quarta-feira, 23 de outubro de 2013

1- 7-RM- INVENTÁRIO

Inventário
Vamos falar um pouco de processo civil, explicando o inventário que visa legalizar a disponibilidade da herança e se encerra com a partilha entre os sucessores (1.796).

Conceito de inventário: procedimento especial instaurado no último domicílio do falecido visando descrever os bens da herança, avaliar estes bens, pagar o imposto de transmissão, identificar os sucessores, quitar as dívidas do extinto (1.997), quitar as despesas do funeral (1.998) e fazer a partilha pondo fim ao condômino decorrente da saisine (pú do 1.791).

O inventário apura o patrimônio do morto e liquida o acervo hereditário, realizando o ativo e pagando o passivo. O inventário também separa a herança da meação do viúvo, se o falecido foi casado pelo regime da comunhão de bens.

O foro competente para o inventário é o da Comarca onde residia o extinto, mesmo que ele tenha bens em outros lugares, pois se presume que onde ele vivia era mais conhecido (1.785).

Quem impulsiona o inventário, cuida dos bens do extinto, paga os impostos, contrata o advogado, etc., é o inventariante, mas não o confundam com o supramencionado testamenteiro, pois o inventariante é nomeado pelo juiz e não existe testamenteiro na sucessão legítima (1.991).

Entre a morte e o ajuizamento da ação de inventário, a administração da herança cabe a um familiar conforme art. 1.797. Provavelmente este familiar será mantido na função e nomeado inventariante pelo juiz. Se o inventariante não desempenhar bem suas funções, não prestando contas dos seus atos, o juiz deve removê-lo, trocando-o por outro parente do extinto (2.020).

O inventariante representa o espólio e administra o patrimônio do morto, exercendo função pública gratuita, não sendo remunerado como na testamentaria, afinal o inventariante é um parente do morto, é herdeiro, e está trabalhando para si mesmo.

Questões de alta indagação como a discussão sobre a validade do casamento do morto,  reconhecimento de filhos, justificação de créditos, nulidade de testamento, deserdação, etc., não podem ser tratadas no inventário, mas em processo próprio.

O inventário é obrigatório, mesmo que só haja um herdeiro, face ao interesse público da Fazenda Estadual em receber os impostos decorrentes da transmissão hereditária dos bens. Quando o herdeiro é único não há partilha, mas adjudicação de todos os bens do extinto. Todavia, pode não haver inventário nas seguintes situações:
a) arrolamento sumário, previsto no art. 1.031 do CPC, dispensa o inventário quando os herdeiros são todos capazes e celebram partilha amigável (2.015); não importa o valor do patrimônio do extinto, cabe o arrolamento sumário se não houver incapazes e nem brigas entre os herdeiros. Aplica-se também em caso de herdeiro único. O arrolamento é um processo mais simples do que o inventário
b) arrolamento comum, previsto no art. 1.036 do CPC, também dispensa o inventário quando a herança é de pequeno valor, mesmo que haja menores e disputa pelos bens.
c) alvará judicial, previsto na lei 6.858/80, dispensa até o arrolamento quando a herança é pequena mesmo, bastando uma simples autorização do juiz para levantamento do crédito (ex: o salário não recebido pelo extinto no mês da sua morte, o depósito do FGTS, etc.).
d) escritura pública: a lei 11.441/07 autorizou o arrolamento extrajudicial, sem intervenção do juiz, podendo tudo ser feito no Cartório de Notas se não há testamento e se os herdeiros são capazes e estão de acordo quanto à divisão de bens. É mais rápido pois evita a sobrecarregada Justiça, contudo é preciso pagar o cartorário.

O Promotor de Justiça tem atuação discreta no Direito Civil, afinal o Ministério é público e o Direito Civil é privado, porém no Direito das Sucessões, sempre que há testamento ou herdeiros incapazes, o Promotor é chamado pelo Juiz para dar sua opinião.

Inventário negativo: não está previsto no Código de Processo, e é o modo judicial de se provar a inexistência de bens do extinto. Ora, por que seria preciso provar que alguém não deixou bens? Por dois motivos:
- primeiro porque a lei exige o regime obrigatório da separação de bens quando o viúvo não abriu o inventário do cônjuge falecido, e esse viúvo deseja casar de novo. O inventário de pessoa casada é assim importante para evitar confusão patrimonial entre os bens do viúvo no 1º e 2º casamentos. Dessa forma, se o viúvo não ajuizou o inventário porque o extinto nada deixou, isso precisa ser comprovado a fim de que o viúvo possa se casar livremente (1.523, I, c/c 1.641, I).
- a segunda necessidade de inventário negativo é para excluir a responsabilidade do herdeiro por dívidas do morto (1.792).

