Direito das sucessões
A importância de levar uma vida patrimonial organizada para o momento da sucessão, segundo o advogado especialista, Rolf MadalenoTexto: Marcela Rossetto Foto: Arquivo pessoal
Especialista em Direito de Família e Sucessões, autor e/ou organizador de mais de uma dezena de livros sobre o assunto, o advogado gaúcho Rolf Madaleno mantém escritórios em Porto Alegre (RS) e São Paulo (SP). Professor universitário, Rolf Madaleno está acostumado a esmiuçar o Direito das Sucessões para permitir a compreensão dos acadêmicos que estão iniciando nas letras jurídicas.
Na entrevista a seguir, o advogado aborda temas gerais das sucessões de forma didática, como quem pode e quem não pode ser herdeiro, testamento e inventário, e alguns temas mais recentes e polêmicos, como os direitos de sucessão nas uniões homoafetivas. Por fim, destaca a importância de manter uma vida patrimonial organizada e legalizada para facilitar os trâmites sucessórios para os herdeiros.
Visão Jurídica - Quais são os bens - e em que número - que podem ser doados em vida?
Rolf Madaleno - Quaisquer bens podem ser doados em vida, conquanto sejam observados os limites dos bens considerados indisponíveis e que pertencem aos chamados herdeiros necessários, que são os descendentes, ascendentes ou o cônjuge. Estes herdeiros necessários têm, necessariamente, direito a 50% dos bens.
VJ - Doação em vida é uma boa opção?
RM - Será uma boa opção pelo fato de poder evitar o inventário e, principalmente, por antecipar eventuais divergências entre os herdeiros, cujas dúvidas, incompreensões e desinteligências poderão ser aparadas pelo doador, quem, em contrapartida, se não se reservar ao direito do usufruto ficará privado da disposição de seus bens.
VJ - Quais são os principais aspectos legais e jurídicos da doação em vida?
RM - Atentaria para a observância da legítima que não pode ser doada quando existirem os herdeiros necessários; o aspecto do imposto de transmissão por doação, que em regra se equivale à alíquota do imposto de transmissão causa mortis e, por fim, cuidar para declinar se os bens doados deverão vir ou não à colação, ou seja, se o donatário receberá a doação em vida como uma antecipação de sua herança ou como uma herança suplementar.
VJ - O brasileiro comum não tem o hábito de fazer testamento. Isso é um erro?
RM - Realmente, o brasileiro não tem o costume de testar, pois isso traria maus agouros, o que, por evidente, não passa de uma acanhada superstição. O uso do testamento tem a extrema vantagem de seu autor programar sua herança e suas consequências, buscando justamente evitar futuras discussões entre os herdeiros.
VJ - O que é preciso para que um testamento tenha validade legal?
RM - Fundamentalmente, o testamento deverá observar os requisitos próprios de cada modelo das diferentes espécies de testamento: público, particular, cerrado ou especial e ser observada a capacidade de quem testa e a capacidade testamentária daqueles que irão receber através de testamento, pois existem pessoas que não podem receber em determinados testamentos, como, por exemplo, a concubina de um homem casado.
VJ - No testamento, quem não poderá ser herdeiro? Pode ser herdeiro alguém que não apresenta nenhum grau de parentesco?
RM - Não pode ser herdeiro do testamento aquela pessoa que de alguma forma atua no testamento, como, por exemplo, as testemunhas do testamento ou a pessoa que a pedido do testador está escrevendo o testamento ou, ainda, a concubina. Entretanto, qualquer outra pessoa poderá ser beneficiária do testamento.
VJ - Filhos de um primeiro casamento podem ser herdeiros da segunda mulher do pai? Se sim, em que circunstâncias?
RM - Pode acontecer no caso de a segunda mulher falecer primeiro e, assim, seu marido viúvo se torna herdeiro da segunda mulher, dela recebendo bens por herança. Quando este homem morrer, os bens que ele deixar, neles se encontrando os bens herdados da esposa pré-morta, irão para seus filhos, inclusive os do primeiro casamento.
