quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Regime separação obrigatória -União estável - Ministro HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO

Excelente voto 
STJ – REsp nº 646.259 – RS – 4ª Turma – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJ 24.08.2010
VOTO–VENCIDO - O EXMO. SR. MINISTRO HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄AP):

Sr. Ministro Presidente, pedi vistas dos autos para melhor análise da matéria, notadamente pelo posicionamento do em. Ministro Luis Felipe Salomão que, a despeito da incontroversa União Estável reconhecida nos autos e a idade do convivente falecido ser superior a sessenta (60) anos, assegurou “a companheira a meação dos bens adquiridos durante a união estável, desde que comprovado, em ação própria, o esforço comum”.
A divergência é parcial, e consiste na interpretação do artigo 258, II, do CCB⁄16 (equivalente ao art. 1.641 do Código Civil Brasileiro).
vexata quaestio cinge–se em saber se a regra do art. 1.641, do CCB⁄02 (art. 258, II, do CCB⁄16) tem plena vigência assim como redigida. As indagações são: 
(a) a norma aplica–se para as relações familiares do casamento e para a união estável?; 
(b) estaria essa norma submetida a outros contornos para beneficiar em maior extensão a união estável do que ao casamento?; 
(c) a vontade manifestada pelo casal ao estabelecer o vínculo pode ser modificada unilateralmente em prejuízo dos descendentes?
Penso que não.
Explico.
Permissa vênia, entendo aplicável a norma na sua inteireza, sem flexibilização, seja no casamento ou na união estável.
Em verdade, buscando dar efetividade ao art. 226, §3º da CF⁄88, que para proteção do Estado reconheceu a união estável entre homem e mulher como entidade familiar, sobrevieram a Lei n. 8.971⁄94 disciplinando direitos do companheiro a alimentos e à sucessão, bem como a Lei n. 9.278⁄96 que objetivou regulamentar o parágrafo terceiro daquela norma constitucional.
Essas leis, ressalta–se, antecedem à vigência do atual Código Civil de 2002, bem como são posteriores ao Código Civil de 1916.
Assevera a doutrina que “… o novo CCB encampou as questões disciplinadas nas leis referidas, que deixaram de existir, com exceção do direito real de habitação assegurado no parágrafo único do art. 7º da Lei n. 9.278⁄96” (cfr. Milton Paulo de Carvalho Filho, in Código Civil Comentado, coordenado pelo Ministro César Peluso, 4ª edição, Editora Manole, comentário ao art. 1723, p. 1979).
Com efeito, o art. 1.641, II, do vigente Código Civil, expressamente consignou que,litteris:
ART. 1641– É OBRIGATÓRIO O REGIME DA SEPARAÇÃO DE BENS DO CASAMENTO:
I OMISSIS;
II DA PESSOA MAIOR DE SESSENTA ANOS.”
A MENS LEGIS, ensejadora das legislações constitucional e infraconstitucional há de se compreendida e interpretada em dois momentos, que vejo como fundamentais, para a sociedade brasileira na evolução dos conceitos de família, nos ajustes aos novos tempos e, também, quanto a proteção de resguardar, em tese, o nubente, maior de sessenta anos, “de uma união fugaz e exclusivamente interesseira” (Milton Paulo de Carvalho Filho, ob. cit. p. 1641).
Vejamos:
1º) A NORMA CONSTITUCIONAL
Ao criar o direito fundamental assegurado no art. 226, da CF⁄88, não se estabeleceu um princípio absoluto, senão uma nova realidade social que não se dissocia de outros princípios gerais de direito, razão pela o em. Ministro Gilmar Mendespreleciona que “a limitação dos direitos fundamentais é um tema central da dogmática (dos direitos fundamentais) e, muito provavelmente, do direito constitucional”, asseverando, ainda que “e indispensável que o estudo dos direitos fundamentais e de suas limitações não perca de vista sua estrutura dogmática”. (Cfr. Curso de Direito Constitucional, Editora Saraiva, 2009, p. 328).
Não se deve negar a proteção buscada no reconhecimento da União Estável do homem e da mulher como entidade familiar.
Contudo, essa proteção depende de uma interpretação sistemática, abrangente de outros direitos e disposições constitucionais (Min. Gilmar Mendes, ob. cit.), e, por isso mesmo, muitas vezes, a definição do âmbito, do limite dessa proteção, somente há de ser obtida em confronto com eventual restrição a esse direito. Na espécie, o direito à herança é, igualmente, princípio constitucional – art. 5º, inc. XXX, CF –, motivo pelo qual levou o eminente Ministro a prelecionar, litteris:
“não obstante, com o propósito de lograr uma sistematização, pode–se afirmar que a definição do âmbito de proteção exige a análise da norma constitucional garantidora de direitos, tendo em vista:
a) a identificação dos bens jurídicos protegidos e a amplitude dessa proteção (âmbito de proteção da norma);
b) a verificação de possíveis restrições contempladas expressamente, na Constituição (expressa restrição constitucional) e identificação das reservas legais de índole restritiva“.
Destarte, embora o reconhecimento da entidade familiar elevada ao cânone de direito constitucional, o disciplinamento de sua abrangência há de estar configurado nas leis infraconstitucionais que não são absolutas, mas se interagem e se harmonizam em seus vários aspectos e ou situações ocorrentes.
O art. 226 da CF⁄88 insere um conceito jurídico indeterminado.
