição de CARLOS MAXIMILIANO1, é através do método sistemático de interpretação das normas que o hermeneuta melhor apura o sentido de seu conteúdo- Segundo o Ilustre Doutrinador: " Por uma das normas se conhece o espírito das outras. Procura-se conciliar as palavras antecedentes com as conseqüentes, e do exame das regras em conjunto deduzir o sentido de cada uma. Em toda ciência, o resultado do exame de um só fenômeno adquire presunção de certeza quando confirmado, contrastado pelo estudo de outros, pelo menos dos casos próximos, conexos; à análise sucede a síntese. Do complexo de verdades particulares, descobertas, demonstradas, chega-se até à verdade geral. Possui todo corpo órgãos diversos; porém a autonomia das funções não importa em separação; operam-se coordenados os movimentos e é difícil, por 1 CARLOS MAXIMILIANO - Hermenêutica e Aplicação do Direito Forense, Rio de Janeiro, 9ª ed., p 128. isso mesmo, compreender bem um elemento sem conhecer os outros, sem os comparar, verificar a recíproca interdependência por mais que à primeira vista pareça imperceptível. O processo sistemático encontra fundamento na lei de solidariedade entre os fenômenos coexistentes. Não se encontra um princípio isolado em ciência alguma, acha-se cada um em conexão íntima com os outros- O direito objetivo não é um conglomerado caótico de preceitos; constitui vasta unidade, organismo regular, sistema, conjunto harmônico de normas coordenadas em interdependência metódica, embora fixada cada uma no seu lugar próprio. De princípios jurídicos mais ou menos gerais deduzem-se corolários; uns e outros se condicionam e se restringem reciprocamente, embora se desenvolvam de modo que constituem elementos autônomos operando em campos diversos. Cada preceito, portanto, é membro de um grande todo; por isso do exame em conjunto resulta bastante luz para o caso em apreço." Segundo o direito pátrio, a sucessão legítima obedece a ordem de vocação hereditária prevista no art. 1603 do Código Civil, enquanto a sucessão testamentária decorre de expressa manifestação de última vontade, em
testamento ou codicilo. A vontade do autor da herança, a quem a lei assegura a vontade de testar, é limitada apenas pelos direito dos herdeiros necessários (parentes em linha reta não excluídos por indignidade ou deserdacão) que não podem ser privados da legítima. Na qualidade de ato jurídico, o testamento possui as seguintes características: ser um ato personalíssimo, solene, unilateral, gratuito, revogável e causa mortis - por produzir efeitos somente após a morte do testador.Embora a revogabilidade seja da essência do testamento (arts. 1.746 e 1.626 do CC), as causas que o tornam revogável ocorrem de duas formas: ex voluntate - ato de inteiro arbítrio do testador que revela o seu propósito de tornar ineficaz a manifestação de sua vontade; ou ex legis - conforme as hipóteses enumeradas nos arts. 1746 e 1742 do Código Civil. Convém notar que, quanto a ineficácia do fideicomisso (espécie de Documento: IT37132 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 29/10/2001 Página 5 de 24Superior Tribunal de Justiça substituição testamentária), o legislador previu expressamente as causas de sua caducidade ou nulidade (arts. 1.735 a 1.740 do CC). O processo de extinção do fideicomisso é ainda regulado nos arts. 1.103 a 1.112 do CPC. De outra feita, o legislador civil, além de regulamentar as formalidade extrínsecas do testamento, tratou de editar algumas regras que são interpretativas da vontade do testador; entre elas, destaca-se o art. 1666 do Código Civil - prevalência da interpretação que melhor assegure a vontade do testador. É uma reiteração da regra do art. 85 do CC, segundo o qual - nas declarações de vontade a intenção do agente deve prevalecer sobre a interpretação literal. Situadas as regras do Código Civil, de relevância para o deslinde da questão, voltemos aos elementos informativos do processo. O autor da herança ROBERTO BOVE faleceu sem deixar herdeiros necessários, instituindo testamento público, devidamente registrado e válido, onde sua companheira MARIA VERA PAULIELLO BUENO, então recorrente, fora nomeada herdeira dos bens do de cujus. No entanto, como cláusula de última vontade, em relação aos bens imóveis, estipulou um fideicomisso em prol dos seus sobrinhas LUIZ EDUARDO BOVE e ANA MARIA BOVE. Pretende a companheira do testador, seja reconhecida a ineficácia do testamento (e também do fideicomisso) para que lhe seja atribuída a totalidade da herança, nos termos da Lei 8.971/94, que em seu art. 2°, II assim dispõe: " art. 2° - As pessoas referidas no artigo anterior participarão da sucessão do (a) companheiro (a) nas seguintes condições:
