CNJ: Escritura de inventário e partilha – Representação – Procuração pública com poderes especiais – Resolução 35/2007 – Alteração normativa – Permitida a acumulação de funções de mandatário e de assistente das partes.
Pedido de Providências nº 0000227-63.2013.2.00.0000
Relator: Conselheiro Guilherme Calmon Nogueira da Gama
Requerente: Associação dos Advogados de São Paulo
Requerido: Conselho Nacional de Justiça
Interessado: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil
RELATÓRIO
1. Trata-se de Pedido de Providências (PP) instaurado pela Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), requerendo a revisão da redação dada ao artigo 12 da Resolução nº 35 deste Conselho, a qual disciplina a aplicação da Lei nº 11.441/07 pelos serviços notariais e de registro.
Alega que o citado artigo proíbe que o advogado, em escrituras de inventário extrajudicial, participe como procurador e assessor de seus clientes, uma vez que é vedada a acumulação das funções de mandatário e de assistente das partes, criando, ao largo da lei, indevidas restrições ao exercício da Advocacia.
Aduz que tal situação criou um evidente entrave à sua atuação profissional, além de criar um ônus adicional aos próprios interessados, que se veem na contingência de vincular novo profissional apenas pro forma para cumprir com tal exigência administrativa, ainda quando essa não tenha respaldo na lei.
Informa que, na prática, o advogado que representa os herdeiros residentes no exterior, fora da comarca ou que, por qualquer motivo, não possam participar pessoalmente do ato notarial, está impedido de, sozinho, lavrar a escritura e o inventário extrajudicial, pois não poderá simultaneamente representar os herdeiros ausentes e participar do ato como assistente, tendo em vista que terá que se valer do concurso de outro profissional, não raras vezes com atuação meramente formal.
Fundamenta que o CNJ não pode desbordar dos limites do seu poder regulamentar e criar originariamente restrições que não têm amparo na lei, já que nem a Lei nº 11.441/2007, nem qualquer outra, veicula a proibição à participação do advogado com mandatário e assistente das partes, de modo que a Resolução não poderia criar um ato infralegal.
Sustenta que a restrição imposta originariamente na parte final do art. 12 da Resolução CNJ nº 35/2007 atrita com regras legais expressas do Estatuto da Advocacia, as quais asseguram ao advogado o livre exercício das atividades postulatórias, de consultoria e de aconselhamento (Lei nº 8.906/1994, art. 1º, I e II), o que não foi restringido ou limitado pela lei federal que disciplinou o inventário extrajudicial.
Pontua que a exigência contida na norma impugnada é desarrazoada e desproporcional, na medida em que nunca se questionou a possibilidade de o advogado – desde que devidamente apoderado – simultaneamente representar em juízo os seus constituintes e assinar em seus nomes partilhas amigáveis em inventário judicial (ou formular plano de partilha e concordar com o esboço confeccionado pelo partidor), razão pela qual não há lógica alguma para que não possa fazê-lo extrajudicialmente, perante o tabelião.
Argumenta que, se fosse possível criar uma nova restrição à atuação do advogado em inventários extrajudiciais, proibindo sua representação e assistência simultaneamente ao seu cliente, pela mesma razão e por coerência, ter-se-ia também proibi-lo de – mesmo munido de poderes – transigir, confessar, renunciar ao direito sobre o qual se funda a ação e praticar outros atos de disposição de direito, potencialmente tão ou mais danosos que uma partilha, sem a participação pessoal da parte, o que ofenderia gravemente o art. 38 do Código de Processo Civil, além do já citado art. 1º do Estatuto da Advocacia.
Pondera que a restrição imposta na parte final do art. 12 da Resolução nº 35 parece apenas contribuir para o aumento dos custos do inventário extrajudicial para os próprios jurisdicionados, eis que, para obviar a restrição, se veem compelidos a vincular outro advogado ad hoc especificamente para a prática do ato, com custos evidentes, pois, ou têm que solicitar ao seu advogado que substabeleça os poderes para um coerdeiro, viabilizando assim a atuação do causídico – substabelecente com o assessor das partes, ou precisam abandonar a via extrajudicial e seguir pela trilha do inventário judicial, contra o próprio espírito da Lei Federal que procurou retirar do Judiciário o processamento de causas não contenciosas.