Vejo nessa norma de conceito jurídico indeterminado a possibilidade de se limitar ou restringir seu campo de incidência, ou, sob outro ângulo, a possibilidade de sua regulamentação a outros princípios de direito, conforme preleciona o Min. Gilmar Mendes:
“assinale–se, pois, que a norma constitucional que submete determinados direitos à reserva de lei restritiva contém a um só tempo, (a) uma norma de garantia, que reconhece e garante determinado âmbito de proteção – união estável como entidade familiar – e (b) uma norma de autorização de restrições, que permite ao legislador estabelecer limites ao âmbito de proteção constitucionalmente assegurado” … ”não raras as vezes, destinam as normas legais a completar, densififcar e concretizar direito fundamental” (ob.cit. p. 331).
É, permissa vênia, a hipótese do caso concreto.
2º) O CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO.
Como afirmado, o Código Civil Brasileiro consolidou a leis relativas à União Estável, razão pela qual “estamos diante de um negócio jurídico que visa definir a disciplina da vida em comum e a formação da família por meio da união estável. Como em qualquer outro negócio jurídico, exige–se para a validade do pacto de convivência a presença dos requisitos essenciais: capacidade das partes, objeto lícito, possível e determinado, ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei.” ( cfr. Luiz Guilherme Loureiro, ob. cit. p. 1162).
Por outro lado, dispõe o art. 1.641, inciso II, CCB⁄02 (norma equivalente ao art. 258, II, CCB⁄16), uma regra de índole restritiva, qual seja que o regime de separação total de bens para o maior de sessenta anos de idade, pouco importando seja pelo instituto do casamento, seja pelo da união estável.
Incide, sem exceção, sobre a criação de uma entidade familiar.
Por isso mesmo, a vejo como uma regra de abrangência geral e, assim, de imposição legal àqueles que se casam na abrangência de seus pressupostos, dos seus limites, sem nenhuma exceção.
Se essa regra não foi excepcionada não se lhe pode negar efeito quando presente o seu pressuposto material, ou seja, a idade de sessenta anos.
Essa seria a restrição legal, protetiva ao idoso.
A flexibilização dessa norma estaria na vontade das partes em elaborarem um pacto antenupcialinexistente no caso concreto, haveria então apenas a determinação legal, respeitada a vontade e assegurado o direito à herança.
interpretação protetiva por extensão e construção jurisprudencial que se deu à união estável, vai além daquela concedida ao casamento, o que, penso, é inaceitável porque contrária à norma expressada no art. 1641, IIvioladora do princípio geral de reserva legal, art. 5º, II, CF – certo de que essa norma não contém qualquer ressalva de exceção quanto à sua incidência, pois “… a interpretação de qualquer norma jurídica é uma atividade intelectual que tem por finalidade precípua  estabelecendo o seu sentido – tornar possível a aplicação de enunciados normativos, necessariamente abstratos e gerais, a situações da vida, naturalmente particulares e concretas” (p. 77).
De igual sorte, os conviventes poderiam ajustar na manifestação da vontade – pacto de convivência – de constituírem uma entidade familiar, as normas de natureza financeira ou de natureza econômica, do patrimônio, como por exemplo, nas escrituras públicas de reconhecimento de convivência em união estável, ou mesmo de um contrato, desde que escrito.
Acerca desse tema, preleciona LUIZ GUILHERME LOUREIRO, litteris:
Conforme foi visto, os companheiros podem optar por outros regimes patrimoniais para disciplinar a vida comum, seja um regime típico, seja um regime atípico. Nesse caso, É OBRIGATÓRIA A CONVENÇÃO E CONTRATO ESCRITOA norma do art. 1725 nada estabelece sobre a forma de contrato. Assim prevalece o disposto no art. 107 do CC, segundo o qual: “a validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir”. Concluindo, o instrumento público não é da substância desse contrato, que pode ser concluído por instrumento particular. (Curso Completo de Direito Civil, Editora Método, 2009, p. 1161).
Não exercido esse direito, sobrevive a regra geral do art. 1.641, II, do Código Civil Brasileiro de 2002 (norma equivalente ao art. 258, II, CCB⁄16), de conteúdo geral, cogente, e sem exceção.
Nesse sentido:
  • “CASAMENTO. REGIME DE BENS. PACTO ANTENUPCIAL ESTABELECENDO O REGIME DA COMUNHÃO UNIVERSAL. MULHER COM MAIS DE CINQÜENTA ANOS. INADMISSIBILIDADE. ARTS. 257, II, E 258, PARÁGRAFO ÚNICO, II, DO CÓDIGO CIVIL. – A norma do art. 258, parágrafo único, II, do Código Civil, possui caráter cogente. É nulo e ineficaz o pacto antenupcial firmado por mulher com mais de cinqüenta anos, estabelecendo como regime de bens o da comunhão universal.Recurso especial conhecido e provido.” (REsp 102.059⁄SP, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 28⁄05⁄2002, DJ 23⁄09⁄2002 p. 366).
Registro, que não se está aqui a sustentar o afastamento do(a) companheiro (a) à sucessão hereditária, porque nula seria tal ajuste a teor do art. 426, do CC, conhecida desde tempos imemoriais como PACTA CORVINA.
Se está a consignar que ante a ausência de disciplina do regime jurídico na união estável, havendo o companheiro sessenta ou mais anos de idade, o regime é o da separação absoluta porque o dispositivo legal não excepcionou a sua aplicação.
Aos companheiros com idade inferior a 60 anos, há de prevalecer “… meação dos bens adquiridos durante a união estável, desde que comprovado, em ação própria, o esforço comum”, como afirmou o em. Ministro Relator.
Ao Judiciário não é permitido legislar.
À hermenêutica da interpretação não cabe criar direito não previsto na lei.
