RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO CARLOS FERNANDO MATHIAS
(JUIZ FEDERAL CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO) (Relator):
Trata-se de recurso especial interposto pelo ESPÓLIO DE PAULO MARTINS
FILHO, com fulcro no art. 105, inciso III, alíneas "a" e
"c", da Carta Maior, em face de acórdão prolatado pelo Eg. Tribunal
de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, sob o fundamento de ter o mesmo
malferido os arts. 6.º da Lei de Introdução ao Código Civil; 1647, inciso I,
1687, 1969 e 2039 do vigente Código Civil Brasileiro; e 535 do Código de
Processo Civil.
Noticiam os autos que PAULO MARTINS FILHO e MERCEDES MAGDALENA SERRADOR RTINS, contraíram matrimônio sob o regime de
separação total de bens, fazendo-o de acordo com a legislação à época vigente
por meio de pacto antenupcial lavrado em maio de 1950, no qual ficou
expressamente convencionado entre os nubentes o que se segue:
"que
se achando contratados para casar
resolveram que o seu casamento se regerá pela
completa separação de bens; que assim todos os
bens presentes e futuros pertencerão como
próprios e serão incomunicáveis; bem assim o
rendimento de tais bens, podendo cada um dos
outorgantes e reciprocamente outorgados
livremente dispor dos seus bens e rendimentos
sem intervenção do outro e como lhe aprouver,
mantendo cada um dos outorgantes e
reciprocamente outorgados a exclusiva autoridade
de administração, usar e dispor de seus bens a
seu livre arbítrio." (fls. 139)
Em 25.06.2001, PAULO MARTINS FILHO lavrou testamento
público, dispondo da totalidade de seu patrimônio, deixando como seu
único
herdeiro seu sobrinho ALOYSIO MARIA TEIXEIRA FILHO, vindo a falecer em
26.05.2004.
Em 25.06.2004, o testamenteiro nomeado requereu a
abertura da sucessão do varão, apresentando seu testamento junto ao
Juízo
da 5.ª Vara de Órfãos da cidade do Rio de Janeiro para o devido registro
arquivamento e cumprimento, sendo sua execução ordenada por decisão
datada de 04.08.2004.
Em 05.09.2004, quase quatro meses após o óbito de seu
esposo, veio a falecer MERCEDES MAGDALENA SERRADOR MARTINS.
Abriu-se, assim, a sucessão da mesma, em ação processada junto à 2.ª
Vara
de Órfãos e Sucessões, na qual encontram-se habilitados onze sobrinhos
seus, filhos de seus irmãos já falecidos.
Assim é que, nos autos do inventário de PAULO MARTINS FILHO, o espólio
de MERCEDES MAGDALENA SERRADOR MARTINS, formulou o pedido de habilitação que
deu origem à controvérsia que se põe à apreciação desta Corte Superior,
sustentando, em síntese, que, nos termos do art. 1.845 do vigente Código Civil,
a despeito da disposição de vontade do
testador, haveria de ser reservada a legítima à sua esposa na condição
de
herdeira necessária, vez que já falecidos os ascendentes e inexistentes
descendentes do testador.
O juízo singular indeferiu o pedido de habilitação formulado,
o que ensejou a interposição do agravo de instrumento de que trata o
art. 522
do CPC por parte do espólio de MERCEDES MAGDALENA SERRADOR MARTINS.
Na ocasião, ficou assim fundamentado o voto condutor do referido julgado:
"(...) A disputa está, pois, em se
estabelecer a qual norma se submete a lide,
sabendo-se que o casamento e o testamento
ocorreram na vigência do CC/16, mas os óbitos,
sucessivos, e deram sob o regime da Lei nova
(26.05.04, o do varão; 05.09.04, o da mulher).
Aplicada a regra de direito intertemporal -
tais o objeto próprio e a utilidade da Lei de
Introdução ao Código Civil -, dúvida não pode
subsistir quanto a aplicar-se a lei nova, desde que
'expressamente o declare, quando seja com ela
incompatível ou quando regula inteiramente a
matéria de que tratava a lei anterior'. Solar que, em
face do CC/16, o CC/02 correspondente às três
possibilidades, cuidando-se, como se cuida, de
direitos sucessórios do cônjuge sobrevivente.
Prevendo, por óbvio, que muitos seriam os
casos de testamentos lavrados no regime do
CC/16 e óbitos ocorridos na vigência do CC/02,
este fez constar duas regras necessárias e
suficientes, quais sejam as dos arts. 2.041 e 2.042.
O art. 2.041 estabelece que 'as disposições
deste Código relativas à ordem de vocação
hereditária (arts. 1.829 e 1.844) não se aplicam à
sucessão aberta antes de sua vigência,
prevalecendo o disposto na lei anterior'.
Extraem-se dois efeitos: (1.º) todas as demais
disposições do CC/02, relativas à sucessão, vale
dizer, os arts. 1.845 e seguintes, podem, conforme
o caso, ser aplicadas também às sucessões
abertas antes da vigência da nova lei; (2.º) no
caso, abriu-se a sucessão em 2004, já, portanto,
na vigência do CC/02, descabendo manter-se o
regime do CC/16, desde que atendidos os
preceptivos da lei que o revogou.
(...) O art. 2.042 manda aplicar o disposto
no caput do art. 1.848 - que proíbe o testador de
estabelecer, entre outras, cláusula de
incomunicabilidade sobre os bens da legítima -
quando a sucessão se abrir um ano após a entrada
em vigor do CC/02, 'ainda que o testamento tenha
sido feito na vigência do anterior', com a
consequência expressa de que se, nesse prazo, 'o
testador não aditar o testamento para declarar a
justa causa de cláusula aposta à legítima, não
subsistirá a restrição'.
O art. 2.042 do CC/02 fixou tal prazo
porque, além dele, incide o novo regime. Ora, o
varão faleceu aos 26.05.2004, ou seja, mais de
ano depois de janeiro de 2003, quando passou a
viger o CC/02, e nada aditou ao testamento.
Segue-se que as disposições deste passaram a
obedecer às normas do CC/02. E estas traçam
limite objetivo à liberdade do testador - 'A legítima
dos herdeiros necessários não poderá ser incluída
no testamento' (art. 1.857, § 1.º). Também por
esse motivo, o cônjuge sobrevivente, na qualidade
de herdeiro necessário, faz jus à metade dos bens
destinados ao testamenteiro, por isto que, no caso,
aos herdeiros daquele se deve franquear a
habilitação pretendida." (fls. 610/612-apenso)
Em face do julgado, opôs o ora recorrente embargos de
declaração, suscitando a inaplicabilidade à hipótese do art. 1.845 do
Código
Civil, por ofensa ao princípio legal e constitucional de respeito ao ato
jurídico
perfeito e ao direito adquirido.
Referidos embargos foram rejeitados à unanimidade,
esclarecendo a Corte a quo, que a questão constitucional
suscitada já fora
objeto de apreciação quando do julgamento de agravo de instrumento
distinto,
manejado pelo próprio embargante e autuado sob o n.º 2007.002.08178, a
que se negou provimento também à unanimidade.
Ainda irresignado com o teor do v. Acórdão prolatado,
interpôs o ESPÓLIO DE PAULO MARTINS FILHO o recurso especial que ora
se apresenta, aduzindo, preliminarmente, que o agravo de instrumento que
ensejou a prolação do julgado impugnado sequer se fazia merecedor de
conhecimento, vez que, em suas razões, o então agravante não teria
impugnado, especificamente, todos os fundamentos essenciais da decisão
singular atacada, em especial ao referente à escorreita exegese do art.