i - (omissis);
II - (omissis);
III - Na falta de descendentes e de ascendentes, o (a) companheiro (a) sobrevivente terá direito à totalidade da herança. " Sem razão a recorrente. Com efeito, as causas de revogação do testamento, ou de invalidade do fideicomisso, autorizadas pelo Código Civil inocorreram na espécie. Assim, as disposições de última vontade deixadas por ROBERTO BOVE permanecem válidas e eficazes. Demais disso, em não deixando o testador herdeiros necessários estava ele autorizado a dispor da totalidade do seu patrimônio da forma que melhor lhe conviesse; poderia, inclusive, ter determinado que a totalidade da herança seria destinada, sem restrições, á sua companheira. Para tanto, não era necessário nem mesmo o respaldo ou a existência da Lei 8.971/94. Todavia, se assim não procedeu o de cujus, foi porque a sua vontade era a de
limitar o direito da sua companheira, instituindo o fideicomisso em prol de seus sobrinhos; vontade esta, que deve ser respeitada, eis que plenamente válida e eficaz o testamento. Neste sentido, bem andou o a quo em confirmar a decisão interlocutória de fl. 68, assim prolatada: " A matéria em discussão no presente inventário diz respeito ao Documento: IT37132 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 29/10/2001 Página 6 de 24Superior Tribunal de Justiça cumprimento ou não do testamento deixado pelo de cujus, face ao disposto no art. 2º, II da Lei n° 8.971/94 de 29 de dezembro de 1994; que confere à companheira, direito à
totalidade da herança, na falta de descendentes e ascendentes. A legislação em questão não se aplica ao presente caso face à existência de testamento. A sucessão legítima somente se processa quando o de cujus falece sem deixar testamento, ou quando seu testamento caducou ou foi julgado nulo. Nos casos de sucessão testamentária, não havendo herdeiros necessários, o testador pode dar aos bens a destinação que lhe aprouver. Conclui-se portanto que, tendo o de cujus falecido sem herdeiros necessários, pode dispor livremente de toda sua herança." Ante o exposto, forçoso é concluir, que o acórdão recorrido corretamente afastou a incidência do art. 2°, III da Lei nº 8.971/94, quando descabida era sua aplicação. Forte em tais lineamentos, não conheço do recurso. É como voto.

VOTO-VISTA O EXMO. SR. MINISTRO ARI PARGENDLER:
- Os autos dão conta de que Roberto Bove faleceu, deixando bens e testamento, no qual instituiu a companheira, Maria Vera Pauliello Bueno "herdeira de todos os bens móveis, valores, depósitos bancários, aplicações financeiras, títulos, créditos e demais pertences existentes e que forem apurados por ocasião da morte dele testador" (fl. 20) - e fiduciária de todos os bens imóveis, sendo fideicomissários Luiz Eduardo Bove e Anna Maria Bove (fl. 19). Maria Vera Pauliello Bueno, companheira do de cujus, requereu a abertura do inventário, com desconsideração do testamento, à vista do disposto no artigo 2°, III da Lei n° 8.971, de 1994, in verbis: "As pessoas referidas no artigo anterior participarão da sucessão do(a) companheiro(a) nas seguintes condições:
III - na falta de descendentes e de ascendentes, o(a) companheiro (a) sobrevivente terá direito à totalidade da herança". O MM. Juiz de Direito indeferiu o pedido, ã base da seguinte motivação: "Nos casos de sucessão testamentária, não havendo herdeiros necessários, o testador pode dar aos bens a destinação que lhe aprouver. Conclui-se portanto que, tendo o de cujus falecido sem herdeiros necessários, pode dispor livremente de toda a sua herança. A companheira poderá habilitar-se no inventário, nos termos do disposto no art. 3a da Lei 8.971/94, que, em caso de sucessão por morte, concede direito a metade dos bens adquiridos pelos concubinos, ao