Ao final, requer seja revista a redação do art. 12 da Resolução nº 35/2007, a fim de se eliminar a restrição imposta em sua parte final à atuação do advogado como assistente e bastante procurador de seu constituinte, desde que esteja devidamente apoderado para a prática do ato.
2. Com a inicial (REQINIC1) vieram os documentos acostados nos DOC3 à DOC6 .
3. O meu antecessor, o então Conselheiro Tourinho Neto, determinou a intimação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para se manifestar (DESP7).
No evento 14, a OAB manifestou-se (REQINIC12) corroborando as afirmações da requerente, uma vez que a Lei nº 11.411/2007, que alterou o Código de Processo Civil, possibilitou a realização de inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual pela via administrativa e em momento algum assentou a limitação/restrição imposta pela norma vergastada.
Expõe que editou o Provimento nº 118/2007 dispondo sobre a aplicação da Lei nº 11.441/2007, disciplinando as atividades profissionais dos advogados em escrituras públicas de inventários, partilhas, separações e divórcios, não existindo, no mencionado ato normativo, qualquer restrição à acumulação pelos advogados das funções de mandatário e assistente das partes.
Ao final, pugna pela sua admissão no feito na condição de assistente da requerente e, no mérito, requer a revisão do art. 12 da Resolução nº 35/2007 com a expressa exclusão da restrição de acumulação de funções de mandatário e assistente das partes em inventários e partilhas extrajudiciais.
O ingresso da OAB como interessada no feito foi deferido no evento 19 (DESP15).
É, em síntese, o relatório.
VOTO
4. Cuida-se de requerimento que visa à modificação do art. 12 da Resolução nº 35, a qual disciplina a aplicação da Lei nº 11.441/07 pelos serviços notariais e de registro.
5. O artigo em comento tem a seguinte redação:
Art. 12. Admitem-se inventário e partilha extrajudiciais com viúvo(a) ou herdeiro(s) capazes, inclusive por emancipação, representado(s) por procuração formalizada por instrumento público com poderes especiais,vedada a acumulação de funções de mandatário e de assistente das partes. (Grifei).
6. Sabe-se que a Lei n. 11.441/07 buscou atender a uma série de reivindicações de maior celeridade e efetividade na prática de determinados atos e negócios jurídicos relacionados à separação e divórcio como modos de dissolução da sociedade conjugal, bem como referentes ao inventário e partilha como etapas necessárias à formalização da transferência dos bens integrantes do patrimônio deixado pelo falecido em favor de seus herdeiros legítimos.
E, o Conselho Nacional de Justiça, na busca da implementação das regras contidas na Lei n. 11.441/07, editou a Resolução n. 35, posteriormente complementada pela Resolução n. 120.
7. Exatamente em razão da facilitação dos atos concretizadores da separação, divórcio, inventário e partilha pela via extrajudicial, houve a determinação legal da presença de advogado como profissional habilitado para atuar no assessoramento das pessoas interessadas e envolvidas. E, tal obrigatoriedade foi expressamente reconhecida no art. 8º, da Resolução n. 35.
Sucede que, na eventualidade de um dos interessados no inventário e partilha não poder estar presente no momento da celebração da escritura pública, o art. 12, da referida Resolução, estabeleceu que será possível a outorga de poderes especiais através de instrumento público para o advogado atuar, sendo expressamente vedada a acumulação de funções de mandatário e de assessor das partes (parte final do referido art. 12).
8. A Requerente – AASP – observa que, na prática, a restrição contida na parte final do art. 12, supra referido, impede que nos casos em que um dos herdeiros ou o cônjuge (ou companheiro) sobrevivente não possa estar presente no ato de realização da escritura pública de inventário e partilha haja a presença de apenas um advogado, pois a Resolução obriga que um profissional atue na condição de representante convencional e outro atue com atividade de assessoramento para o ato.