Não se deve dar maior proteção à união estável do que ao casamento. Ambos institutos são titulares de direitos, mas também hão de sofrer as limitações igualmente.
Com efeito, se o art. 1.641, II, do CCB⁄02, disciplina que no casamento dos homens de idade igual ou superior a sessenta anos é o da separação absoluta, não há como compreender que esse princípio não seja aplicado à união estável, uma outra forma de instituição do núcleo familiar.
Finalmente, entendo como inaplicável à hipótese do caso concreto os fundamentos do enunciado da Súmula 377 do Excelso Supremo Tribunal Federal, porque não se trata de separação legal de bens, mas de direito que o maior de sessenta anos de idade tem, como regra absoluta ⁄ cogente, para o casamento a separação total de bens, princípio esse que alcança também, sem dúvida, a união estável pois o princípio – mens legis – é a proteção ao idoso.
Com esses fundamentos, acompanho o relator na tese de extensão do regime de separação prevista do art. 258, II, do CC⁄16 (art. 1.641, II, CCB⁄02) à união estável aos conviventes maiores de (60) sessenta anos, mas, divirjo quanto a exigência de esforço comum dos bens adquiridos na constância do relacionamento, por ausência de amparo legal e constitucional, sendo inaplicável a Súmula 377–STF às relações de união estável.
Em resumo, dou provimento ao recurso especial em maior extensão para definir como incomunicáveis os bens adquiridos na constância do relacionamento do casal.
É como voto.
Ver integra do acordão abaixo

STJ: Direito de Família. União Estável. Companheiro Sexagenário. Separação Obrigatória de Bens. Art. 258, § único, inciso II, do Código Civil de 1916. 1. Por força do art. 258, § único, inciso II, do Código Civil de 1916 (equivalente, em parte, ao art. 1.641, inciso II, do Código Civil de 2002), ao casamento de sexagenário, se homem, ou cinquentenária, se mulher, é imposto o regime de separação obrigatória de bens. Por esse motivo, às uniões estáveis é aplicável a mesma regra, impondo-se seja observado o regime de separação obrigatória, sendo o homem maior de sessenta anos ou mulher maior de cinquenta. 2. Nesse passo, apenas os bens adquiridos na constância da união estável, e desde que comprovado o esforço comum, devem ser amealhados pela companheira, nos termos da Súmula nº 377 do STF. 3. Recurso especial provido.
EMENTA

DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. COMPANHEIRO SEXAGENÁRIO. SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS. ART. 258, § ÚNICO, INCISO II, DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. 1. Por força do art. 258, § único, inciso II, do Código Civil de 1916 (equivalente, em parte, ao art. 1.641, inciso II, do Código Civil de 2002), ao casamento de sexagenário, se homem, ou cinquentenária, se mulher, é imposto o regime de separação obrigatória de bens. Por esse motivo, às uniões estáveis é aplicável a mesma regra, impondo–se seja observado o regime de separação obrigatória, sendo o homem maior de sessenta anos ou mulher maior de cinquenta. 2. Nesse passo, apenas os bens adquiridos na constância da união estável, e desde que comprovado o esforço comum, devem ser amealhados pela companheira, nos termos da Súmula nº 377 do STF. 3. Recurso especial provido. (STJ – REsp nº 646.259 – RS – 4ª Turma – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJ 24.08.2010)

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da QUARTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, prosseguindo no julgamento, após o voto–vista antecipado do Sr. Ministro Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ⁄AP), conhecendo do recurso especial e dando–lhe provimento em maior extensão, divergindo na extensão dos votos dos Srs. Ministros Luis Felipe Salomão, Relator, e Aldir Passarinho Junior, que dele conhecia e dava–lhe provimento, no que foi acompanhado pelos votos dos Srs. Ministros Raul Araújo Filho e João Otávio de Noronha, a Turma, por maioria, conheceu do recurso especial e deu–lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.Vencido o Sr. Ministro Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ⁄AP).
Os Srs. Ministros Raul Araújo Filho, Aldir Passarinho Junior e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 22 de junho de 2010 (data do julgamento).
Ministro Luis Felipe Salomão – Relator
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):
1. Nos autos do inventário dos bens deixados por C. A. M. M. B., sua companheira, E. V., interpôs agravo de instrumento contra decisão proferida pelo Juízo de Direito da 3ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Porto Alegre⁄RS, que indeferiu o pedido de meação formulado pela agravante, concedendo–lhe apenas a partilha dos bens adquiridos na constância da união estável, com a comprovação do esforço comum.
A decisão de piso afirmou que o regime aplicável ao caso é o da separação obrigatória de bens, nos termos do art. 258, § único, inciso II, do Código Civil de 1916, porquanto o falecido iniciou a união estável quando já contava com 64 anos de idade (fls. 42⁄43).
O agravo foi provido, nos termos da seguinte ementa:
UNIÃO ESTÁVEL. REGIME DE BENS.
Não se aplica à união estável o regime da separação obrigatória de bens previsto no art. 258, parágrafo único, do CC, ainda que os conviventes sejam maiores de 60 anos, seja porque a legislação própria prevê o regime condominial, sendo presumido o esforço comum na aquisição do patrimônio amealhado na vigência do relacionamento, seja porque descabe a aplicação analógica de normas restritivas de direitos ou excepcionantes. E, ainda que se entendesse aplicável ao caso o regime da separação legal de bens, forçosa seria a aplicação da Súmula nº 377 do STF, que igualmente contempla a presunção do esforço comum na aquisição do patrimônio amealhado na constância da união. Agravo provido (fl. 234).