2.039 do CC/02.
No mérito, afirma que o art. 1.845 do Código Civil, ao incluir
o cônjuge sobrevivente no rol dos herdeiros necessários implicaria em
ofensa
cabal a atos jurídicos perfeitos e acabados, ofendendo, assim, o art.
5.º,
XXXVI, da Carta Maior e o art. 6.º, §§ 1.º e 2º da LICC. Sustenta,
assim, que
"jamais poderá ser considerado herdeiro necessário justamente
aquele
cônjuge que foi casado pelo regime da completa e absoluta separação
convencional de bens" (fls. 751)
Aduz, ainda, que o art. 1.845 do CC/02 se revela
incompatível com os arts. 1.647 e 1.687 daquele mesmo diploma legal,
porquanto os mesmos conferem total liberdade de administração e
disposição
do patrimônio ao cônjuge casado através do regime de total separação
convencional de bens.
Assevera que "não há como se admitir que a lei nova,
advinda muito tempo depois do pacto antenupcial e do próprio testamento
deixado pelo varão, venha a atingir tais atos jurídicos perfeitos,
tornando sem
efeito as vontades dos cônjuges, transformando-os em herdeiros
necessários
um do outro e impondo-lhes, em razão disto, restrições quanto à
disposição
da totalidade de seu patrimônio pela via testamentária" (fls. 759) e, acerca
do
tema, conclui que "somente para os destinatários do
testamento este somente
se tornará um ato jurídico perfeito e acabado após a morte do testador.
Contudo, para o próprio testador, suas disposições de última vontade,
desde
que feitas de acordo com a legislação em vigência na época em que foi
outorgado e assinado, são imutáveis após seu falecimento, e jamais
poderão
ser alterados pela lei nova" (fls. 767)
Aduz, também, divergência jurisprudencial, colacionando aos
autos ementa de julgado oriundo do Eg. TJ/RS que, em caso análogo ao que
se apresenta, teria esposado entendimento diverso.
Por fim, aponta o recorrente ofensa ao art. 535 do CPC,
afirmando omisso o acórdão exarado na origem, em sede de embargos de
declaração, por não ter dirimido a controvérsia à luz da suscitada
ilegalidade e
inconstitucionalidade do art. 1.845 do CPC.
O agravado apresentou suas contra-razões ao apelo nobre
(fls. 787/791), pugnando pela inadmissão do mesmo, posto ser a questão
central do apelo - relativa à ofensa a ato jurídico perfeito - de índole
eminentemente constitucional, bem como pelo fato de não ter sido
referido
tema objeto de prequestionamento. No que se refere à apontada ofensa ao
art. 535 do CPC, afirma o recorrido ser indevida a alegação, mesmo
porque
teria a Corte de origem deixado expresso que a questão constitucional
suscitada não seria apreciada naquele momento por já ter sido objeto de
análise em agravo de instrumento diverso, manejado pelo próprio
embargante, ora recorrente.
Na origem, em exame de prelibação (fls. 622/630-apenso),
recebeu o recurso especial, bem como ocorreu com o extraordinário (fls.
682/725), crivo negativo de admissibilidade, ascendendo, assim, o
primeiro, à
esta Corte Superior, por força da decisão proferida nos autos do AG n.º
1.009.753/RJ.
É o relatório.
EMENTA
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL.
VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA.
DIREITO SUCESSÓRIO. CÔNJUGE SUPÉRSTITE. ART.
1845 DO CPC. REGIME MATRIMONIAL DE SEPARAÇÃO
TOTAL DE BENS. TESTAMENTO ANTERIOR AO NOVO
CÓDIGO CIVIL. DISPOSIÇÃO SOBRE A INTEGRALIDADE
DOS BENS. APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO. PROTEÇÃO
AO ATO JURÍDICO PERFEITO. VONTADE DO TESTADOR
QUE MERECE SER RESPEITADA, IN CASU.
1. Não se verifica violação ao art. 535 do CPC
quando o acórdão impugnado examina e decide, de forma
fundamentada e objetiva, as questões relevantes para o
desate da lide.
2. A alteração engendrada na norma civil, alçando o
cônjuge supérstite à condição de herdeiro necessário (art.
1845), tem o escopo de protege-lo nas hipóteses em que
desprovido o mesmo do percebimento de eventual meação
advinda do regime matrimonial adotado.
3. In casu, porém, consoante se infere dos autos
após o falecimento de seu esposo, optou o cônjuge
sobrevivente por não habilitar-se no inventário dos bens do
mesmo, respeitando, assim, último ato de vontade deste,
inserto no testamento que lavrara no ano de 2001.
4. Assim, a despeito de, via de regra, prevalecer, em
matéria de direito sucessório, a lei vigente à época do
falecimento, por força do disposto no art. 1.787 do Código
Civil, tenho que, excepcionalmente, tendo em vista as
peculiaridades do caso em apreço, em homenagem ao
disposto no art. 6.º, §§ 1.º e 2.º, da LICC, que assegura
respeito ao ato jurídico perfeito, devem ser mantidas hígidas
as disposições de última vontade do testador, mesmo
porque estas, corroboradas pela ação em vida da cônjuge
sobrevivente, cumprem não só o desejo do próprio casal,
como estão em consonância com o espírito da norma que
estendeu proteção sucessória a pessoa do cônjuge.
5. Recurso especial provido.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO CARLOS FERNANDO MATHIAS
(JUIZ FEDERAL CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO) (Relator):
O dissídio jurisprudencial suscitado encontra-se configurado,
bem como encontra-se implicitamente prequestionada a matéria federal
inserta nos dispositivos legais apontados pelo ora recorrente como
malferidos,
o que, somado ao preenchimento dos demais pressupostos de
admissibilidade recursal, impõe o conhecimento do presente recurso
especial.
Consoante o relatado, cinge-se o especial às seguintes
alegações: a) violação do art. 6.º, §§ 1.º e 2.º da LICC pela inclusão
do
cônjuge supérstite no rol dos herdeiros necessários promovida pelo art.
1.845
do vigente Código Civil; b) incompatibilidade do art. 1.845 do Código
Civil com
arts 1.647, 1687, 1969 e 2039 daquele mesmo diploma legal; c)
divergência
jurisprudencial, ensejadora da abertura da via especial pela alínea
"c" do
permissivo constitucional; e d) violação do art 535 do CPC, decorrente
da
omissão da Corte de origem acerca da suscitada ilegalidade e
inconstitucionalidade do art. 1.845 do CPC.
Prima facie, impende destacar que não se vislumbra, na
hipótese vertente, a ocorrência da suscitada ofensa ao art. 535 do
Código de
Processo Civil.
Consigne-se que muito embora rejeitando os embargos de
declaração opostos pelo ora agravante, o acórdão recorrido examinou,
motivadamente, todas as questões pertinentes ao desfecho da lide.
Assim, no tocante à alegada violação do disposto no artigo
535, II, do CPC, o especial não merece provimento, pois a Corte a
quo
analisou, de forma clara e fundamentada, todas as questões pertinentes
ao
julgamento da causa, consoante se infere do inteiro teor do aresto ora
hostilizado.