Para tanto, apresenta quatro argumentos que reforçam a desnecessidade da referida restrição: a) ofensa ao princípio da legalidade na atuação do Conselho Nacional de Justiça ao estabelecer, via resolução, restrição sem amparo legal; b) violação a regras do Estatuto da OAB que asseguram o livre exercício das atividades postulatórias e de consultoria e aconselhamento pelos advogados (art. 1º, I e II, da Lei n. 8.906/94; c) a regra restritiva é desarrazoada e desproporcional, já que nunca houve questionamento acerca da possibilidade de o advogado atuar, simultaneamente, como representante judicial de seus clientes e assinar partilhas amigáveis em inventários judiciais; d) a prevalecer a restrição da Resolução, não poderia o advogado transigir, confessar, renunciar ao direito sobre o qual se funda a ação ou praticar outros atos de disposição de direitos.
9. Não há dúvidas quanto às diferenças que existem entre a atuação do tabelião de notas e a atividade jurisdicional (ainda que no exercício da jurisdição voluntária) no que pertine à realização de inventário e partilha, mesmo que sob a modalidade consensual (ou amigável). A própria natureza jurídica do ato processual representado por uma sentença homologatória de acordo de partilha amigável, por óbvio, permite a atribuição de maior segurança jurídica à divisão dos bens realizada via consenso entre os interessados no inventário e na partilha quando comparada com a partilha realizada por escritura pública.
10. Em trabalho escrito acerca da indagação sobre a possibilidade de haver separação ou divórcio consensuais mediante procuração – sob a égide da Lei n. 11.441/07 -, Cássio S. Namur responde negativamente em razão da falta de previsão legal expressa a respeito e devido à impossibilidade de se integrar a lacuna da norma via processo analógico.
Neste sentido, é oportuna a transcrição de trecho de sua doutrina a respeito do tema (relativo à separação e divórcio por escritura pública);
“Quando se estabelece que há pessoas com impedimento, que podem ser representadas em juízo pelo curador, ascendente e irmão, como vimos, a lei é categórica. Isso significa que, em casos excepcionais, o Judiciário permite a representação, mas lembramos que, nesses casos excepcionais sempre haverá a necessidade da presença do Judiciário, bem como do Ministério Público, por haver interesse de terceiros, o que vem a ser totalmente distinto da situação ora objeto do nosso estudo” (NAMUR, Cassio. É possível praticar o ato mediante procuração? In: COLTRO, Antonio Carlos Mathias; DELGADO, Mário Luiz (coords.) Separação, divórcio, partilhas e inventários extrajudiciais. São Paulo: Ed. Método, 2007, p. 131).
11. Toda a argumentação desenvolvida pelo autor Cássio Namur envolve a impossibilidade de emprego da analogia relacionada ao casamento por procuração e à dissolução da sociedade conjugal de pessoa incapaz para as situações que envolvem a escritura pública de separação e divórcio consensuais.
12. O raciocínio desenvolvido pelo doutrinador em matéria de dissolução de sociedade conjugal, no entanto, não pode ser estendido para a hipótese relacionada ao inventário e partilha extrajudiciais. Há muito que se reconhece a possibilidade de, nos casos de arrolamento, haver simplificação do rito do inventário quando se tratar de herança que envolve herdeiros e cônjuge (ou companheiro) maiores e plenamente capazes, quando houver consenso entre eles a respeito dos bens, valores, dívidas e obrigações a serem inventariados e partilhados.
13. Não se revela razoável que haja tratamento díspare na parte referente à atuação do profissional da advocacia relacionada à questão da formalização do acordo de partilha entre os interessados. Assim, se na esfera judicial é perfeitamente possível que as pessoas interessadas sejam representadas pelo mesmo advogado para fins de obtenção da tutela jurisdicional no exercício da jurisdição voluntária relacionada à homologação da partilha amigável (ou consensual), também deve o ser na parte referente à escritura pública, independentemente da circunstância de um (ou alguns) dos interessados não poder comparecer ao ato de lavratura da escritura pública de inventário e partilha consensuais.