VJ - Após o falecimento de uma pessoa que deixa bens, se a família ficar inerte, sem dar encaminhamento ao inventário, o que pode acontecer?
RM - Falecendo uma pessoa que deixa bens, seu inventário deve ser aberto em até sessenta dias, sob pena de, em alguns Estados que já têm lei própria e local, ter de pagar multa em percentual incidente sobre o valor final do imposto de transmissão causa mortis.
VJ - Existe um ciclo de atitudes que se deva tomar para não deixar problemas para os demais familiares que perduram?
RM - O maior problema constatado em inventários morosos e complicados pode ser atribuído à própria vida atrapalhada de muitas pessoas que não mantêm seu patrimônio em perfeita regularidade, com descrição correta e exata dos bens e, sobretudo, com o regular registro imobiliário desses bens.
VJ - O que é fraude na sucessão legítima e desconsideração da personalidade jurídica?
RM - Fraudar a sucessão é articular pela aparência da legalidade ou pela omissão da existência de outros bens, a sua justa e proporcional partilha entre os herdeiros legítimos e que têm direito à porção denominada disponível. Já a desconsideração da personalidade jurídica, ou até mesmo a desconsideração da pessoa física (artigo 1.802 do CC), é um gritante exemplo da fraude na sucessão legítima: quando em vida, o autor da herança repassa para o(s) herdeiro(s) de sua predileção bens que não irão integrar a futura partilha no inventário e isso a pessoa faz transferindo em vida, para um dos filhos, por exemplo, em detrimento do outro descendente, quotas ou ações de sua empresa, de forma a que, por ocasião de seu falecimento, esse filho privilegiado se apresente como o maior quotista da sociedade empresária ou como seu maior acionista. Na versão da pessoa física, os bens são comprados ou repassados em nome de um laranja, que depois repassará esses bens ao filho preferido, em claro prejuízo do rebente preterido.
VJ - A amante pode ser beneficiada no testamento? Existe restrição?
RM - A amante não pode, sob forma alguma, ser beneficiada pelo testamento de seu amásio, embora o filho de ambos possa receber por testamento, por que a Carta da República referenda a igualdade dos direitos nas relações de filiação.
VJ - Na sucessão familiar, a amante tem direitos? Em que circunstâncias?
RM - Tampouco na sucessão legítima a amante deve ser beneficiária de herança, não obstante exista vasta jurisprudência admitindo que a amante seja destinatária da pensão por morte do segurado na previdência social, dividindo o benefício com a esposa do falecido, como existem decisões reconhecendo a tripartição dos bens conjugais nas relações concomitantes, tocando um terço dos bens para o homem e mais um terço desses bens para cada uma das duas mulheres que com ele conviveram longamente, especialmente se desse relacionamento paralelo sobrevieram filhos.
VJ - Como fica o inventário de um imóvel que tem usufruto?
RM - O usufruto é reservado ao doador de um imóvel, que, assim, usufrui das rendas ou do uso daquele bem; e esse usufruto se extingue com a morte do usufrutuário, consolidando-se definitivamente a propriedade do imóvel na pessoa do usufrutuário, que, antes, só detinha a nua-propriedade, sem, no entanto, usufruir do bem.
VJ - Os herdeiros podem fazer um arranjo de partilha de bens diferente do que manda a lei?
RM - Sendo os herdeiros maiores e capazes podem deliberar como bem entenderem acerca da partilha dos bens oriundos da sucessão. Evidentemente que esse eventual rearranjo deve respeitar a igualdade dos quinhões hereditários, salvo a circunstancial renúncia pura e simples de algum herdeiro, quando então o quinhão deste acresce aos dos demais herdeiros, ou no caso de algum dos herdeiros promover a cessão gratuita ou onerosa de seus bens, permitindo que os herdeiros remanescentes aumentem seus quinhões hereditários, conquanto sejam pagos os respectivos tributos pela sucessão causa mortis.