sobrevivente, desde que comprove em ação própria, que esse patrimônio resultou de atividade em que houve colaboração deste último. Neste caso, cuida-se de meação e não de herança" (fl. 55). O Tribunal a quo, relator o eminente Desembargador Antônio Manssur, manteve a sentença (fl. 177/179 e 191/192). Seguiu-se recurso especial, interposto pelo Espólio de Roberto Bove, representado pela inventariante, Maria Vera Pauliello Bueno, por violação dos artigos 165, 458, II e 535 do Código de Processo Civil, bem assim dos artigos 1o e 2o , III da Lei n° 8.971, de 1994 (fl. 213/226). O eminente Relator, Ministro Waldemar Zveiter, dele não conheceu. As razões do agravo de instrumento, interposto perante o Tribunal a quo, suscitaram questão restrita a saber se a superveniência da Lei n° 8.971, de 19 94, havia prejudicado o testamento, por incompatibilidade com os direitos sucessórios que o respectivo artigo 2°, III atribuiu à companheira. Documento: IT37132 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 29/10/2001 Página 9 de 24Superior Tribunal de Justiça O acórdão então proferido decidiu essa questão, está fundamentado, e não encerra contradição, diversamente do que sustentam as razões do recurso especial. Maria Vera Pauliello Bueno não foi privada de qualquer direito. Sequer o do contraditório regular, porque a decisão de cumprir o testamento independe de ação. Todos os direitos nele arrolados estão assegurados, bastando para isso o seu fiel cumprimento. Outros direitos - este é o sentido do acórdão - só poderão ser reclamados em ação própria. Além dessa questão, as razões do recurso especial articularam outra, não examinada nas instâncias ordinárias, in verbis: "Como, ainda, remeter a companheira sobrevivente a comprovar, em ação própria, que o patrimônio resultou de atividade comum se desse ônus dispensou-a a própria lei por presumir a colaboração ?" (fl. 225). Mas, à parte a falta de  requestionamento, essas razões do recurso especial sequer disseram contrariado o artigo 3o da Lei n° 8.971, de 1994, de seguinte redação: "Art. 3° - Quando os bens deixados pelo (a) autor (a) da herança resultarem de atividade em que haja colaboração do (a) companheiro(a), terá o sobrevivente direito à metade dos bens". De fato, se, como alegado, essa colaboração é presumida pelo tempo da convivência comum, a ação própria seria desnecessária para a conclusão de que o testamento deve ser limitado à meação do de cujus. Trata-se, no entanto, de matéria não prequestionada. O tema, sujeito à apreciação, tem suas dificuldades, porque a
literalidade do artigo 2o
, III da Lei n° 8.971, de 1994, aparentemente tutela o direito pleiteado, a saber: "na falta de descendentes e de ascendentes, o (a) companheiro (a) sobrevivente terá direito à totalidade da herança". Silvio Rodrigues suscitou a questão, sem enfrentá-la, nestes termos: "A terceira hipótese é a da morte de um dos conviventes sem deixar herdeiros necessários, ainda que deixando colaterais. Aí se diz que o sobrevivente terá direito à totalidade da herança. Uma preocupação que me assalta, nesse caso, é a de saber se a pessoa, em questão, poderá livremente testar. Digamos que, às vésperas de sua morte, um dos concubinos queira dispor de todo o seu patrimônio em favor de um irmão, ou de um terceiro, ou mesmo instituir herdeira uma fundação. 0 testamento frustra a perspectiva do companheiro, que, até a véspera, tinha a expectativa de fazer seu aquele acervo. Poderá ser considerado abusivo aquele ato, ainda que se demonstre que o testamento foi outorgado apenas para punir um companheiro malquerido. Acho que a jurisprudência terá de enfrentar sérios problemas" (Direito de Família, Editora Saraiva, São Paulo, 22a edição, 1997, Vol. 6°, p. 270). A espécie é diferente da hipótese alvitrada pelo eminente jurista, porque, aqui, o testamento (fl. 18/20) é anterior à edição da Lei n° 8.971, de 1994, mas também deve ser resolvida a partir da resposta que se dê à seguinte Documento: IT37132 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 29/10/2001 Página 1 0 de 24Superior Tribunal de Justiça pergunta: na ausência de ascendentes e descendentes, pode o companheiro, em testamento, dispor livremente dos bens ?