Opostos embargos de declaração, foram eles rejeitados (fls. 251⁄255).
Sobreveio, assim, recurso especial arrimado nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, no qual há alegação de ofensa ao art. 258, § único, inciso II, do Código Civil de 1916, ao argumento de que se aplicaria às uniões estáveis o regime obrigatório de separação de bens, quando um dos conviventes fosse sexagenário, como no caso em apreço.
Sinaliza, ademais, dissídio jurisprudencial em relação ao REsp. nº 220.462⁄SP.
Contra–arrazoado (fls. 284⁄309), o especial foi admitido (fls. 319⁄321).
O Ministério Público Federal, mediante parecer subscrito pela i. Subprocuradora–Geral da República Armanda Soares Figueiredo, opina pelo improvimento do recurso (fls. 349⁄351).
É o relatório.

VOTO - O EXMO. SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):
2. O cerne da questão é saber se, para a união estável, à semelhança do que ocorre com o casamento, é obrigatório o regime de separação de bens para companheiro cuja idade é igual ou superior a sessenta anos, na forma da imposição legal, prevista no art. 258, § único, inciso II, do Código Civil de 1916.
É incontroverso, no caso em julgamento, que o casal viveu em união estável de agosto de 1993 até o óbito do varão, em 29 de setembro de 2001, convivência iniciada quando ele contava sessenta e quatro anos de idade.
O Tribunal a quo, acompanhando o voto da relatora, e. Desembargadora Maria Berenice Dias, entendeu não ser cabível a analogia pretendida pelos demais herdeiros.
Os fundamentos que conduziram o acórdão foram, em síntese, os seguintes:
(…) é forçoso reconhecer que tal regra se aplica unicamente ao instituto do casamento, seja porque a legislação especial que regula a união estável não a reproduziu em seu bojo, prevendo expressamente o condomínio sobre os bens adquiridos na constância da relação, sendo presumido o esforço comum, seja porque, como bem ressaltado pela recorrente, é princípio basilar da hermenêutica jurídica que descabe a aplicação analógica de regra restritiva de direito ou que preveja uma exceção à regra legal.
E não se diga que tal entendimento implica indevida desigualdade entre conviventes e casados. Ora, inquestionável que se trata de institutos distintos, cada qual com o seu regramento e as suas peculiaridades. Quem opta por casar deve sujeitar–se às exigências ditadas pela legislação que rege o matrimônio, formal por natureza, e quem opta por apenas conviver, por manter um relacionamento que, a despeito da similitude com o casamento, é tipicamente informal, sujeita–se às disposições atinentes à espécie, dentre as quais não se inclui a da obrigatoriedade da separação de bens aos conviventes maiores de 60 anos.
3. A meu juízo, o acórdão merece reforma.
3.1. Primeiramente, é de se ressaltar que a melhor hermenêutica aplicável sugere que qualquer técnica de leitura de textos legais deve ceder vez à teleologia da norma, ou seja, investiga–se a finalidade da norma para daí se extrair o exato sentido.
Daí porque Carlos Maximiliano asseverou com propriedade invulgar que “o hermeneuta sempre terá em vista o fim da lei, o resultado que a mesma precisa atingir em sua atuação prática. A norma enfeixa um conjunto de providências, protetoras, julgados necessários para satisfazer certas exigências econômicas e sociais; será interpretada do modo que melhor corresponde àquela finalidade e assegure plenamente a tutela de interesse para a qual foi regida” (In Hermenêutica e Aplicação do Direito, 3a ed. pg. 193).
Nesse passo, a partir de uma leitura conjunta e finalística das normas aplicáveis à espécie, notadamente do art. 226, § 3º, da Constituição Federal de 1988, Código Civil de 1916 e Leis ns. 8.971⁄94 e 9.278⁄96, não parece razoável imaginar que, a pretexto de se regular a união entre pessoas não casadas, o arcabouço legislativo acabou por estabelecer mais direitos aos conviventes em união estável (instituto menor) que aos cônjuges.
Deveras, o legislador não conferiu ao instituto que se quer seja convertido em casamento, mais direitos que a este. Como bem advertiu o e. Ministro Marco Aurélio, “no artigo 226 da Lei Fundamental, tem–se como objetivo maior a proteção do casamento” (RE 590779, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 10⁄02⁄2009).
Em outra passagem, o próprio Supremo Tribunal Federal, como intérprete maior da Constituição, apregoou entendimento de que o art. 226, § 3º, da Constituição Federal, “coloca, em plano inferior ao do casamento, a chamada união estável, tanto que deve a lei facilitar a conversão desta naquele” (MS 21449, Relator(a): Min. OCTAVIO GALLOTTI, TRIBUNAL PLENO, julgado em 27⁄09⁄1995).
Também nesse sentido, o e. Ministro Fernando Gonçalves, na relatoria do EREsp. nº 736.627⁄PR, afirmara que “sob diversos e relevantes ângulos, há grandes e destacadas diferenças conceituais e jurídicas, de ordem teórica e de ordem prática, entre o casamento e a união estável”
O Código Civil de 2002, por sua vez, reforça essa vontade constitucional de se emprestar à união estável status aquém do casamento.
Tal se percebe, por exemplo, da leitura do art. 1.845, que ergue o cônjuge a posição de herdeiro necessário, sem fazê–lo com o companheiro. Por outro lado, o cônjuge sobrevivo concorre apenas com descendentes e ascendentes (art. 1.829), na ausência dos quais tocar–lhe–á a totalidade da herança (art. 1.838), ao passo que o companheiro supérstite somente sucederá na totalidade dos bens deixados na ausência de parentes sucessíveis (art. 1.790, inciso IV), ou seja, se não existir nenhum colateral até o quarto grau (art. 1.839).