10. A presença de mais de um advogado na realização da escritura pública, tal como prevista na parte final do art. 12, da Resolução n. 35, do Conselho Nacional de Justiça, não se revela medida que esteja em sintonia com o espírito e a mens legis da Lei n. 11.441/07, na perspectiva da desjudicialização dos atos e negócios disponíveis em relação à separação, ao divórcio, ao inventário e à partilha amigáveis.
A possibilidade de eventual desvio ou descumprimento dos poderes outorgados no mandato em favor do profissional da advocacia, durante a lavratura do inventário e partilha consensuais, por óbvio, permitirá o emprego de medidas judiciais objetivando a invalidação do ato de inventário e partilha consensuais, sem prejuízo de outras medidas possíveis contra o profissional que descumpriu suas obrigações contratuais.
11. Não se pode olvidar que, sob a égide da Lei n. 11.441/07, o princípio da autonomia privada tem campo propício para concretização mais ampla em razão dos interesses disponíveis que são considerados para fins de realização do inventário e partilha extrajudiciais.
12. Diante do quadro acima retratado, a hipótese é de acolhimento do pedido de providências formulado pela Associação dos Advogados de São Paulo e, para tanto, deve ser retirada a restrição contida na parte final do art. 12, da Resolução n. 35.
13. Ante o exposto, julgo procedente o pedido de providências para o fim de alterar parcialmente a regra do art. 12, da Resolução n. 35, de 24.04.2007 (com as alterações já feitas pela Resolução n. 120/10) que, desse modo, deverá ser a seguinte:
“….
Art. 12. Admitem-se inventário e partilha extrajudiciais com viúvo(a) ou herdeiro(s) capazes, inclusive por emancipação, representado(s) por procuração formalizada por instrumento público com poderes especiais….”
É como voto.
GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA
Conselheiro
Relator
Relator: Conselheiro Guilherme Calmon Nogueira da Gama
Requerente: Associação dos Advogados de São Paulo
Requerido: Conselho Nacional de Justiça
Interessado: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil
RELATÓRIO
1. Trata-se de Pedido de Providências (PP) instaurado pela Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), requerendo a revisão da redação dada ao artigo 12 da Resolução nº 35 deste Conselho, a qual disciplina a aplicação da Lei nº 11.441/07 pelos serviços notariais e de registro.
Alega que o citado artigo proíbe que o advogado, em escrituras de inventário extrajudicial, participe como procurador e assessor de seus clientes, uma vez que é vedada a acumulação das funções de mandatário e de assistente das partes, criando, ao largo da lei, indevidas restrições ao exercício da Advocacia.
Aduz que tal situação criou um evidente entrave à sua atuação profissional, além de criar um ônus adicional aos próprios interessados, que se veem na contingência de vincular novo profissional apenas pro forma para cumprir com tal exigência administrativa, ainda quando essa não tenha respaldo na lei.
Informa que, na prática, o advogado que representa os herdeiros residentes no exterior, fora da comarca ou que, por qualquer motivo, não possam participar pessoalmente do ato notarial, está impedido de, sozinho, lavrar a escritura e o inventário extrajudicial, pois não poderá simultaneamente representar os herdeiros ausentes e participar do ato como assistente, tendo em vista que terá que se valer do concurso de outro profissional, não raras vezes com atuação meramente formal.
Fundamenta que o CNJ não pode desbordar dos limites do seu poder regulamentar e criar originariamente restrições que não têm amparo na lei, já que nem a Lei nº 11.441/2007, nem qualquer outra, veicula a proibição à participação do advogado com mandatário e assistente das partes, de modo que a Resolução não poderia criar um ato infralegal.