"Tendo o companheiro sobrevivente" - escreveu Mario Roberto Carvalho de Faria - "direito à totalidade da herança, direito esse atribuído por lei, não poderia o de cujus usurpá-lo, dispondo de seus bens em vida por
testamento em favor de terceiros. Seguindo este raciocínio, seria a companheira considerada herdeira necessária, com parcela superior à dos descendentes e ascendentes. Parcela maior, mesmo, que a do cônjuge, que, como os colaterais, pode ser excluído da sucessão, por meio de disposição testamentária, como expressamente prevê o artigo 1.725 do Código Civil:
'Para excluir da sucessão o cônjuge ou os parentes colaterais, basta que o testador disponha de seu patrimônio sem os contemplar'. Não podemos acolher essa interpretação, por entendê-la absurda.
Inadmissível atribuir à companheira mais direitos que aos herdeiros descendentes ou ascendentes, parentes consangüíneos em primeiro grau do autor da herança. Deverá a companheira ficar em posição semelhante ao cônjuge. É bom salientar que não estamos igualando a companheira ao cônjuge na ordem da vocação hereditária. Sempre que o inventariado for casado, estará a companheira afastada da sucessão. Desejando o testador exclui-la da sucessão, poderá utilizar o permissivo do artigo 1.725 do estatuto civil. Para tanto, basta dispor de seus bens por via testamentária em favor de terceiros" (Os Direitos Sucessórios dos Companheiros, Editora Lumen Juris, Rio de Janeiro, 1996, p. 93/94). No mesmo sentido Kátia Regina da Costa S. Ciotola (O Concubinato e as inovações introduzidas pelas Leis 8.971/94 e 9.278/96, Lumen Juris, Rio de Janeiro, 1997, 2ª ed., p. 64/66), e Claudia Grieco Tabosa Pessoa (Efeitos Patrimoniais do Concubinato, Editora Saraiva, São Paulo, 1997, p. 224/225). Acompanho, por isso, o eminente Relator.
Documento: IT37132 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 29/10/2001 Página 1 1 de 24Superior Tribunal de Justiça CERTIDÃO DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA
Nro. Registro: 1998/0075312-5 RESP 191393/SP PAUTA: 13/02/2001 JULGADO: 13/03/2001 Relator Exmo. Sr. Min. WALDEMAR ZVEITER Presidente da Sessão Exmo. Sr. Min. ARI PARGENDLER
Subprocurador-Geral da República AUSENTE Secretário (a) SOLANGE ROSA DOS SANTOS VELOSO AUTUAÇÃO RECTE : ROBERTO BOVE - ESPOLIO ADVOGADO : NEREU CESAR DE MORAES E OUTROS RECDO : LUIZ EDUARDO BOVE E OUTRO ADVOGADO : EVELIN ATALLA SCAF CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA ao apreciar o processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: "Prosseguindo o julgamento, apos o voto-vista do Sr. Ministro Ari Pargendler, nao conhecendo do recurso especial, solicitou vista o Sr. Ministro Menezes Direito. Aguardam a Sra. Ministra Nancy Andrighi e o Sr. Ministro Padua Ribeiro." Ausente, justificadamente, nessa assentada, o Sr. Ministro Padua Ribeiro. O referido é verdade. Dou fé. Brasília, 13 de março de 2001 SOLANGE ROSA DOS SANTOS VELOSO Secretário(a)
Documento: IT37132 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 29/10/2001 Página 1 2 de 24Superior Tribunal de Justiça RECURSO ESPECIAL Nº 191.393 - SP (1998/0075312-5) VOTO-VISTA O EXMO. SR. MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO: Maria Vera Pauliello Bueno, ingressou nos autos do inventário dos bens deixados por Roberto Bove, não se conformando com decisão que afastou a incidência da Lei nº 8.971, de 29/12/94, que atribui a totalidade da herança para a companheira, na falta de descendentes e ascendentes, porque existente testamento, podendo dispor livremente de toda a sua herança à míngua de herdeiros necessários. Para a decisão agravada, a companheira poderá habilitar-se no inventário, nos termos do art. 3º da Lei n° 8.971/94, "que em caso de sucessão por morte, concede direito a metade dos bens adquiridos pelos concubinos, ao sobrevivente, desde que comprove em ação própria, que esse patrimônio resultou de atividade em que houve colaboração deste último. Neste caso, cuida-se de meação e não de herança". O Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a decisão agravada Considerou o Acórdão recorrido que o "testamento deixado pelo autor da herança, ao contrário do asseverado pela agravante, não caducou e, tampouco, perdeu sua eficácia com o