O dissídio jurisprudencial suscitado encontra-se configurado,
bem como encontra-se implicitamente prequestionada a matéria federal
inserta nos dispositivos legais apontados pelo ora recorrente como
malferidos,
o que, somado ao preenchimento dos demais pressupostos de
admissibilidade recursal, impõe o conhecimento do presente recurso
especial
A despeito de ter sido, a questão posta nos autos, analisada
pela Corte de origem, quando do julgamento do AI n.º 2007.002.08178-RJ,
sob a ótica constitucional, não há óbice a que seja dirimida a
controvérsia,
nesta Corte Superior à luz da legislação infraconstitucional aplicável à
hipótese, máxime por demandar o feito, in casu, acurada
análise de regras de
direito intertemporal aplicáveis à espécie em decorrência da entrada em
vigor
do novo Código Civil.
Posto isso, cumpre esclarecer que a controvérsia se resume
a saber se, o testamento lavrado antes da entrada em vigor por pessoa
casada em regime de total separação convencional de bens, firmado em
decorrência de pacto antenupcial também celebrado na vigência do código
revogado, configura-se em ato jurídico perfeito, impondo respeito às
disposições de última vontade do testador que vem a falecer quando da
vigência do novel diploma legal.
O testador, como já dito, antes da entrada em vigor do novo
Código Civil, nomeou como herdeiro único da totalidade de seus bens, um
sobrinho seu, ante a inexistência de descendentes e ao pré-falecimento
de
seus ascendentes.
Ocorre que, após o falecimento do testador, bem como de
sua esposa, que ocorreu quatro meses após o óbito do primeiro,
habilitaram-se os sobrinhos desta última, pretendendo, assim, resguardar
a
legítima que entendem lhes ser de direito, vez que a novel legislação
civil
passou a assegurar ao cônjuge supérstite condição de herdeiro
necessário.
Antes de mais nada, impõe-se firmar a premissa de que
tanto o pacto antenupcial firmado pelos nubentes, PAULO E MERCEDES,
como o testamento lavrado por este último, como atos jurídicos perfeitos
e
acabados que o são, não podem ficar a mercê das alterações legislativas
futuras, e isto até sem ser necessário invocar-se a máxima "tempus
regit
actum".
Não se nega, todavia, que a alteração engendrada na norma
civil, alçando o cônjuge supérstite à condição de herdeiro necessário,
tem
justamente o escopo de protege-lo nas hipóteses em que desprovido o
mesmo do percebimento de eventual meação advinda do regime matrimonial
adotado.
In casu, porém, a questão que se põe vai além da proteção
conferida pelo legislador ao cônjuge sobrevivente.
Consoante se infere dos autos, MERCEDES, após o
falecimento de seu esposo, optou por não habilitar-se no inventário dos
bens
do mesmo, respeitando, assim, último ato de vontade deste, inserto no
testamento que lavrara no ano de 2001. A proteção legal que lhe era
conferida pela lei nova foi, assim, por ato de vontade da própria
MERCEDES,
posto em segundo plano sponte propria , tendo optado a
mesma por honrar
não só os atos jurídicos perfeitos consubstanciados no pacto antenupcial
e no
testamento, já mencionados, como por fazer valer a vontade última de seu
falecido cônjuge.
Oportuno ressaltar que, a despeito das modernas alterações
promovidas pelo Código Civil vigente, em especial no que concerne ao
direito
sucessório, a livre disposição dos bens, tanto no novel diploma quanto
naquele revogado, sempre foi direito assegurado aos casados em regime de
separação total de bens, sendo descabido pretender que não pudesse um
deles, dispor em testamento da integralidade dos mesmos na vigência de
norma que, da forma como estabelecia, não lhe impunha a preservação da
legítima, vez que inexistentes naquele momento herdeiros necessários.
É justamente esta a inteligência dos arts. 1.647, 1.687 e
2.039 do Código Civil vigente, apontados pelo recorrente como
malferidos,
verbis:
"Art. 1647. Ressalvado o disposto no art.
1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem anuência
do outro, exceto no regime de separação absoluta:
I - alienar ou gravar de ônus real os bens
imóveis;"
"Art. 1687. Estipulada a separação de bens,
estes permanecerão sob a administração exclusiva
de cada um dos cônjuges, que os poderá
livremente alienar ou gravar de ônus real."
"Art. 2039. O regime de bens nos
casamentos celebrados na vigência do Código
Civil anterior, Lei n.º 3.071, de 1.º de janeiro de
1916, é o por ele estabelecido."
Assim, in casu, não há invocar-se que em direito sucessório,
a lei vigente à época do falecimento, por força do disposto no art.
1.787 do
Código Civil, impondo-se, em homenagem ao disposto no art. 6.º, §§ 1.º e
2.º,
da LICC e em harmonia com outras disposições pertinentes do Código
Civil,
tanto o de 1916, quanto o atual, (verbi gratia, art. 276 do
Código Beviláqua e
arts. 1.647, 1687 e 2.039 do Código Civil atual), que assegura respeito
ao ato
jurídico perfeito, devem ser mantidas hígidas as disposições de última
vontade do testador, mesmo porque estas, corroboradas pela ação em vida
da cônjuge sobrevivente, cumprem não só o desejo do próprio casal, como
estão em consonância com o espírito da norma que estendeu proteção
sucessória a pessoa do cônjuge (Código Civil de 2002, art. 1845).
Ex positis, DOU PROVIMENTO ao presente recurso
especial, para restabelecer a decisão do juízo singular, que indeferiu o
pedido
de habilitação do espólio de MERCEDES MAGDALENA SERRADOR
MARTINS no inventário de PAULO MARTINS FILHO.
É como voto.
VOTO-VISTA
O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA:
A controvérsia constante dos autos decorre dos seguintes fatos:
Paulo Martins Filho, no ano de 1950, casou-se com Mercedes Magdalena
Serrador
Martins em regime de separação de bens. Do casamento não tiveram filhos.
Em 26 de maio de 2004, aos noventa anos de idade, Paulo faleceu,
deixando
testamento no qual beneficiou seu sobrinho Aloysio Maria Teixeira Filho,
aquinhoando-o com
todos os seus bens. Ocorreu que, quatro meses depois, Mercedes também
faleceu, e seus bens
foram inventariados e partilhados entre 11 sobrinhos, filhos de irmãos
já falecidos.
Porém, tais sobrinhos resolveram habilitar-se no espólio de Paulo
Martins,
sustentando a seguinte tese: Paulo Martins faleceu na vigência do novo
Código Civil, que elevou
o cônjuge supérstite à categoria de herdeiro necessário. Assim, Mercedes
era sua herdeira e,
como faleceu depois, entendem que, sendo herdeiros de Mercedes, têm
direito à parte da herança
de Paulo, tida por legítima.
A habilitação foi julgada improcedente no primeiro grau, mas essa
decisão foi
reformada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro com base
na interpretação que
conferiu aos artigos 2.041 e 2.042 do Código Civil de 2002.
Aviado recurso especial, o Ministro Relator, Carlos Fernando Mathias,
deu-lhe
provimento, mantendo o ato de vontade perpetrado entre os cônjuges, qual
seja: de manter seus
patrimônios dissociados nada obstante a nova regra do Código.
Concluiu o i. Relator:
“Consoante se infere dos autos, MERCEDES, após o falecimento de seu
esposo, optou por não habilitar-se no inventário dos bens do mesmo,
respeitando,
assim, último ato de vontade deste, inserto no testamento que lavrara no
ano de 2001.
A proteção legal que lhe era conferida pela lei nova foi, assim, por ato
de vontade da
própria MERCEDES, posto em segundo plano sponte própria ,
tendo optado a mesma
por honrar não só os atos jurídicos perfeitos consubstanciados no pacto
antenupcial e
no testamento, já mencionados, como por fazer valer a vontade última de
seu falecido
cônjuge.”