VJ - Até onde responde o espólio por dívidas deixadas pelo falecido?
RM - O espólio responde apenas e tão-somente pelas dívidas deixadas pelo falecido no montante dos bens deixados pelo autor da herança de tal sorte que, se o sucedido deixou oitocentos mil reais de dívidas e seiscentos mil reais de crédito, seus herdeiros nada herdarão, porque as dívidas consumirão toda a herança, mas também não irão responder pela dívida remanescente (duzentos mil reais).
VJ - Os herdeiros assumem as dívidas do falecido?
RM - Somente até o montante do espólio, como visto, até o limite da herança deixada pelo autor da herança, não mais, porque os herdeiros sucedem nos bens e não na pessoa do morto, pois se sucedessem na pessoa do falecido, como acontecia no velho Direito Romano, estes herdeiros seriam responsáveis ilimitadamente pelas dívidas do autor da herança.
VJ - Quando o falecido era parte em ações judiciais, o que acontece com os processos?
RM - Morrendo uma das partes em uma contenda judicial, seus herdeiros devem ser chamados para substituí-lo naquela ação. Tratando-se de ação de estado, vale dizer, de Direito de Família, cada herdeiro deverá ser pessoal e individualmente citado e integrar o feito, caso contrário, tratando-se de feito cível, o falecido será representado pelo inventariante, salvo se o inventário já tenha terminado, sob cuja hipótese voltam a ser intimados ou citados todos os herdeiros.
VJ - No Direito das Sucessões, a união estável também se equipara ao casamento? E no caso de união homoafetiva?
RM - A união estável e o casamento não têm merecido tratamento isonômico na legislação brasileira, muito embora se perceba uma clara tendência doutrinária e jurisprudencial que se encaminha para corrigir essa distorção da lei, podendo ser encontradas, no entanto, decisões contrárias, que afastam na união estável heterossexual direitos sucessórios previstos e existentes no casamento. Já com relação às uniões homoafetivas, existe uma grande e intensa polêmica do Direito das Sucessões e também no Direito de Família, no sentido de ser reconhecida uma união estável homoafetiva.
A tendência doutrinária e jurisprudencial é no sentido de comparar a união estável homossexual à relação estável heterossexual e, por via de consequência, reconhecer os efeitos pessoais e materiais próprios de uma união afetiva estável dissolvida, com partilha dos bens, se o regime escolhido autorizar e com o direito à herança. Mas essa tem sido uma tendência jurisprudencial ainda em fase embrionária, contudo, crescente.
VJ - Quais os maiores desafios para o advogado que prepara um testamento ou um inventário?
RM - O processo de inventário diante da vigente legislação civil é complexo e os atuais efeitos sucessórios são muito contestados pelo jurisdicionado que se rebela contra partilhas obrigatórias entre herdeiros indesejados, como sucede na concorrência do cônjuge em um regime matrimonial de separação convencional de bens. Certamente a maior tarefa do advogado tem sido a de bem planejar em vida a sucessão dessa pessoa que irá deparar com uma armadilha legal que não imaginava ter de enfrentar.
VJ - Como se remunera um advogado num inventário?
RM - O advogado de um inventário é remunerado, em regra, por percentual sobre os bens do espólio, se ele for o representante judicial do inventariante ou de todos os herdeiros, ou se for advogado de um ou mais de um herdeiro receberá um percentual sobre o quinhão de cada um desses seus clientes herdeiros.
VJ - Quais características deve ter um advogado para ser um bom profissional no Direito das Sucessões?
RM - Acima de tudo ser um estudioso e apaixonado pelo Direito das Sucessões, cuja característica é o ponto de partida para, ao lado de um trabalho sério, honesto e transparente, sem nunca esmorecer, ter sempre em mira que seu cliente espera o melhor e maior empenho.
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