advento da Lei nº 8.971/94", afirmando que, "por força daquele testamento, o artigo 2º, III do diploma legal acima referido não tem aplicação ao inventário, sendo certa que o autor da herança, por não possuir herdeiros necessários, podia dispor da totalidade de seus bens, reservado à agravante, contudo, o direito de pleitear a meação, conforme autorizado pelo artigo 3º do estatuto legal já citado". Os declaratórios foram rejeitados. O eminente Relator, Ministro Waldemar Zveiter, afastou o óbice da retenção do recurso, a existência de violação e, no mérito, manteve o julgado. Esclareceu o voto do Relator que o "autor da herança ROBERTO BOVE faleceu sem deixar herdeiros necessários, instituindo testamento público, devidamente registrado e válido, onde sua companheira MARIA VERA PAULIELLO BUENO, então recorrente, fora nomeada herdeira dos bens do de cujus. No entanto, como cláusula de última vontade, em relação aos bens imóveis, estipulou um fideicomisso em prol dos seus sobrinhos, LUIZ EDUARDO BOVE e ANA MARIA BOVE", pretendendo a companheira na ação a ineficácia do testamento para que lhe seja atribuída a totalidade da herança nos termos da Lei n° 8.971/94, art. 2º, II. Para o Relator, como destacado na ementa, o "testamento válido e eficaz não pode ser revogado pela superveniência da Lei 8.971/94, quando o autor da herança, não deixando herdeiros necessários, podia dispor livremente da totalidade de seu patrimônio, limitando o exercício do direito de sua companheira em prol dos seus sobrinhos. A referida legislação não instituiu a companheira como herdeira necessária, mas apenas a incluiu na ordem da sucessão legítima ao lado do cônjuge sobrevivente", concluindo: "Com efeito, as causas de revogação do testamento, ou de invalidade do fideicomisso, autorizadas pelo Código Civil inocorreram na espécie. Assim, as Documento: IT37132 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 29/10/2001 Página 1 3 de 24Superior Tribunal de Justiça disposições de última vontade deixadas por ROBERTO BOVE permanecem válidas e eficazes. Demais disso, em não deixando o testador herdeiros necessários estava ele autorizado a dispor da totalidade do seu patrimônio da forma que melhor lhe conviesse; poderia, inclusive, ter determinado que a totalidade da herança seria destinada, sem restrições, à sua companheira. Para tanto, não era necessário nem mesmo o respaldo ou a existência da Lei 8.971/94. Todavia, se assim não procedeu o de cujus, foi porque a sua vontade era a de limitar o direito da sua companheira, instituindo o fideicomisso em prol de seus sobrinhos; vontade esta, que deve ser respeitada, eis que plenamente válido e eficaz o testamento." Em pedido de vista, o Senhor Ministro Ari Pargendler pôs a questão no sentido de saber "se a superveniência da Lei nº 8.971, de 1994, havia prejudicado o testamento, por incompatibilidade com os direitos sucessórios que o respectivo artigo 2°, III atribuiu à companheira". Afastando a existência de contradição no Acórdão recorrido e entendendo que o referido julgado teve o sentido de afirmar que outros direitos, além daqueles relativos ao testamento, somente poderão ser reclamados em ação própria, e afastando, ainda, a falta de prequestionamento quanto ao ponto da remessa da companheira sobrevivente a comprovar, em ação própria, se o patrimônio resultou de atividade comum, se foi dispensada dos ônus pela própria lei por presumir colaboração, o voto do Senhor Ministro Ari Pargendler asseverou que o tema central "tem suas dificuldades, porque a literalidade dn artigo 2°, III da Lei n° 8.971, de 1994, aparentemente tutela o direito pleiteado, a saber: 'na falta de descendentes e de ascendentes, o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito à totalidade da herança'". Concluiu o Senhor Ministro Ari Pargendler o seu voto, após mencionar lição de Sílvio Rodrigues, com as razões que se seguem: "A espécie é diferente da hipótese alvitrada pelo eminente jurista, porque, aqui, o testamento (fls. 18/20) é anterior à edição da Lei n° 8.971, de 1994, mas também deve ser resolvida a partir da resposta que se dê à seguinte pergunta: na ausência de ascendentes e descendentes, pode o companheiro, em testamento, dispor livremente dos bens?