Pedi vista dos autos para melhor análise e entendo que o acórdão recorrido
deve ser
mantido.
I
É certo que o casamento de que os autos tratam ocorreu em 1950, na
vigência,
portanto, do Código Civil de 1916, segundo o qual o cônjuge era apenas
meeiro, observadas as
disposições relativas ao pacto-antenupcial, cujos termos não encontravam
limites (art. 256),
exceto nas hipóteses em que era obrigatória a separação de bens. In
casu, o regime adotado foi o
de separação de bens, sendo que o Sr. Paulo optou por deixar os seus ao
sobrinho Aloysio.
Ocorre que faleceu quando já vigia o novo Código Civil, de modo que sua
esposa
sobrevivente, Mercedes, foi elevada à categoria de herdeira necessária.
Então, a questão que se propõe a ser resolvida assenta-se em estabelecer
se o ato de
disposição de vontade pelos cônjuges – casamento com separação total de
bens – , culminado
com o ato de última vontade manifestado pelo Sr. Paulo – testamento
deixando seus bens ao
sobrinho Aloysio –, prevalece em face das novas regras estabelecidas no
Código Civil
atualmente em vigor e se há vulneração do ato jurídico perfeito.
Entendo que não e, nesse sentido, penso que está correto o acórdão
recorrido, data
vênia do entendimento do Ministro Relator.
O Código Civil de 2002 foi específico ao estabelecer as regras de
direito
intertemporal acerca do assunto, dispondo no seu artigo 2.041:
Art. 2.041. As disposições deste Código relativas à ordem da vocação
hereditária (arts. 1.829 a 1.844) não se aplicam à sucessão aberta antes
de sua
vigência, prevalecendo o disposto na lei anterior.
Conclui-se que à sucessão aberta antes de 11 de janeiro de 2003
aplicam-se as
disposições do código anterior à ordem da vocação hereditária.
In casu, como aferido no acórdão recorrido, "Paulo faleceu aos
26.05.2004 (fls. 35);
Mercedes, aos 05.09.2004 (fls. 49). É certo, portanto, que a sucessão
foi aberta na vigência do
novo Código Civil" (fl. 633).
Pois bem, o cônjuge, na vigência do Código de 1916, observando o artigo
1.603 e
incisos, era herdeiro legítimo; regra essa que foi mantida no atual
código, conforme o disposto
no artigo 1.829 e incisos:
“Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo
se
casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação
obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da
comunhão
parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente;
IV - aos colaterais.”
A inovação trazida pelo código atual está em que o cônjuge supérstite
foi elevado à
categoria de herdeiro necessário conforme expressamente previsto no
artigo 1.845 (que não
encontra dispositivo similar na Código revogado). Observe-se:
Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e
o
cônjuge.
Nesse ponto, o Ministro relator bem referiu que a alteração engendrada
na norma
civil, alçando o cônjuge supérstite à condição de herdeiro necessário,
teve o escopo de
protegê-lo. Os autores são unânimes nesse sentido; confira-se Eduardo de
Oliveira Leite; in
Comentários ao Novo Código Civil, vol. XXI, 3ª edição, pág. 217:
“A inovação só se justifica pela irresistível intenção de favorecer o
cônjuge
sobrevivente, partícipe inconteste da comunhão de vida e de interesses
que
caracterizam a sociedade conjugal e que, certamente, não desaparece com
a
dissolução do casamento.”
Todavia, a lei fez algumas ressalvas no que concerne à concorrência do
cônjuge
sobrevivente com os descendentes do de cujus, estabelecendo
que não há concorrência, não
herdando o cônjuge se: (a) o regime de bens era o de comunhão universal;
(b) se de separação
obrigatória; e (c) se, no regime de comunhão parcial, o autor da herança
não houver deixado
bens particulares.
Isso se explica porque, na primeira e na última hipóteses, o cônjuge é
meeiro do total
de bens deixado pelo de cujos, já estando devidamente
amparado; e, na segunda hipótese,
porque é a vontade da lei que fixa que, em determinados casos, não pode
haver nenhum tipo de
comunhão de bens, mesmo que queiram os nubentes.
Conclui-se daí que o legislador trouxe para as disposições sucessórias
algumas
regras atinentes ao regime de bens do casamento, instituto este
pertencente ao direito de família,
extraindo-se dele que: bens particulares constitui o patrimônio pessoal
de cada um dos cônjuges,
são bens que cada um possui antes do casamento; já os bens comuns são os
que passam a
pertencer a ambos os cônjuges em razão do regime de casamento.
Importa destacar que, se a lei fez algumas ressalvas quanto ao direito
de herdar em
razão do regime de casamento ser o de comunhão universal ou parcial, ou
de separação
obrigatória, não fez nenhuma quando o regime escolhido for o de
separação de bens não
obrigatório, de forma que, nessa hipótese, o cônjuge concorre com os
descendentes e
ascendentes, até porque o cônjuge casado sob tal regime, bem como sob
comunhão parcial na
qual não haja bens comuns, é exatamente aquele que a lei buscou
proteger, pois, em tese, ele
ficaria sem quaisquer bens, sem amparo, já que, segundo a regra
anterior, além de não herdar,
(em razão da presença de descendentes) ainda não haveria bens a
partilhar.
In casu, não há nenhum tipo de ressalva que tirasse de Mercedes a possibilidade
de
herdar. Tinha ela, ao tempo da morte de seu esposo, legitimidade e
capacidade de herdar - a lei
civil foi alterada conferindo-lhe a posição de herdeira necessária; o
casal não deixou
descendentes; não tinha seu falecido esposo ascendentes. Assim, em que
pese o regime de
casamento escolhido por eles ser o de separação de bens, Mercedes,
cônjuge supérstite, herda -
no que toca à legítima - sem nenhuma concorrência.
Assim, não tenho dúvida alguma de que Mercedes, por ter falecido após
seu marido
que não deixou descendentes, passou à categoria de herdeira necessária,
mesmo diante do pacto
antenupcial de regime de separação de bens.
II
Todavia, o caso envolve uma particularidade: o Sr. Paulo deixou
testamento
beneficiando sobrinho com todos os seus bens; portanto, é a sucessão
testamentária que está
sendo contestada.
Cabe observar que, em princípio, pode-se dispor por testamento da
totalidade ou de
parte dos bens para depois da morte, isso se o testador não tiver
herdeiros necessários: quais
sejam: descendentes, ascendentes e cônjuge.
De fato, o testador, Sr. Paulo, não tinha herdeiros necessários segundo
a regra do
código revogado, pelo que dispôs livremente da totalidade de seus bens.
Todavia, quando a
sucessão foi aberta, vigia nova regra e ele passou a ter uma herdeira,
sua esposa, a quem
precisaria ter deixado parte correspondente a metade da herança, que é a
parte indisponível.
Nada obstante essa modificação legislativa ter-se operado depois do
casamento, bem
como da lavratura do testamento, não há por que falar em violação de ato
jurídico perfeito ou de
direito adquirido, pois as disposições do novo código
projetam-se nos testamentos feitos
antes da sua vigência, uma vez que a lei que regula a sucessão e a
legitimação para suceder
é a vigente ao tempo da abertura da sucessão. Isso não só pela
regra acima indicada, constante
do disposto no art. 2.041, como pelo disposto no artigo 1.787, assim
exarado:
“Art. 1.787. Regula a sucessão e a legitimação para suceder a lei
vigente ao
tempo da abertura daquela.”