3.2. Desta sorte, por força do art. 258, § único, inciso II, do Código Civil de 1916 (equivalente, em parte, ao art. 1.641, inciso II, do Código Civil de 2002), se, ao casamento de sexagenário, se homem, ou cinquentenária, se mulher, é imposto o regime de separação obrigatória de bens, também o deve ser às uniões estáveis que reúnam as mesmas características, sob pena de inversão da hierarquia constitucionalmente sufragada.
De fato, a lei não poderia reconhecer, no âmbito da união estável, uma situação que o legislador civil, para o casamento, entendeu por bem estabelecer restrição. Admitir assim, seria estimular a fraude ao princípio de proteção ao nubente com mais de sessenta anos engendrado pela lei civil.
Nesse sentido, é o entendimento de Zeno Veloso, que ora transcrevo:
E poderá um homem com mais de sessenta anos constituir união estável com uma jovem senhora de vinte e cinco anos, por exemplo, e celebrarem os dois contrato escrito determinando, entre eles, o regime da comunhão parcial?
Até para escapar de situação disparatada, absurda e injusta, minha opinião é de que o art. 1.725 não se aplica aos companheiros se eles estiverem na mesma situação dos nubentes, consoante o art. 1.641, incisos I, II e III, aplicando–se a eles, por lógica, necessidade e similitude de situação, o disposto no aludido dispositivo, ou seja, a união estável fica submetida ao regime obrigatório da separação de bens. (Código civil comentado (…).v. XVII. Álvaro Vilaça (Coord.). São Paulo: Atlas, 2003, p. 147).
Também no mesmo sentido é o magistério de Caio Mário da Silva Pereira (Instituições…, v. 5, p. 547), Guilherme Calmon Nogueira da Gama (O companheirismo: uma espécie de família, p. 345) e Carlos Roberto Gonçalves (Direito civil brasileiro: v. 5. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 576).
Como bem enfatizado por Caio Mário, a aceitação da possibilidade de os companheiros optarem pelo regime de bens, quando o varão já atingiu a idade sexagenária, estar–se–ia, “mais uma vez, prestigiando a união estável em detrimento do casamento, o que não parece ser o objetivo do legislador constitucional, ao incentivar a conversão da união estável em casamento. No nosso entender, deve-se aplicar aos companheiros maiores de 60 anos as mesmas limitações previstas para o casamento para os maiores desta idade: deve prevalecer o regime da separação legal de bens”. (Op. cit. p. 547)
Vale ressaltar, que a Terceira Turma também sufragou tal entendimento, em recente julgamento de relatoria do e. Ministro Massami Uyeda (Resp. nº 1.090.722⁄SP), pendente de publicação, o que, em realidade, consolida o entendimento, naquele colegiado, primeiramente firmado no Resp. nº 736.627⁄PR, de relatoria do saudoso Ministro Carlos Alberto Menezes Direito.
3.3. Por esses fundamentos, e nessa ordem de idéias, o acórdão não pode prevalecer, devendo ser restabelecida a decisão de primeiro grau, que interpretou corretamente e em conjunto os dispositivos legais aplicáveis à espécie.
4. Resta o exame da questão relativa à alegada comunicação dos aquestos, no regime da súmula 377, STF, aplicada ao caso em concreto, que está assim redigida: “No regime de separação legal de bens, comunicam–se os adquiridos na constância do casamento”.
4.1. Nesse passo, apenas os bens adquiridos na constância da união estável, e desde que comprovado o esforço comum, devem ser amealhados pela companheira, nos termos da Súmula nº 377 do STF.
Necessário ressaltar a importância da demonstração do esforço comum, mesmo porque, a prevalecer tese contrária, estar–se–ia igualando o regime da separação legal obrigatória ao regime da comunhão parcial de bens.
A partir de uma interpretação autêntica, percebe–se que o Pretório Excelso, de fato, estabeleceu que somente mediante o esforço comum entre os cônjuges (no caso, companheiros) é que se defere a comunicação dos bens, seja para o caso de regime legal ou convencional (RTJ 47⁄614).
A propósito, confiram o entendimento do Ministro Décio Miranda, no RE nº 93.153⁄RJ:
Trata–se, pois, de questão resolvida à consideração de não haver o cônjuge–mulher concorrido com o seu esforço para aquisição de tais bens, sendo assim a eles inaplicável o enunciado da Súmula 377, que segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, somente concerne aos bens adquiridos, na constância do casamento, mediante esforço comum dos cônjuges, e não a todos e quaisquer bens advindos a um deles.
4.2. Nem cabe aqui agitar o fato de que a Lei nº 9.278⁄96, no seu art. 5º, contempla presunção de que os bens adquiridos durante a união estável são “fruto do trabalho e da colaboração comum”, porquanto tal presunção, por óbvio, somente tem aplicabilidade em caso de incidência do regime próprio daquele Diploma, regime este afastado, no caso ora examinado, por força do art. 258, § único, inciso II, do Código Civil de 1916.
Em realidade, cuidando–se de união estável de pessoa sexagenária, a presunção que emerge da realidade dos fatos é exatamente outra, porque, ordinariamente, nessa faixa etária, o patrimônio já se encontra estabilizado e eventual acréscimo, de regra, é proveniente de esforço próprio em tempos passados ou de sub–rogação de bens já existentes.