Desta forma, o viúvo/herdeiro instaura o inventário negativo e o juiz manda ouvir os familiares, testemunhas, a Receita Federal, o Detran, Cartório de Imóveis do lugar onde vivia o extinto, Banco Central, etc. Confirmando-se que o falecido nada possuía, o juiz profere uma sentença declarando a negatividade do inventário.

Partilha
É a divisão dos bens da herança, pondo fim ao condomínio transitório decorrente da saisine. Com a partilha os herdeiros saberão exatamente quais são os seus bens, e poderão registrar os imóveis no Cartório Imobiliário e os veículos no Detran (2.023). Tal registro, ressalte-se, é apenas para dar publicidade e permitir a alienação a terceiros, afinal a propriedade já foi adquirida desde o instante da morte do hereditando.
Sendo o falecido casado pelo regime da comunhão de bens, a meação do viúvo também entra nesse estado de indivisão, embora não integre a herança propriamente dita. A partilha vai separar a meação da herança; a meação é entregue à viúva e a  herança dividida com os herdeiros.

A partilha é obrigatória para acabar com esse condomínio forçado da comunhão hereditária, pois desde a época dos romanos já se sabe que condominium est mater discordiarum, ou seja, “o condomínio é a mãe de todas as discórdias” (aula 15 de Direitos Reais), assim o legislador facilita a extinção do condomínio por saber que não é fácil administrar interesses quando mais de uma pessoa é proprietária da mesma coisa (1.320 e 2.013). 
Espécies de partilha: amigável, litigiosa e em vida.

O ideal é a partilha ser amigável, evita traumas permanentes entre irmãos (2.015); e sempre é melhor um acordo ruim do que uma briga boa, especialmente no seio familiar. A partilha amigável é negócio jurídico solene e plurilateral, decorrente da vontade concordante de todos os herdeiros, que declaram como querem dividir o espólio.

Todavia, infelizmente, havendo litígio é necessário celebrar partilha litigiosa, nomeando um juiz um partidor para tanto (2.016 e 2.017). Se a partilha é amigável basta o juiz homologar, afinal no direito privado cada um sabe o que faz com seus bens. Sendo litigiosa, o partidor na sua função deve seguir as seguintes regras:
- comodidade: a partilha deve beneficiar os herdeiros conforme sua idade e profissão; ex: um herdeiro idoso que já more numa casa do espólio deve ficar com ela; deve caber a um filho advogado um escritório no centro, enquanto a um filho agrônomo uma área rural.
- igualdade econômica: os quinhões devem observar a maior igualdade possível quanto ao valor, natureza e qualidade dos bens; esse é um dos princípios já explicados na aula 2.
- prevenção de litígios futuros: essa regra visa evitar que dois irmãos já intrigados entre si, venham a herdar a mesma propriedade, ou a ser vizinhos, sendo melhor vender o bem e dividir o dinheiro  (2.019).
- sorteio: previsto no art. 817.
- escolha: aplicável quando só há dois herdeiros, então o juiz manda que um deles divida os bens do pai ao meio, e autoriza o outro a escolher a metade que deseja.

Partilha em vida: discutível pois não se pode dispor de herança de pessoa viva (art. 426), porém em empresas familiares é prudente que os pais, antes de morrer, encaminhem seus filhos nos negócios (2.014 e 2.018). Sendo o ascendente casado pelo regime da comunhão de bens, essa partilha em vida deve partir de ambos os cônjuges. 

Antecipação de herança: os pais podem também, na velhice, doar bens a seus filhos, mas não todos para não ficar na miséria (544 e 548). O problema é a ingratidão, pois muitos filhos passam a se preocupar só com os seus filhos e se esquecem dos pais, logo na velhice quando estamos mais vulneráveis... Aplicável assim o art. 557, IV, revisem aula 13 de Contratos.

Adjudicação: havendo só um herdeiro não há partilha, mas adjudicação de todos os bens do hereditando a esse único sucessor. Também ocorre adjudicação quando todos os herdeiros alienam seus quinhões a uma pessoa só durante o inventário (1.793).

Efeitos da partilha:
- retroativo: pelo princípio da saisine os bens são dos sucessores desde a morte do hereditando, então a partilha tem efeito “ex tunc” (= desde então), de modo que o domínio do herdeiro sobre os bens partilhados retroage ao momento da abertura da sucessão; a partilha é declaratória e não constitutiva da propriedade, ou seja, a partilha diz quais são os bens de cada herdeiro, mas a propriedade foi constituída desde a saisine (2.023).
            - imissão na posse: o domínio retroage, tendo o herdeiro direito aos frutos (ex: as crias de um animal herdado), mas pode ser que a posse da coisa herdada seja deferida só após a partilha, exigindo o herdeiro que o inventariante lhe entregue a coisa (2.020).
            - publicidade: com o formal de partilha em mãos, o herdeiro fará o registro em seu nome dos imóveis no Cartório, ou dos veículos no Detran, dando publicidade e facilitando a venda a terceiros; nada impede porém que, antes da partilha, o quinhão já seja vendido como vimos no art. 1793, caput e §§ 2º e 3º.
            A partilha pode ser anulada por erro, dolo ou coação, como todo negócio jurídico, no prazo decadencial de um ano (2.027 e pú).