Eduardo de Oliveira Leite, na obra citada acima, pág. 30, comentando o
dispositivo,
elucida:
“O elemento temporal produz efeitos distintos, quer se trate da sucessão
legítima, quer da testamentária.
Com relação à sucessão legítima, a incidência do princípio não abre
espaço a
qualquer exegese mais favorável: a lei do tempo da abertura da sucessão
é que regula
todas as questões pertinentes à herança do de cujus (salvo,
evidentemente, a
ocorrência de alguma condição, materializando-se a capacidade para
suceder, no
momento em que esta se verifica).”
Trata-se de princípio antigo, que constava do Código Civil do 1916, no
artigo 1.577,
cuja redação era a seguinte:
Art. 1.577. A capacidade para suceder é a do tempo da abertura da
sucessão,
que se regulará conforme a lei então em vigor.
A capacidade é determinada pela lei; assim, é a lei que vigora no tempo
da
abertura da sucessão que deve regulá-la.
Darcy Arruda Miranda, ao comentar o artigo acima revogado, indica (Anotações
ao
Código Civil Brasileiro, 3º volume, 1986, pág. 616):
“11. A capacidade para suceder é a do tempo da abertura da sucessão, ou
seja,
do momento em que o autor da herança vem a falecer, regulando-se essa
abertura
conforme a lei então em vigor (art. 1.577). Assim se o herdeiro
instituído à época em
que foi feito o testamento era capaz, mas veio a tornar-se incapaz ao
tempo da
sucessão, não sucede; porém, se era incapaz ao ser lavrado o
testamento e veio a
se tornar capaz por ocasião da abertura da sucessão, sucede” (destaquei).
O final da citação acima, que destaquei, corresponde exatamente à
hipótese versada
nos presentes autos, pois a Sra. Mercedes, ao tempo em que feito o
testamento era herdeira
apenas legítima; contudo, passou a ser herdeira necessária em
conformidade com as disposições
do novo Código Civil, sendo esta a lei vigente ao tempo da abertura da
sucessão.
Os autores atuais, ao elaborarem seus comentários sobre as questões
sucessórias, não
discrepam da doutrina antiga. Observa-se, por exemplo, que Paulo Nader,
sobre a capacidade
sucessória, escreve:
"Quanto aos testamentos, estes devem atender aos requisitos formais
da lei
vigente na data de sua feitura, mas a capacidade para suceder
corresponderá à prevista
em lei quando da abertura da sucessão, como estabelece o art. 1.787 do
Código Civil"
(in Curso de Direito Civil - Direito das Sucessões, 2ª
edição, págs. 31).
Essa é uma regra básica e antiga que não sofreu quaisquer alterações
desde antes do
Código Civil de 1916 até a atualidade, não existindo polêmicas acerca da
questão que a envolve.
Portanto, prevalece a regra de que a capacidade para suceder é a do
tempo da
abertura da sucessão.
III
O recorrente sustenta a tese de que houve ferimento ao ato jurídico
perfeito e ao
direito adquirido, porquanto afirma que o pacto antenupcial e o
testamento representam ato de
vontade dos nubentes e que isso deveria ser respeitado.
Ocorre que não há por que falar em direito adquirido na presença de uma
expectativa
de direito, como o de suceder.
O autor citado acima, Paulo Nader, explica:
"Direito adquirido não se confunde com expectativa de direito.
Aquele é
situação jurídica resguardada pela ordem jurídica, enquanto esta outra
figura revela
apenas probabilidade de aquisição de direito. Expectativa é apenas o
direito em
potência, pois depende de algum acontecimento futuro e incerto. É a
situação jurídica
de alguém que, mantidas as condições existentes, poderá adquirir um
direito, como no
caso de herança" (obra citada, vol. I, pág. 122).
Continua o autor já se referindo ao conflito de leis sucessórias no
tempo:
"As regras aplicáveis à sucessão ab intestato são
as vigentes à época em que se
verificou a morte do titular do patrimônio. Este fato natural constitui
a causa
determinante da sucessão. Como se destacou anteriormente, sem o evento
morte
inexiste direito subjetivo à sucessão, apenas expectativa de direito,
restando assim
inconcebível a aplicação de lei revogada antes do falecimento. Deste
modo, Túlio
poderia estar beneficiado, de longa data, com a vocação hereditária
prevista na lei 'A',
todavia, se na data da morte do causante, encontrava-se em vigor a lei
'B', que lhe era
menos favorável, não terá argumentos jurídicos para pleitear a aplicação
da lei 'A',
pois a sua situação jurídica não se encontrava protegida em qualquer
hipótese do art.
5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal (direito adquirido, ato
jurídico perfeito ou
coisa julgada ). E como se sabe e o próprio Code
Napoleon proclama: 'La loi ne
dispose que pour l'avenir; elle n'a point d'effet
rétroactif' (art. 2º)
Aplicando-se o que foi dito à codificação brasileira, tem-se que o óbito
havido
durante a vigência do Código Beviláqua, por ele a sucessão se orientará;
o ocorrido a
partir da vigência do Código Reale, a sucessão correspondente será por
ele regulada.
A capacidade para suceder deve ser aferida no momento da abertura da
sucessão, ou
seja, no momento em que a morte se verificou" (obra citada, vol. 6,
pág. 31).
Portanto, Aloysio Maria Teixeira, herdeiro testamentário, até a morte de
testador,
tinha apenas uma expectativa de direito de titularidade sobre o
patrimônio de seu tio; isso
porque, ao tempo em que feito o testamento (apenas para citar duas
hipóteses), dependia da
morte do testador e da lei vigente à época do óbito.
Contudo, o testador veio a falecer em 26 de maio de 2004, quando já
vigiam as
regras do novo Código Civil, que incluiu o cônjuge supérstite na
condição de herdeiro
necessário.
Dessume-se disso tudo que a habilitação do espólio da herdeira
necessária no espólio
de Paulo Martins não fere nenhum direito adquirido de Aloysio, uma vez
que esse não existia.
No que tange ao ato jurídico perfeito, defendido pelo recorrente quanto
ao pacto
antenupcial e ao testamento, a mesma condição se verifica.
O pacto antenupcial não está sendo questionado. Trata-se de instituto
afeto ao direito
de família, e não ao de sucessões. Pelo que consta dos autos, foi
respeitado integralmente pelos
cônjuges, que nada acerca dele demandaram. É, realmente, negócio
jurídico perfeito, até porque
é instituto abraçado pelo atual Código Civil e nenhuma disposição dele
está sendo questionada
sob a vertente do direito intertemporal.
Já no que diz respeito ao testamento, há de se observar que nada foi
contestado sob o
aspecto formal. Quanto ao aspecto material, como afirmado acima, deve-se
considerar que é ato
de manifestação da vontade sem efeito imediato, ou seja, ele somente
produzirá efeitos após a
morte do testador; portanto, não é ato alcançado pelo princípio da
irretroatividade da lei.
Por outro lado, deve-se considerar que, no tempo em que o testamento foi
realizado,
em 2001, vigia o Código Civil de 1916, que abraçava, como citado em
linhas precedentes, o
princípio segundo o qual as regras aplicáveis à sucessão são as vigentes
à época em que se
verifica a morte do titular do patrimônio, exatamente como previsto no
código atual.
Assim, o testador deveria saber que a prevalência de sua vontade
dependeria de que
a lei vigente não fosse alterada.