Ademais, os conviventes, cônscios e seguros das conseqüências legais em relação ao patrimônio comum, por óbvio que podem regular a distribuição dos bens, conferindo as titularidades de acordo com sua efetiva vontade e esforço.
4.3. Esta Corte Superior, malgrado algumas oscilações, sufraga tal tese:
  • DIREITO DE FAMILIA. REGIME DA SEPARAÇÃO LEGAL DE BENS. AQUESTOS. ESFORÇO COMUM. COMUNICABILIDADE. SUMULA STF, ENUNCIADO N. 377. CORRENTES. CODIGO CIVIL, ARTS. 258⁄259. RECURSO INACOLHIDO.
  • I – EM SE TRATANDO DE REGIME DE SEPARAÇÃO OBRIGATORIA (CODIGO CIVIL, ART. 258), COMUNICAM–SE OS BENS ADQUIRIDOS NA CONSTANCIA DO CASAMENTO PELO ESFORÇO COMUM.
  • II – O ENUNCIADO N. 377 DA SUMULA STF DEVE RESTRINGIR–SE AOS AQUESTOS RESULTANTES DA CONJUGAÇÃO DE ESFORÇOS DO CASAL, EM EXEGESE QUE SE AFEIÇOA A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO JURIDICO E REPUDIA O ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.
  • III – NO AMBITO DO RECURSO ESPECIAL NÃO E ADMISSIVEL A APRECIAÇÃO DA MATERIA FATICA ESTABELECIDA NAS INSTANCIAS LOCAIS.
  • (REsp 9938⁄SP, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 09⁄06⁄1992, DJ 03⁄08⁄1992 p. 11321)
  • CIVIL. REGIME DE BENS. SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA. AQÜESTOS. ESFORÇO COMUM. COMUNHÃO. SÚMULA 377⁄STF. INCIDÊNCIA.
  • 1. No regime da separação legal de bens comunicam–se os adquiridos na constância do casamento pelo esforço comum dos cônjuges (art. 259 CC⁄1916).
  • 2. Precedentes.
  • 3. Recurso especial conhecido e provido.
  • (REsp 442629⁄RJ, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 02⁄09⁄2003, DJ 15⁄09⁄2003 p. 324, REPDJ 17⁄11⁄2003 p. 332)
  • CIVIL. CONCUBINATO. PARTILHA DE BENS. Desfeito o concubinato, a partilha de bens supõe prova de que o patrimônio foi constituído pelo esforço comum. Recurso especial conhecido e não provido. (REsp 220462⁄SP, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, julgado em 06⁄05⁄2002, DJ 01⁄07⁄2002 p. 335)
4.4. Destarte, a companheira fará jus à meação dos bens adquiridos durante a união estável, desde que comprovado, em ação própria, o esforço comum.
5. Diante do exposto, dou provimento ao recurso especial para restabelecer a decisão de primeiro grau.
É como voto.

VOTO - EXMO. SR. MINISTRO ALDIR PASSARINHO JUNIOR: Sr. Presidente, peço vênia ao Sr. Ministro Honildo Amaral de Mello Castro para acompanhar o eminente Relator antecipadamente, registrando que o faço, excepcionalmente, em razão dos novos compromissos que tenho junto ao TSE, em época eleitoral, que podem, eventualmente, prejudicar minha frequência às sessões do STJ, no próximo semestre.
Dou provimento ao recurso especial.

VOTO–VENCIDOO EXMO. SR. MINISTRO HONILDO AMARAL DE MELLO CASTRO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄AP):
Sr. Ministro Presidente, pedi vistas dos autos para melhor análise da matéria, notadamente pelo posicionamento do em. Ministro Luis Felipe Salomão que, a despeito da incontroversa União Estável reconhecida nos autos e a idade do convivente falecido ser superior a sessenta (60) anos, assegurou “a companheira a meação dos bens adquiridos durante a união estável, desde que comprovado, em ação própria, o esforço comum”.
A divergência é parcial, e consiste na interpretação do artigo 258, II, do CCB⁄16 (equivalente ao art. 1.641 do Código Civil Brasileiro).
vexata quaestio cinge–se em saber se a regra do art. 1.641, do CCB⁄02 (art. 258, II, do CCB⁄16) tem plena vigência assim como redigida. As indagações são: 
(a) a norma aplica–se para as relações familiares do casamento e para a união estável?; 
(b) estaria essa norma submetida a outros contornos para beneficiar em maior extensão a união estável do que ao casamento?; 
(c) a vontade manifestada pelo casal ao estabelecer o vínculo pode ser modificada unilateralmente em prejuízo dos descendentes?
Penso que não.
Explico.
Permissa vênia, entendo aplicável a norma na sua inteireza, sem flexibilização, seja no casamento ou na união estável.
Em verdade, buscando dar efetividade ao art. 226, §3º da CF⁄88, que para proteção do Estado reconheceu a união estável entre homem e mulher como entidade familiar, sobrevieram a Lei n. 8.971⁄94 disciplinando direitos do companheiro a alimentos e à sucessão, bem como a Lei n. 9.278⁄96 que objetivou regulamentar o parágrafo terceiro daquela norma constitucional.
Essas leis, ressalta–se, antecedem à vigência do atual Código Civil de 2002, bem como são posteriores ao Código Civil de 1916.
Assevera a doutrina que “… o novo CCB encampou as questões disciplinadas nas leis referidas, que deixaram de existir, com exceção do direito real de habitação assegurado no parágrafo único do art. 7º da Lei n. 9.278⁄96” (cfr. Milton Paulo de Carvalho Filho, in Código Civil Comentado, coordenado pelo Ministro César Peluso, 4ª edição, Editora Manole, comentário ao art. 1723, p. 1979).