'Tendo o companheiro sobrevivente' - escreveu Mario Roberto Carvalho de Faria - 'direito à totalidade da herança, direito esse atribuído por lei, não poderia o de cujus usurpá-lo, dispondo de seus bens em vida por testamento em favor de terceiros. Seguindo esse raciocínio, seria a companheira considerada herdeira necessária, com parcela superior à dos descendentes e ascendentes. Parcela maior, mesmo, que a do cônjuge, que, como os colaterais, pode ser excluído da sucessão, por meio de disposição testamentária, como expressamente prevê o artigo 1.725 do Código Civil:
'Para excluir da sucessão o cônjuge ou os parentes colaterais, basta que o
testador disponha de seu patrimônio sem os contemplar'. Não podemos acolher essa interpretação, por entendê-la absurda.
Inadmissível atribuir à companheira mais direitos que aos herdeiros descendentes ou ascendentes, parentes consagüíneos em primeiro grau do autor da herança. Deverá a companheira ficar em posição semelhante ao cônjuge. É bom salientar que não estamos igualando a companheira ao cônjuge na ordem de vocação hereditária. Sempre que o inventariado for casado, estará a companheira afastada da sucessão.Desejando o testador exclui-la da sucessão, poderá utilizar o permissivo do Documento: IT37132 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 29/10/2001 Página 1 4 de 24Superior Tribunal de Justiça artigo 1.725 do estatuto civil. Para tanto, basta dispor de seus bens por via
testamentária em favor de terceiros' (Os Direitos Sucessórios dos Companheiros. Editora Lumen Juris, Rio de Janeiro, 1996, p. 93/94). No mesmo sentido Kátia Regina da Costa S. Ciotola (O Concubinato e as
inovações introduzidas pelas Leis 8.971/94 e 9.728/96, Lumen Juris, Rio de Janeiro, 1997, 2ª ed., p. 64/66), e Cláudia Grieco Tanosda Pessoa (Efeitos Patrimoniais do Concubinato, Editora Saraiva, São Paulo, 1997, p. 224/225). Acompanho, por isso, o eminente Relator." Ao estudar a disciplina da Lei n° 8.971, de 29 de dezembro de 1994, especificamente com relação ao inciso III, do art. 2o
, ponderei o que se segue: "O inciso III afasta-se do usufruto para estabelecer o direito da (o) companheira (o), na falta de ascendentes e descendentes, sobre a totalidade da herança. A redação é infeliz e dará oportunidade a muitas controvérsias. Não é possível entender a expressão totalidade da herança sem o necessário tempero. O legislador de 1994, na verdade, quis adotar o mesmo princípio do legislador de 1997 quando ofereceu a redação do caput do art. 1.611 do Código Civil. Teria sido preferível, pura e simplesmente, mandar aplicar à companheira a regra já existente. Evitaria perplexidades. Vejamos. Com o art. 3o da nova Lei a meação tem a ressalva da colaboração para a aquisição dos bens deixados pelo autor da herança. Assim, a companheira será considerada meeira se provar a colaboração. Todavia, participa ela da sucessão, sem que necessite comprovar essa participação, sendo suficiente para que tenha direito à totalidade da herança a falta de descendentes e de ascendentes. Ora, como não terá direito à totalidade da herança se o companheiro não for solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo, excluída está, portanto, na letra da lei, para esse efeito, a separação de fato, mesmo que por longos anos. Diante dessa dupla posição, a expressão totalidade da herança pode ensejar, em espíritos menos atentos, a absurda
interpretação de que eventual testamento seja inviável sob o argumento de que, não existindo meaçâo, porque não provada pela companheira a colaboração, o legislador comandou que todos os bens deixados pelo de cujus passam a integrar o patrimônio da companheira, ou do companheiro, tal como se fossem um ou outro herdeiros necessários. Ou, ainda, se provada a colaboração, como exigido pelo art. 3º - neste caso, a meu juízo, mesmo na separação de fato - o restante dos bens também pertenceria à companheira, ou companheiro. Anote-se, para a melhor interpretação do inciso III do art. 2o da Lei n° 8.971/94, como fez Carvalho Santos, ao comentar o art. 1.611 do Código Civil, "que o texto refere-se tão-somente à transmissão de bens causa mortis, não sendo objeto do dispositivo que encerra o direito do