Sustenta que a restrição imposta originariamente na parte final do art. 12 da Resolução CNJ nº 35/2007 atrita com regras legais expressas do Estatuto da Advocacia, as quais asseguram ao advogado o livre exercício das atividades postulatórias, de consultoria e de aconselhamento (Lei nº 8.906/1994, art. 1º, I e II), o que não foi restringido ou limitado pela lei federal que disciplinou o inventário extrajudicial.
Pontua que a exigência contida na norma impugnada é desarrazoada e desproporcional, na medida em que nunca se questionou a possibilidade de o advogado – desde que devidamente apoderado – simultaneamente representar em juízo os seus constituintes e assinar em seus nomes partilhas amigáveis em inventário judicial (ou formular plano de partilha e concordar com o esboço confeccionado pelo partidor), razão pela qual não há lógica alguma para que não possa fazê-lo extrajudicialmente, perante o tabelião.
Argumenta que, se fosse possível criar uma nova restrição à atuação do advogado em inventários extrajudiciais, proibindo sua representação e assistência simultaneamente ao seu cliente, pela mesma razão e por coerência, ter-se-ia também proibi-lo de – mesmo munido de poderes – transigir, confessar, renunciar ao direito sobre o qual se funda a ação e praticar outros atos de disposição de direito, potencialmente tão ou mais danosos que uma partilha, sem a participação pessoal da parte, o que ofenderia gravemente o art. 38 do Código de Processo Civil, além do já citado art. 1º do Estatuto da Advocacia.
Pondera que a restrição imposta na parte final do art. 12 da Resolução nº 35 parece apenas contribuir para o aumento dos custos do inventário extrajudicial para os próprios jurisdicionados, eis que, para obviar a restrição, se veem compelidos a vincular outro advogado ad hoc especificamente para a prática do ato, com custos evidentes, pois, ou têm que solicitar ao seu advogado que substabeleça os poderes para um coerdeiro, viabilizando assim a atuação do causídico – substabelecente com o assessor das partes, ou precisam abandonar a via extrajudicial e seguir pela trilha do inventário judicial, contra o próprio espírito da Lei Federal que procurou retirar do Judiciário o processamento de causas não contenciosas.
Ao final, requer seja revista a redação do art. 12 da Resolução nº 35/2007, a fim de se eliminar a restrição imposta em sua parte final à atuação do advogado como assistente e bastante procurador de seu constituinte, desde que esteja devidamente apoderado para a prática do ato.
2. Com a inicial (REQINIC1) vieram os documentos acostados nos DOC3 à DOC6 .
3. O meu antecessor, o então Conselheiro Tourinho Neto, determinou a intimação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para se manifestar (DESP7).
No evento 14, a OAB manifestou-se (REQINIC12) corroborando as afirmações da requerente, uma vez que a Lei nº 11.411/2007, que alterou o Código de Processo Civil, possibilitou a realização de inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual pela via administrativa e em momento algum assentou a limitação/restrição imposta pela norma vergastada.
Expõe que editou o Provimento nº 118/2007 dispondo sobre a aplicação da Lei nº 11.441/2007, disciplinando as atividades profissionais dos advogados em escrituras públicas de inventários, partilhas, separações e divórcios, não existindo, no mencionado ato normativo, qualquer restrição à acumulação pelos advogados das funções de mandatário e assistente das partes.
Ao final, pugna pela sua admissão no feito na condição de assistente da requerente e, no mérito, requer a revisão do art. 12 da Resolução nº 35/2007 com a expressa exclusão da restrição de acumulação de funções de mandatário e assistente das partes em inventários e partilhas extrajudiciais.
O ingresso da OAB como interessada no feito foi deferido no evento 19 (DESP15).
É, em síntese, o relatório.
VOTO
4. Cuida-se de requerimento que visa à modificação do art. 12 da Resolução nº 35, a qual disciplina a aplicação da Lei nº 11.441/07 pelos serviços notariais e de registro.