Carlos Maximiliano, comenta o seguinte:
“ No Brasil, como em todos os países cultos, em regra é respeitada a
autonomia
da vontade; a lei dispõe somente para os casos não previstos pelos
indivíduos, não
resolvidos por êstes em atos jurídicos válidos. Há, entretanto, um
conjunto de idéias –
sociais, políticas, econômicas, morais e até religiosas a cuja
conservação a sociedade
crê ligada a própria existência. Êsses princípios fundamentais,
orgânicos, iniludíveis
se sobrepõem às diliberações dos particulares; denominam-se de ordem
pública.
Acima da vontade dos indivíduos está o interêsse social; e 'leis de
ordem
pública são aquelas que interessam mais diretamente à sociedade que aos
particulares'
(definição de Portalis); 'as que, em um Estado, estabelecem os
princípios cuja
manutenção se considera indispensável à organização da vida social,
segundo os
preceitos do Direito' (no conceito de Clóvis Bevilaqua)” (in Direitos
das Sucessões,
1952, págs. 47/48).
Sendo essa a regra mantida no atual Código Civil e tendo o ato
de disposição de
vontade sido efetuado quando também ela vigia, não há por que
falar em violação do ato
jurídico perfeito.
Assim, apesar da indignação compreensível do legatário, Aloysio Maria
Teixeira
Filho, certo que a legítima, por disposição da lei, é do
espólio de Mercedes Magdalena Serrador
Martins.
IV
O Ministro Relator referiu-se a que, após o falecimento do Sr. Paulo,
sua esposa
Mercedes optou por não habilitar-se no inventário de seus bens, afirmando:
"A proteção legal que lhe era conferida pela lei nova foi, assim,
por ato de
vontade da própria MERCEDES, posto em segundo plano sponte
propia, tendo
optado a mesma por honrar não só os atos jurídicos perfeitos
consubstanciados no
pacto antenupcial e no testamento, já mencionados, como por fazer valer
a vontade
última de seu falecido cônjuge."
Com toda vênia, não corroboro esse entendimento.
O inventário de Paulo foi aberto pelo testamenteiro, Luis Eduardo
Tenório, quando o
prazo do artigo 983 estava se esgotando. Justificou-se que tanto o
cônjuge supérstite, como o
legatório, Aloysio, estavam impossibilitados de o fazerem; este porque
estava fora da cidade do
Rio de Janeiro, e aquela, porque muito idosa, estava sob cuidados
médicos. Observe-se:
"Ocorre que o cônjuge supérstite - D.MERCEDES, senhora com 90
(noventa)
anos de idade (nascida em 17/11/1914), encontra-se profundamente abalada
com a
morte de seu esposo e sob cuidados médicos em sua residência" (fl.
31).
A presunção de que tal fato era verdadeiro decorre de que, menos de
quatro meses
depois, a Sra. Mercedes também veio a falecer.
Ora, é de se presumir que uma senhora com mais de noventa anos,
debilitada e
necessitada de cuidados médicos, e ainda sentido a perda do marido, com
quem fora casada por
mais de cinquenta anos, não iria se ocupar com habilitação em inventário
nenhum. Ademais, não
tinha filhos, nem netos, e, portanto, ninguém que pudesse cuidar de seus
interesses, já que
impossibilitada de fazê-lo por ela mesma.
Os seus sobrinhos, por certo, não iriam cuidar disso, pois se ela viesse
a renunciar à
herança, não teriam nada a pleitear dos bens de seu falecido esposo,
como estão a fazer no
presente momento.
Pelo quadro que se apresentava à época, não seria demais concluir que a
Sra.
Mercedes desconhecesse que deveria renunciar à herança para que o ato de
última vontade de
seu falecido esposo pudesse ser acatado. Penso que seria preciso
abnegação, retidão e um senso
de justiça incomum atualmente para que qualquer um de seus sobrinhos
tomasse a iniciativa de
fazer respeitar o ato de vontade dos esposos, propondo à sua tia que
renunciasse ou
indicando-lhe essa possibilidade.
Ante este quadro, não creio que se possa falar em renúncia sponte
propria .
De qualquer forma, o fato é que renúncia não houve, e a legislação
estabelece que ela
deve ser feita expressamente por escritura pública ou termo judicial.
Observe-se:
Art. 1.806. A renúncia da herança deve constar expressamente de
instrumento
público ou termo judicial.
Confiram-se comentários de Carlos Roberto Gonçalves:
"Dispõe o art. 1.806 do Código Civil que 'a renúncia da herança
deve constar
expressamente de instrumento público ou termo judicial'. Não pode ser tácida,
portanto, como sucede com a aceitação. Também não se presume, não
podendo ser
inferida de simples conjecturas. Tem de resultar de ato positivo e só
pode ter lugar
mediante escritura pública que traduza uma declaração
de vontade, ou termo judicial .
Este é lavrado nos autos do inventário e aquela é simplesmente
juntada" (in Direito
Civil Brasileiro, 3ª edição, pág. 82).
Não se pode, portanto, concluir que a Sra Mercedes tenha renunciado,
pois não só
não poderia fazê-lo tacitamente, como não há nada que indique ter sido a
vontade dela.
V
Vê-se, portanto, que:
a) segundo disposições do Código Civil de 2002, o cônjuge supérstite é
herdeiro necessário;
b) a capacidade para suceder corresponde à lei em vigor quando da
abertura da sucessão;
c) inexiste direito adquirido de herdar enquanto vivo o autor do
patrimônio a ser partilhado;
d) não houve renúncia à herança pela Sr. Mercedes.
Com base em todo o exposto, e pedindo vênia ao ilustre Relator, não
conheço do recurso especial.
É como voto.
VOTO-VISTA
O SR. MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO:
1. A questão submetida a julgamento é a seguinte:
- Paulo Martins Filho casou-se com Mercedes Magdalena Serrador Martins
segundo o regime de separação de bens acordado em pacto antenupcial
celebrado em
19 de maio de 1950 e lavrado no 23º Cartório da Cidade do Rio de
Janeiro;
- Em 26 de maio de 2001, Paulo Martins Filho lavrou testamento público
deixando a totalidade de seus bens para seu sobrinho Aloysio Maria
Teixeira Filho, vindo
a falecer em 26 de maio de 2004;
- Quatro meses após, dia 5 de setembro de 2004, morreu a sua esposa
Mercedes Magdalena Serrador Martins;
- Foi requerida a abertura da sucessão do varão. Em 04 de agosto de 2004
foi prolatada decisão determinando a execução do seu testamento;
- Por sua vez, a sucessão de Maria Magdalena Serrador Martins foi
aberta,
habilitando-se como herdeiros onze sobrinhos e sobrinhas;
- Como a morte de Paulo Martins Filho ocorreu na vigência do Novo Código
Civil, os sobrinhos de Mercedes Magdalena apresentaram pedido de
habilitação no
espólio de Paulo Martins, sob o argumento de que, nos termos do artigo
1.845 do Novo
Código Civil, o cônjuge supérstite erigiu-se à categoria de herdeiro
necessário, de forma
que, sendo herdeiros de Mercedes Magdalena, têm direito à parte da
legítima que lhe
caberia.
O pedido de habilitação foi negado.
Interposto agravo de instrumento, o TJRJ proferiu acórdão do seguinte
teor:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. Inventário. Habilitação do espólio do
cônjuge-virago no inventário dos bens do cônjuge varão pré-morto, tendo
sido casados sob o regime de separação total e tendo o varão lavrado
testamento, destinando todo o seu patrimônio a um sobrinho. Casamento e
testamento anteriores ao Código Civil de 2002; óbitos em 2004. Conflito
intertemporal de norma: segundo o CC/16, a mulher nada herdaria em face
do testamentário; sob o CC/02, o cônjuge sobrevivente é equiparado a
herdeiro necessário, fazendo jus à meação. Prevalência do regime da lei
nova. Lição de Carlos Maximiliano. Provimento do recurso. (fl. 603/apenso).