Com efeito, o art. 1.641, II, do vigente Código Civil, expressamente consignou que,litteris:
ART. 1641– É OBRIGATÓRIO O REGIME DA SEPARAÇÃO DE BENS DO CASAMENTO:
I OMISSIS;
II DA PESSOA MAIOR DE SESSENTA ANOS.”
A MENS LEGIS, ensejadora das legislações constitucional e infraconstitucional há de se compreendida e interpretada em dois momentos, que vejo como fundamentais, para a sociedade brasileira na evolução dos conceitos de família, nos ajustes aos novos tempos e, também, quanto a proteção de resguardar, em tese, o nubente, maior de sessenta anos,de uma união fugaz e exclusivamente interesseira” (Milton Paulo de Carvalho Filho, ob. cit. p. 1641).
Vejamos:
1º) A NORMA CONSTITUCIONAL
Ao criar o direito fundamental assegurado no art. 226, da CF⁄88, não se estabeleceu um princípio absoluto, senão uma nova realidade social que não se dissocia de outros princípios gerais de direito, razão pela o em. Ministro Gilmar Mendespreleciona que “a limitação dos direitos fundamentais é um tema central da dogmática (dos direitos fundamentais) e, muito provavelmente, do direito constitucional”, asseverando, ainda que “e indispensável que o estudo dos direitos fundamentais e de suas limitações não perca de vista sua estrutura dogmática”. (Cfr. Curso de Direito Constitucional, Editora Saraiva, 2009, p. 328).
Não se deve negar a proteção buscada no reconhecimento da União Estável do homem e da mulher como entidade familiar.
Contudo, essa proteção depende de uma interpretação sistemática, abrangente de outros direitos e disposições constitucionais (Min. Gilmar Mendes, ob. cit.), e, por isso mesmo, muitas vezes, a definição do âmbito, do limite dessa proteção, somente há de ser obtida em confronto com eventual restrição a esse direito. Na espécie, o direito à herança é, igualmente, princípio constitucional – art. 5º, inc. XXX, CF –, motivo pelo qual levou o eminente Ministro a prelecionar, litteris:
“não obstante, com o propósito de lograr uma sistematização, pode–se afirmar que a definição do âmbito de proteção exige a análise da norma constitucional garantidora de direitos, tendo em vista:
a) a identificação dos bens jurídicos protegidos e a amplitude dessa proteção (âmbito de proteção da norma);
b) a verificação de possíveis restrições contempladas expressamente, na Constituição (expressa restrição constitucional) e identificação das reservas legais de índole restritiva“.
Destarte, embora o reconhecimento da entidade familiar elevada ao cânone de direito constitucional, o disciplinamento de sua abrangência há de estar configurado nas leis infraconstitucionais que não são absolutas, mas se interagem e se harmonizam em seus vários aspectos e ou situações ocorrentes.
O art. 226 da CF⁄88 insere um conceito jurídico indeterminado.
Vejo nessa norma de conceito jurídico indeterminado a possibilidade de se limitar ou restringir seu campo de incidência, ou, sob outro ângulo, a possibilidade de sua regulamentação a outros princípios de direito, conforme preleciona o Min. Gilmar Mendes:
“assinale–se, pois, que a norma constitucional que submete determinados direitos à reserva de lei restritiva contém a um só tempo, (a) uma norma de garantia, que reconhece e garante determinado âmbito de proteção – união estável como entidade familiar – e (b) uma norma de autorização de restrições, que permite ao legislador estabelecer limites ao âmbito de proteção constitucionalmente assegurado” … ”não raras as vezes, destinam as normas legais a completar, densififcar e concretizar direito fundamental” (ob.cit. p. 331).
É, permissa vênia, a hipótese do caso concreto.
2º) O CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO.
Como afirmado, o Código Civil Brasileiro consolidou a leis relativas à União Estável, razão pela qual “estamos diante de um negócio jurídico que visa definir a disciplina da vida em comum e a formação da família por meio da união estável. Como em qualquer outro negócio jurídico, exige–se para a validade do pacto de convivência a presença dos requisitos essenciais: capacidade das partes, objeto lícito, possível e determinado, ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei.” ( cfr. Luiz Guilherme Loureiro, ob. cit. p. 1162).
Por outro lado, dispõe o art. 1.641, inciso II, CCB⁄02 (norma equivalente ao art. 258, II, CCB⁄16), uma regra de índole restritiva, qual seja que o regime de separação total de bens para o maior de sessenta anos de idade, pouco importando seja pelo instituto do casamento, seja pelo da união estável.
Incide, sem exceção, sobre a criação de uma entidade familiar.
Por isso mesmo, a vejo como uma regra de abrangência geral e, assim, de imposição legal àqueles que se casam na abrangência de seus pressupostos, dos seus limites, sem nenhuma exceção.
Se essa regra não foi excepcionada não se lhe pode negar efeito quando presente o seu pressuposto material, ou seja, a idade de sessenta anos.
Essa seria a restrição legal, protetiva ao idoso.
A flexibilização dessa norma estaria na vontade das partes em elaborarem um pacto antenupcialinexistente no caso concreto, haveria então apenas a determinação legal, respeitada a vontade e assegurado o direito à herança.
A interpretação protetiva por extensão e construção jurisprudencial que se deu à união estável, vai além daquela concedida ao casamento, o que, penso, é inaceitável porque contrária à norma expressada no art. 1641, II, violadora do princípio geral de reserva legal, art. 5º, II, CF – certo de que essa norma não contém qualquer ressalva de exceção quanto à sua incidência, pois “… a interpretação de qualquer norma jurídica é uma atividade intelectual que tem por finalidade precípua estabelecendo o seu sentido tornar possível a aplicação de enunciados normativos, necessariamente abstratos e gerais, a situações da vida, naturalmente particulares e concretas” (p. 77).