5. O artigo em comento tem a seguinte redação:
Art. 12. Admitem-se inventário e partilha extrajudiciais com viúvo(a) ou herdeiro(s) capazes, inclusive por emancipação, representado(s) por procuração formalizada por instrumento público com poderes especiais,vedada a acumulação de funções de mandatário e de assistente das partes. (Grifei).
6. Sabe-se que a Lei n. 11.441/07 buscou atender a uma série de reivindicações de maior celeridade e efetividade na prática de determinados atos e negócios jurídicos relacionados à separação e divórcio como modos de dissolução da sociedade conjugal, bem como referentes ao inventário e partilha como etapas necessárias à formalização da transferência dos bens integrantes do patrimônio deixado pelo falecido em favor de seus herdeiros legítimos.
E, o Conselho Nacional de Justiça, na busca da implementação das regras contidas na Lei n. 11.441/07, editou a Resolução n. 35, posteriormente complementada pela Resolução n. 120.
7. Exatamente em razão da facilitação dos atos concretizadores da separação, divórcio, inventário e partilha pela via extrajudicial, houve a determinação legal da presença de advogado como profissional habilitado para atuar no assessoramento das pessoas interessadas e envolvidas. E, tal obrigatoriedade foi expressamente reconhecida no art. 8º, da Resolução n. 35.
Sucede que, na eventualidade de um dos interessados no inventário e partilha não poder estar presente no momento da celebração da escritura pública, o art. 12, da referida Resolução, estabeleceu que será possível a outorga de poderes especiais através de instrumento público para o advogado atuar, sendo expressamente vedada a acumulação de funções de mandatário e de assessor das partes (parte final do referido art. 12).
8. A Requerente – AASP – observa que, na prática, a restrição contida na parte final do art. 12, supra referido, impede que nos casos em que um dos herdeiros ou o cônjuge (ou companheiro) sobrevivente não possa estar presente no ato de realização da escritura pública de inventário e partilha haja a presença de apenas um advogado, pois a Resolução obriga que um profissional atue na condição de representante convencional e outro atue com atividade de assessoramento para o ato.
Para tanto, apresenta quatro argumentos que reforçam a desnecessidade da referida restrição: a) ofensa ao princípio da legalidade na atuação do Conselho Nacional de Justiça ao estabelecer, via resolução, restrição sem amparo legal; b) violação a regras do Estatuto da OAB que asseguram o livre exercício das atividades postulatórias e de consultoria e aconselhamento pelos advogados (art. 1º, I e II, da Lei n. 8.906/94; c) a regra restritiva é desarrazoada e desproporcional, já que nunca houve questionamento acerca da possibilidade de o advogado atuar, simultaneamente, como representante judicial de seus clientes e assinar partilhas amigáveis em inventários judiciais; d) a prevalecer a restrição da Resolução, não poderia o advogado transigir, confessar, renunciar ao direito sobre o qual se funda a ação ou praticar outros atos de disposição de direitos.
9. Não há dúvidas quanto às diferenças que existem entre a atuação do tabelião de notas e a atividade jurisdicional (ainda que no exercício da jurisdição voluntária) no que pertine à realização de inventário e partilha, mesmo que sob a modalidade consensual (ou amigável). A própria natureza jurídica do ato processual representado por uma sentença homologatória de acordo de partilha amigável, por óbvio, permite a atribuição de maior segurança jurídica à divisão dos bens realizada via consenso entre os interessados no inventário e na partilha quando comparada com a partilha realizada por escritura pública.
10. Em trabalho escrito acerca da indagação sobre a possibilidade de haver separação ou divórcio consensuais mediante procuração – sob a égide da Lei n. 11.441/07 -, Cássio S. Namur responde negativamente em razão da falta de previsão legal expressa a respeito e devido à impossibilidade de se integrar a lacuna da norma via processo analógico.