cônjuge sobrevivente à metade dos bens do espólio. Tal direito não constitui matéria sucessória, mas resulta da qualidade, que tem o cônjuge sobrevivente de sócio ou participante na comunhão, se esse é, como na generalidade, o regime em que foi contraído o casamento. Quando o cônjuge sobrevivente, na falta de descendente ou ascendente do de cujus, recolhe a sucessão deste, ele a recebe, pois, em aumento ao que lhe havia já sido deferido, em razão do regime em que se dera o casamento" (Código Civil Brasileiro Interpretado, Liv. Freitas Bastos, Rio, Vol. Documento: IT37132 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 29/10/2001 Página 1 5 de 24Superior Tribunal de Justiça XXII, 13ª ed, pp. 313/314). Já na vigência do art. 1.611, Sílvio Rodrigues apontava que a solução era má, "e se o legislador a consagra, decerto o faz na persuasão de que, se o marido separado de sua mulher quiser afastá-lo de sua sucessão e vice-versa, basta-lhe testar em favor de terceiro". Assinala o mestre que "no campo teórico,
tal concepção é verdadeira, mas, na prática, em pais como o nosso em que não há o hábito de testar, ela apresenta inconvenientes sérios, principalmente com o enriquecimento da população, com a difusão de facilidades para aquisição de casa própria etc., pois não raro será chamado à sucessão um cônjuge de há muito separado do falecido" (Direito Civil, Direito das Sucessões, Saraiva, Vol. VIII, 11ª ed., 1983, p. 83). É claro que esse caminho não pode prosperar. O inciso IIII do art. 2o da Lei n° 8.971/94, que cuida do direito à totalidade da herança, deve ser interpretado em conformidade com o sistema do Código Civil, sob pena de gerar enorme desequilíbrio entre a situação dos companheiros e dos cônjuges. Assim, se o (a) companheiro (a) tiver ascendente ou descendente, poderá ele testar tão-somente a metade da parte que seria disponível, aplicando-se o art. 1.721 do Código Civil. Todavia, não lendo ele nem descendente nem ascendente, a interpretação deve acompanhar a disciplina do art. 1.611, com a redação dada pela Lei nº 6.515/77. E, nesse caso, qual a posição do cônjuge supérstite, e, por extensão, a da (o) companheira (o), na sucessão diante da evolução legislativa? Será herdeiro necessário? Carvalho Santos considera herdeiros necessários 'aqueles a quem se defere a herança mesmo contra a vontade do testador' (cit., Vol. XXIV, p. 73). Diante desse conceito, conferindo a lei o direito do cônjuge sobrevivente à herança, qualquer que seja o regime de bens, no caso da Lei n° 8.971/94, o direito da companheira, ou do companheiro, à totalidade da herança, é possível identificar neles a qualidade de herdeiros necessários, os quais não podem ser privados da legitima? Mestre Caio Mário sustenta que o 'que se deve reconhecer sempre, ao cônjuge supérstite, é a condição de herdeiro necessário, tendo presente a evolução legislativa, 'ex vi da Lei n° 6.515, de 1977' (Instituições de Direito Civil, Vol. VI, 6ª ed., pp. 102/103). E, assim, será também esta a posição da companheira, ou do companheiro, diante do inciso IIII do art. 2o da Lei nº 8.971/94.O magistério de Orlando Gomes, todavia, é o de que o 'cônjuge não é herdeiro necessário. Se o marido não tiver descendentes ou ascendentes, ou não os tiver a mulher, poderá testar livremente, não sendo obrigado a contemplar o outro cônjuge, ainda que sendo casado com separação de bens'. Reconhece o mestre, sempre invocado, que essa 'liberdade de testar é injusta. Ao menos quando o regime matrimonial fosse o da separação absoluta deveria ser reservada uma parte da herança, da qual não pudesse o cônjuge dispor' (cit., p. 67). Na mesma direção ê a lição de Carlos Alberto Bittar, ao afirmar que  'são herdeiros necessários, ou forçados, ou obrigatórios no elenco legal, os Documento: IT37132 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 29/10/2001 Página 1 6 de 24Superior Tribunal de Justiça descendentes e os ascendentes, a quem se reserva porção da herança denominada legitima, que representa, ademais, limite à plena disponibilidade por testamento' (Curso de Direito Civil, Forense Universitária, Rio, Vol. 2, 1ª ed., p. 1227). Também pensa igual Maria Helena Diniz, mostrando que o