De igual sorte, os conviventes poderiam ajustar na manifestação da vontade pacto de convivência – de constituírem uma entidade familiar, as normas de natureza financeira ou de natureza econômica, do patrimônio, como por exemplo, nas escrituras públicas de reconhecimento de convivência em união estável, ou mesmo de um contrato, desde que escrito.
Acerca desse tema, preleciona LUIZ GUILHERME LOUREIRO, litteris:
Conforme foi visto, os companheiros podem optar por outros regimes patrimoniais para disciplinar a vida comum, seja um regime típico, seja um regime atípico. Nesse caso, É OBRIGATÓRIA A CONVENÇÃO E CONTRATO ESCRITO. A norma do art. 1725 nada estabelece sobre a forma de contrato. Assim prevalece o disposto no art. 107 do CC, segundo o qual: “a validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir”. Concluindo, o instrumento público não é da substância desse contrato, que pode ser concluído por instrumento particular. (Curso Completo de Direito Civil, Editora Método, 2009, p. 1161).
Não exercido esse direito, sobrevive a regra geral do art. 1.641, II, do Código Civil Brasileiro de 2002 (norma equivalente ao art. 258, II, CCB⁄16), de conteúdo geral, cogente, e sem exceção.
Nesse sentido:

  • “CASAMENTO. REGIME DE BENS. PACTO ANTENUPCIAL ESTABELECENDO O REGIME DA COMUNHÃO UNIVERSAL. MULHER COM MAIS DE CINQÜENTA ANOS. INADMISSIBILIDADE. ARTS. 257, II, E 258, PARÁGRAFO ÚNICO, II, DO CÓDIGO CIVIL. – A norma do art. 258, parágrafo único, II, do Código Civil, possui caráter cogente. É nulo e ineficaz o pacto antenupcial firmado por mulher com mais de cinqüenta anos, estabelecendo como regime de bens o da comunhão universal.Recurso especial conhecido e provido.” (REsp 102.059⁄SP, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 28⁄05⁄2002, DJ 23⁄09⁄2002 p. 366).
Registro, que não se está aqui a sustentar o afastamento do(a) companheiro (a) à sucessão hereditária, porque nula seria tal ajuste a teor do art. 426, do CC, conhecida desde tempos imemoriais como PACTA CORVINA.
Se está a consignar que ante a ausência de disciplina do regime jurídico na união estável, havendo o companheiro sessenta ou mais anos de idade, o regime é o da separação absoluta porque o dispositivo legal não excepcionou a sua aplicação.
Aos companheiros com idade inferior a 60 anos, há de prevalecer “… meação dos bens adquiridos durante a união estável, desde que comprovado, em ação própria, o esforço comum”, como afirmou o em. Ministro Relator.
Ao Judiciário não é permitido legislar.
À hermenêutica da interpretação não cabe criar direito não previsto na lei.
Não se deve dar maior proteção à união estável do que ao casamento. Ambos institutos são titulares de direitos, mas também hão de sofrer as limitações igualmente.
Com efeito, se o art. 1.641, II, do CCB⁄02, disciplina que no casamento dos homens de idade igual ou superior a sessenta anos é o da separação absoluta, não há como compreender que esse princípio não seja aplicado à união estável, uma outra forma de instituição do núcleo familiar.
Finalmente, entendo como inaplicável à hipótese do caso concreto os fundamentos do enunciado da Súmula 377 do Excelso Supremo Tribunal Federal, porque não se trata de separação legal de bens, mas de direito que o maior de sessenta anos de idade tem, como regra absoluta ⁄ cogente, para o casamento a separação total de bens, princípio esse que alcança também, sem dúvida, a união estável pois o princípio – mens legis – é a proteção ao idoso.
Com esses fundamentos, acompanho o relator na tese de extensão do regime de separação prevista do art. 258, II, do CC⁄16 (art. 1.641, II, CCB⁄02) à união estável aos conviventes maiores de (60) sessenta anos, mas, divirjo quanto a exigência de esforço comum dos bens adquiridos na constância do relacionamento, por ausência de amparo legal e constitucional, sendo inaplicável a Súmula 377–STF às relações de união estável.
Em resumo, dou provimento ao recurso especial em maior extensão para definir como incomunicáveis os bens adquiridos na constância do relacionamento do casal.
É como voto.

VOTO–VOGAL - EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO FILHO: Sr. Presidente, acompanho o voto do Sr. Ministro Relator, com a vênia do Sr. Ministro Honildo Amaral de Melo Castro, dando provimento ao recurso especial.
CERTIDAO
Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista antecipado do Sr. Ministro Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP), conhecendo do recurso especial e dando-lhe provimento em maior extensão, divergindo na extensão dos votos dos Srs. Ministros Luis Felipe Salomão,Relator, e Aldir Passarinho Junior, que dele conhecia e dava-lhe provimento, no que foi acompanhado pelos votos dos Srs. Ministros Raul Araújo Filho e João Otávio de Noronha, a Turma, por maioria, conheceu do recurso especial e deu-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Vencido o Sr. Ministro Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador convocado do TJ/AP).
Os Srs. Ministros Raul Araújo Filho, Aldir Passarinho Junior e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 22 de junho de 2010
TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI
Secretária
- DJe: 24/08/2010

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