Neste sentido, é oportuna a transcrição de trecho de sua doutrina a respeito do tema (relativo à separação e divórcio por escritura pública);
“Quando se estabelece que há pessoas com impedimento, que podem ser representadas em juízo pelo curador, ascendente e irmão, como vimos, a lei é categórica. Isso significa que, em casos excepcionais, o Judiciário permite a representação, mas lembramos que, nesses casos excepcionais sempre haverá a necessidade da presença do Judiciário, bem como do Ministério Público, por haver interesse de terceiros, o que vem a ser totalmente distinto da situação ora objeto do nosso estudo” (NAMUR, Cassio. É possível praticar o ato mediante procuração? In: COLTRO, Antonio Carlos Mathias; DELGADO, Mário Luiz (coords.) Separação, divórcio, partilhas e inventários extrajudiciais. São Paulo: Ed. Método, 2007, p. 131).
11. Toda a argumentação desenvolvida pelo autor Cássio Namur envolve a impossibilidade de emprego da analogia relacionada ao casamento por procuração e à dissolução da sociedade conjugal de pessoa incapaz para as situações que envolvem a escritura pública de separação e divórcio consensuais.
12. O raciocínio desenvolvido pelo doutrinador em matéria de dissolução de sociedade conjugal, no entanto, não pode ser estendido para a hipótese relacionada ao inventário e partilha extrajudiciais. Há muito que se reconhece a possibilidade de, nos casos de arrolamento, haver simplificação do rito do inventário quando se tratar de herança que envolve herdeiros e cônjuge (ou companheiro) maiores e plenamente capazes, quando houver consenso entre eles a respeito dos bens, valores, dívidas e obrigações a serem inventariados e partilhados.
13. Não se revela razoável que haja tratamento díspare na parte referente à atuação do profissional da advocacia relacionada à questão da formalização do acordo de partilha entre os interessados. Assim, se na esfera judicial é perfeitamente possível que as pessoas interessadas sejam representadas pelo mesmo advogado para fins de obtenção da tutela jurisdicional no exercício da jurisdição voluntária relacionada à homologação da partilha amigável (ou consensual), também deve o ser na parte referente à escritura pública, independentemente da circunstância de um (ou alguns) dos interessados não poder comparecer ao ato de lavratura da escritura pública de inventário e partilha consensuais.
10. A presença de mais de um advogado na realização da escritura pública, tal como prevista na parte final do art. 12, da Resolução n. 35, do Conselho Nacional de Justiça, não se revela medida que esteja em sintonia com o espírito e a mens legis da Lei n. 11.441/07, na perspectiva da desjudicialização dos atos e negócios disponíveis em relação à separação, ao divórcio, ao inventário e à partilha amigáveis.
A possibilidade de eventual desvio ou descumprimento dos poderes outorgados no mandato em favor do profissional da advocacia, durante a lavratura do inventário e partilha consensuais, por óbvio, permitirá o emprego de medidas judiciais objetivando a invalidação do ato de inventário e partilha consensuais, sem prejuízo de outras medidas possíveis contra o profissional que descumpriu suas obrigações contratuais.
11. Não se pode olvidar que, sob a égide da Lei n. 11.441/07, o princípio da autonomia privada tem campo propício para concretização mais ampla em razão dos interesses disponíveis que são considerados para fins de realização do inventário e partilha extrajudiciais.
12. Diante do quadro acima retratado, a hipótese é de acolhimento do pedido de providências formulado pela Associação dos Advogados de São Paulo e, para tanto, deve ser retirada a restrição contida na parte final do art. 12, da Resolução n. 35.
13. Ante o exposto, julgo procedente o pedido de providências para o fim de alterar parcialmente a regra do art. 12, da Resolução n. 35, de 24.04.2007 (com as alterações já feitas pela Resolução n. 120/10) que, desse modo, deverá ser a seguinte:
“….
Art. 12. Admitem-se inventário e partilha extrajudiciais com viúvo(a) ou herdeiro(s) capazes, inclusive por emancipação, representado(s) por procuração formalizada por instrumento público com poderes especiais….”
É como voto.
GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA
Conselheiro
Relator
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