testador pode afastar da sucessão 'herdeiros legítimos não-necessários, ou seja, o seu cônjuge e seus parentes colaterais', bastando para tanto, 'que ele disponha, em favor de terceiros, da totalidade do seu patrimônio, sem os contemplar (CC, art. 1752), não sendo, portanto, necessário expressa manifestação no sentido de excluí-los. Sucede exatamente o contrário com os herdeiros necessários, que só podem ser privados do direito hereditário, motivadamente, nas hipóteses legais de indignidade e deserção' (Curso de Direito Civil Brasileiro, Saraiva, São Pauto, 6o Vol, 6º ed, 1991, p. 149). Clara é a lição de Santiago Dantas mostrando a essência da sucessão necessária para concluir que os herdeiros necessários são os descendentes e os ascendentes, não havendo qualquer razão para que sejam incluídos entre estes o cônjuge e os colaterais. Para Santiago Dantas se, 'não há descendentes nem ascendentes e se o testador dispõe livremente de seus bens em favor de estranhos, entende-se que o cônjuge e os colaterais foram excluídos da sucessão; a sua presença não é necessária' (Direitos de Família e das Sucessões, Forense, Rio, 2ª ed., atualizada por Bezerra Câmara, 1991, pp. 521 e 527). Verifica-se que a doutrina de mestre Caio Mário manda incluir no art. 1.721 do CC, além dos descendentes e dos ascendentes, o cônjuge supérstite, em razão do art. 1.611 do mesmo Código, com a redação dada pela Lei n° 6.515/77 (cit., p. 128). Seria, pois, o caso de incluir, diante do inciso IIII do art. 2° da Lei n° 8.971/94, a companheira? E, nessa condição, a expressão totalidade da herança significaria uma limitação ao direito de testar, reservada para a companheira, ou companheiro, a legítima, porção reservada aos herdeiros necessários. Concordando embora com a injustiça de afastar-se o cônjuge sobrevivente do rol dos herdeiros necessários, não me parece que esse entendimento possa prevalecer. A alteração legislativa posterior não desqualificou a definição legal dos herdeiros necessários prevista nos artigos 1.721 e seguintes do Código Civil. O conteúdo do caput do art. 1.611 do Código Civil já se encontrava na redação original, criticado por Clovis Bevilaqua , o qual defendia posição mais avançada, assim a de que o direito codificado deveria 'ter ido um pouco além (...) e não deixar o cônjuge desamparado, quando a herança deva ser deferida aos herdeiros do premorto, por não haver descendentes. Mas, ainda que incompleta, a justiça do dispositivo é louvável' (Código Civil Comentado, Francisco Alves, Vol. VI, 9ª ed. pp. 55/56). Também Pontes de Miranda, cuidando da herança legitima não-necessária, 'a herança que a lei pós os herdeiros indicados por ela no lugar em que poderiam estar os herdeiros testamentários e os legatários', ensina que não 'é necessário que tais pessoas herdem, mas elas herdam se o Documento: IT37132 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJ: 29/10/2001 Página 1 7 de 24Superior Tribunal de Justiça de cujus não dispôs diversamente do que estava no seu patrimônio. Tais herdeiros são o cônjuge sobrevivente, os parentes colaterais e a entidade estatal, a qual a lei ordinária confere tal direito' (Tratado de Direito Privado, Borsói, Rio. Vol. LV, 1968, p. 389). Em nenhum momento a lei ordinária desejou alterar o conceito de herdeiros necessários, assim os descendentes e os ascendentes, inserido no art. 1.721 do Código Civil, não se podendo, destarte, negar vigência ao art. 1.725 do mesmo Código, que autoriza o testador a excluir da sucessão o cônjuge ou os parentes colaterais, bastando, para isso, que 'disponha de seu patrimônio, sem os contemplar'. Em resumo: o testador pode dispor de todos os seus bens, desde que não tenha descendente ou ascendente, excluindo, portanto, a companheira, que não é herdeiro necessário. Com essa interpretação mantém-se a regra do art. 1.721, citado, fixando-se, corretamente, a interpretação do inciso III do art. 2o da Lei nº 8.971/94." (Revista de Direito Renovar - RDR, n° 1, 1995, págs. 35 e segs. )Tais razões, na minha compreensão, são suficientes para afastar a pretensão da recorrente no sentido de impedir o cumprimento do testamento.

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