            Sobrepartilha:
            É a partilha adicional de bens omitidos de propósito ou por desconhecimento. Omite-se de propósito bens em local de difícil acesso (ex: Fazenda no Acre) para não atrasar a partilha dos bens líquidos, certos e presentes. Se um bem do falecido só é descoberto após a primeira partilha, também se justifica a sobrepartilha (2.021). É preciso reabrir o processo de inventário para celebrar a sobrepartilha.

Pagamento das dívidas
            Durante o inventário é preciso separar a meação da herança, pagar as dívidas do morto, as despesas do funeral, a vintena do testamenteiro e cumprir os legados. Depois é que se dividem os quinhões hereditários, mas sempre se respeitando a legítima dos herdeiros necessários.
            O principal desse rol são as dívidas, afinal se as dívidas são muito altas não existe legado e nem herança. Em caso de insolvência do espólio, o herdeiro não responde pelo excesso (1.792), aplicando-se o concurso de credores com o vencimento antecipado das dívidas, a arrecadação dos bens penhoráveis e a divisão dos bens do morto (art. 955).
            Observação: as dívidas do funeral do morto são privilegiadas, e devem ser pagas antes das obrigações quirografárias (965, I e 1.998). Revisem preferências e privilégios creditórios na aula 20 de Obrigações.
            Sendo a herança solvente, o credor do extinto deve se habilitar no inventário e o juiz mandará reservar bens para pagamento (§§ 1º e 2º do art. 1.997). O credor do extinto tem preferência sobre o credor do herdeiro, por dívidas do morto, afinal as dívidas de qualquer pessoa são honradas com seu patrimônio (arts. 391, 942 e 2.000).
            O herdeiro que pagar sozinho uma dívida deve cobrar a parte dos demais co-herdeiros (ex: um pai deve cem e deixou quatro filhos, o filho que pagar sozinho vai cobrar vinte e cinco dos irmãos, 1.997 e 1.999).

            Sonegados
            São os bens propositadamente escondidos pelo herdeiro, inventariante ou testamenteiro a fim de não pagar o imposto de transmissão ou prejudicar outro herdeiro. A sonegação é a intenção de ocultar bens da herança (ex: os bens doados pelo pai em vida a um filho). A sonegação exige dolo, cabendo ao herdeiro provar que omitiu o bem por ignorância (1.992 e 1.993).
            A sonegação não pode ser discutida no inventário, exigindo ação própria (1.994). Além de perder o direito ao bem sonegado, a sonegação implica também em crime de apropriação indébita do art. 168, § 1º, II do CP.  O testamenteiro sonegador perde a vintena (1.987).

            Colação
            É a obrigação legal dos filhos de restituir os bens recebidos em vida dos pais, a fim de que a partilha seja igual. A colação corresponde a uma conferência dos bens que o falecido doou ao filho (2.002 e 2.003). A colação só se aplica aos descendentes e cônjuge que fazem jus à legítima, mas ascendentes não. Igualmente não se exige colação na sucessão testamentária.
            Justifica-se a colação conforme princípio 3 da aula 2: igualdade entre os quinhões hereditários, afinal o afeto do pai pelos filhos geralmente é igual ; justifica-se também por se presumir que uma doação em vida implica em antecipação da herança (544), por isso o pai deve ser expresso se quiser beneficiar um filho mais do que a outro (2.005).
            A colação se dá pelo valor do bem, e não pelo bem em si (2.004 e § 2º), por isso o filho pode usar e vender o bem doado livremente. Tal bem colacionado não paga imposto mortis causa, pois já pagou o imposto de transmissão inter vivos quando foi doado antes.
            Não haverá colação nas hipóteses dos arts. 2.010 e 2.011; obs: se o filho for condenado nesse referido processo criminal, deverá colacionar o gasto; revisem doação remuneratória na aula 13 de Contratos.

Evicção
É a perda da coisa em virtude de sentença que reconhece a outrem direito anterior sobre ela (revisem aula 8 de Contratos). Pois bem, julgada a partilha, cessa o condomínio forçado dos bens do extinto entre os herdeiros, condomínio esse decorrente do princípio da saisine (1.784 e 2.023).
Após a partilha cada herdeiro vai se tornar proprietário e possuidor de sua parte, mas se ocorrer a evicção, ou seja, se depois se apurar que um bem herdado não pertencia ao extinto, o prejudicado deve indenizar-se nos co-herdeiros, a fim de manter a igualdade entre os quinhões  (2.024).
Legatário não tem direito a indenização em caso de evicção, pois essa regra só se aplica na partilha dos herdeiros. Sendo a coisa evicta, o legado caduca (1.939, III).

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