Irresignado, o Espólio de Paulo Martins interpôs recurso especial
sustentando, em suma, a inadmissibilidade do agravo de instrumento e
violação ao artigo
6º, §§ 1º e 2º da LICC, além de incompatibilidade entre os artigos 1.845
e 1.647 e 1.687
do mesmo diploma legal.
O eminente Ministro Relator Carlos Fernando Mathias deu provimento ao
recurso especial por entender feridos os atos jurídicos perfeitos
consubstanciados no
pacto antenupcial firmado entre os cônjuges e no testamento lavrado pelo
varão, ambos
na vigência do Código Civil de 1916.
Pediu vista o ilustre Ministro João Otávio de Noronha e proferiu voto
divergente para negar provimento ao apelo nobre, amparado nas seguintes
premissas:
a) segundo disposições do Código Civil de 2002, o cônjuge supérstite é
herdeiro necessário;
b) a capacidade para suceder corresponde à lei em vigor quando da
abertura da sucessão;
c) inexiste direito adquirido de herdar enquanto vivo o autor do
patrimônio a ser partilhado;
d) não houve renúncia à herança pela Sra. Mercedes.
Estabelece o voto divergente que não foram atingidos os atos jurídicos
seja
quanto ao pacto antenupcial, seja quanto ao testamento.
O pacto antenupcial porque "é instituto abraçado pelo atual Código
Civil e
nenhuma disposição dele está sendo questionada sob a vertente do direito
intertemporal". O testamento, porque "nada foi contestado sob
o aspecto formal" e,
quanto ao aspecto material, "deve-se considerar que é ato de
manifestação da vontade
sem efeito imediato, ou seja, ele somente produzirá efeitos após a morte
do testador" não
sendo assim "alcançado pelo princípio da irretroatividade".
Pedi vista dos autos. Passo a votar.
2. A questão que se põe é: se o pacto antenupcial é celebrado para
dispor
acerca do regime de bens no casamento e o testamento foi lavrado
considerando esse
acordo, como dizer que não houve violação ao ato jurídico perfeito, se
não cumpridas as
disposições de última vontade estabelecidas nesse testamento?
Quando elaborou o testamento, em maio de 2001, o regime de bens do
casamento era o da separação total de bens, e a opção do falecido foi a
de deixar todos
os bens para o sobrinho, à míngua de herdeiros necessários.
Todavia, sobreveio o Novo Código Civil e inseriu o cônjuge como herdeiro
necessário (art. 1.845).
É preciso, portanto, estabelecer interpretação do art. 2.042, do NCC em
harmonia com o que dispõe os arts. 6º, § 1º, LICC e 2.039, do NCC, todos
abaixo
transcritos, observadas as peculiaridades do caso concreto.
Assim dispõem os referidos dispositivos:
Art. 2.042. Aplica-se o disposto no caput do art.
1.848, quando aberta a
sucessão no prazo de um ano após a entrada em vigor deste Código, ainda
que o testamento tenha sido feito na vigência do anterior, Lei n.º
3.071, de 1º
de janeiro de 1916; se, no prazo, o testador não aditar o testamento
para
declarar a justa causa de cláusula aposta à legítima, não subsistirá a
restrição.
Art. 6°. A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato
jurídico
perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.
§ 1°. Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei
vigente ao
tempo em que se efetuou.
Art. 2.039. O regime de bens nos casamentos celebrados na vigência do
Código Civil anterior, Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916, é o por
ele
estabelecido.
Comento.
Embora para alguns o testamento celebrado na vigência do sistema
anterior
configure ato jurídico perfeito que não poderia ser atingido por lei
posterior, a maior parte
dos doutrinadores entende que, ainda que ato jurídico perfeito, os seus
efeitos somente
serão produzidos após a abertura da sucessão.
Porém, no caso é impossível dissociar o pacto antenupcial e o
testamento,
de modo que os atos jurídicos perfeitos e acabados devem ser
respeitados, sob pena de
se gerar uma situação de insegurança jurídica e de se ferir o princípio
da autonomia da
vontade, na medida em que lhes é assegurada a liberdade em contratar.
Não é possível que o advento de uma nova lei possa deixar ao desamparo
aqueles que, de boa fé, concretizaram negócios e exteriorizaram
manifestações de
vontade em observância estrita à lei vigente à época.
Assim, há que se levar em consideração o pacto antenupcial firmado ainda
na vigência da lei anterior e as conseqüências dele advindas.
Nesse particular, o parecer ofertado pelo jurista Nilton Mondego de
Carvalho
em consulta feita pelo recorrente:
CLÓVIS BEVILÁCQUA discorrendo, com a sua inegável autoridade,
sobre o tema, ressaltava que:
A irrevogabilidade do regime que o Código estatui no final do art.
230, funda-se em duas razões: o interesse dos cônjuges e o de terceiros.
O interesse dos cônjuges, porque depois de casados, um poderia abusar
da fraqueza do outro e obter modificações em seu proveito exclusivo. O
interesse de terceiros, porque os cônjuges poderiam combinar-se, e, por
um determinado regime, subtrair bens à ação de credores que com eles
tivessem contata o no momento de contratar. A estabilidade do regime é
uma expressão de boa fé e uma garantia para os que tratam com os
cônjuges. Além dessas razões de ordem prática há uma outra de lógica
jurídica. O casamento é um contrato pessoal e perpétuo. O regime de
bens durante ele deve ser estável, inalterável para corresponder à
perpetuidade e imutabilidade das relações pessoais enquanto perdura a
sociedade conjugal' (COMENTÁRIOS AO CÓDIGO CIVIL, vol. II, pág.105)
No tocante ao objeto da consulta, tem-se que os interessados, por meio
de escritura pública do PACTO ANTENUPCIAL DE SEPARAÇÃO DE BENS,
estabeleceram esse regime, ficando claro, nesse instrumento, que todos
os
bens, presentes e futuros pertenceriam aos respectivos titulares e
seriam
incomunicáveis bem como os rendimentos deles, em razão do que poderiam
eles dispor livremente de tais bens e rendimentos sem intervenção do
outro,
como bem lhes aprouvesse, tendo ambos, ao que parece, vultoso
patrimônio.
ORLANDO GOMES, referindo-se ao regime de separação de bens, ensinava
que:
O regime da separação de bens caracteriza-se pela
incomunicabilidade dos bens presentes e futuros dos cônjuges. Os
patrimônios permanecem separados quanto à propriedade dos bens que
os constituem, sua administração e gozo, assim como as dívidas passivas.
Provém de duas fontes: a convenção e a lei.
Algumas legislações têm-no como REGIME LEGAL, mas, entre nós,
é, de regra, facultativo. Necessário que os nubentes o instituam
mediante
PACTO ANTENUPCIAL. Em certas condições, porém, a lei impõe. Diz-se
que, nesse caso, é obrigatório, por ser exigido como sanção, ou por
motivos de ordem pública (obra citada, pág. 193, n.º 121).
WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, no que tange a esse
aspecto, observava, na obra acima citada, na página 143, que o Código
Civil
Brasileiro facultava aos nubentes a escolha de qualquer dos regimes por
ele
admitidos, exceto as hipóteses do art. 258, parágrafo único, do mesmo
Código (1916), em que o da separação de bens seria compulsório, com
predominância do princípio da autonomia da vontade.
Repisando esse entendimento, esclarecia ele, ainda, que:
Nessa matéria, insista-se, movimentam-se as partes com a maior
liberdade, discricionariamente mesmo.
Gozam eles de ampla autonomia, dispondo como lhes convenha, a
respeito de suas mútuas relações econômicas. (obra citada, p. 144).
Referindo-se ao regime da separação de bens, e, conceituando-o, põe em
relevo que:
Eis o regime em que cada cônjuge conserva exclusivamente para si
os bens que possuía quando casou, sendo também incomunicáveis, os
bens que cada um deles veio a adquirir na constância do casamento.
Como adverte CLÓVIS, o que caracteriza esse regime é a completa
separação do patrimônio dos dois cônjuges, nenhuma comunicação se
estabelecendo entre as duas massas, ou dois acervos. A cada um o que é
seu, aí está a fórmula individualista, que bem sintetiza o aludido
regime
matrimonial. (obra citada, pág. 172).
Resulta daí que o PACTO ANTENUPCIAL que foi estabelecido entre
PAULO MARTINS (tio do consulente) e MERCEDES MAGDALENA
SERRADOR, referido na consulta, constitui ATO JURÍDICO PERFEITO (e
por isso é inegável) sob pena de evidente contrariedade ao disposto no §
1º,
do art. 6º da Lei de Introdução ao Código Civil (...).
Em tendo sido fixado, naquele instrumento, o regime de separação de
bens, em estrita observância ao referido princípio da autonomia da
vontade,
lei alguma posterior poderia alterá-lo (e não alterou, como é óbvio),
tratando-se como se trata sem sombra de dúvida de ato jurídico perfeito.
(...)
Está muito claro, no artigo 2.039, do Código em vigor, que o regime de
bens nos casamentos celebrados na vigência do anterior (Lei n.º 3.071,
de 1º
de janeiro de 1916) seria, obviamente, o que foi por ele estabelecido.
Isso quer dizer que os PACTOS ANTENUPCIAIS firmados sob a égide
do Código Civil de 1916, não poderiam ser alterados pelo Novo Código
Civil
(e não o foram) permanecendo, portanto, com plena eficácia,
respeitando-se,
assim, os atos jurídicos subseqüentes, que dele, por ventura,
decorreram.
A regra do § 1º, do art. 2º, da Lei de Introdução ao Código Civil sem
qualquer resquício de dúvida, não tem qualquer incidência na espécie,
tratando-se de evidente equívoco a sua invocação, considerando,
sobretudo ,
a ausência de qualquer suporte de fato a justificá-la.
Em sendo o regime de bens imutável, não podendo haver qualquer
comunicação entre os patrimônios dos nubentes, o testamento (não
revogado
e nem alterado), efetuado por um deles (cônjuge varão), deixando todos
os
bens para o consulente constitui, de igual forma, ATO JURÍDICO PERFEITO,
não podendo o legislador alterá-lo para atribuir ao cônjuge sobrevivente
(vale
dizer: aos herdeiros desta) o direito à metade dos referidos bens,
porque, aí,
sem incidência, estar-se-ia aplicando lei posterior, com evidente
alteração do
regime de bens, estabelecido pelos nubentes, em flagrante violação aos
citados dispositivos legais e constitucionais. (fls. 5/9)
A argumentação desenvolvida, com acerto, dispõe sobre a inegável
influência, no plano sucessório, do regime de bens estabelecido pelos
cônjuges,
concluindo pela inaplicabilidade ao caso, das regras dos artigos 1.845 e
1.848 do Novo
Código Civil, sob pena de se fazer letra morta do pacto antenupcial -
ato jurídico perfeito -
no qual ficou estabelecida, por livre manifestação dos contraentes, a
separação e
incomunicabilidade total dos seus bens, o que aliás continua a ser
admitido pela novo
diploma substantivo, em seu artigo 1.639.
Esse aspecto foi evidenciado, com clareza, na decisão que indeferiu o
pedido de habilitação formulado pelo Espólio de Mercedes Magdalena
Serrador Martins:
Por outro lado, uma vez adotado pelos cônjuges um regime de bens,
que passa a vigorar desde a data do casamento (art. 230 do Código Civil
de
1916, art. 1.639, parágrafo 3º, do Código Civil de 2002), é ele
irrevogável (art.
229 do Código Civil de 1916) sendo apenas, agora (art. 1639, parágrafo
2º,
do Código Civil de 2002) passível de alteração mediante autorização
judicial,
circunstância essa não ocorrente e, assim, irrelevante para a hipótese
sob exame.
Há no plano sucessório, influência inquestionável do regime de bens no
casamento, não se podendo afirmar que são absolutamente independentes e
sem relacionamento no tocante às causas e aos efeitos esses institutos
que a
lei particulariza nos direitos de família e das sucessões.
Sabiam os cônjuges, PAULO MARTINS FILHO e MERCEDES
MAGDALENA Serrador MARTINS, portanto, que detinham a livre
administração de seus bens particulares e que deles podiam dispor
livremente inter vivos ou por testamento (art. 27 do Código Civil de
1916; art.
1.647 do Código Civil de 2002; art. 1.626 do Código Civil de 1916; art.
1.857
do Código Civil de 2002).
O fato do casamento se dissolver pela morte dos cônjuges não gera o
direito de permitir que a partilha de seus bens particulares seja
realizada por
forma diversa da admitida pelo regime de bens a que submetido o
casamento, nem transforma o testamento, se feito por qualquer deles em
conformidade com as disposições da lei e levando em conta o pacto
antenupcial adotado, em ato jurídico inoperante, imperfeito, inacabado,
subvertendo-se o que a respeito de seu patrimônio foi avençado pela
livre
manifestação de vontade dos cônjuges ao casar.
O regime de bens do casamento depende exclusivamente da livre
manifestação de vontade dos cônjuges, como resultado de um acordo de
vontades livres e inteligentes, versando objeto lícito, e constitui um
ato
jurídico perfeito e acabado, irrevogável sob a égide do Código Civil de
1916,
uma vez que se lhe siga, como na espécie dos autos, o casamento,
devidamente registrado (fls. 097 e fls. 111)
É evidente que, casando sob o regime da separação convencional de
bens, os cônjuges não vislumbraram, na época em que matrimoniaram, a
hipótese de ser a livre disposição de seus bens, de seu patrimônio
particular,
alterada por lei nova superveniente, que retroagisse a ponto de fazer
emergir
um direito novo, transformando em herdeiro necessário quem assim não
era,
e de, por essa forma, transfigurar o regime de bens que adotaram
legitimamente quando a lei vigente admitia, a ponto de impedir o cônjuge
de
livremente dispor de seus bens particulares.
Sob a sistemática do Código Civil de 1916 a esposa do ora inventariado,
não tendo o casal descendentes ou ascendentes, seria a herdeira de seu
patrimônio (art. 1.611 do Código Civil de 1916), o que se repete no
atual (art.
1.838 do Código Civil de 2002), caso o de cujus não
houvesse disposto da
totalidade dos seus bens particulares, haja vista o regime da completa
separação do patrimônio, em testamento; entretanto, certamente porque
dotados ambos de cabedais de vulto (fls. 22/23 e fls. 148/153), o
inventariante preferiu testar, em 25.06.2001, quando ainda não vigorante
o
atual Código Civil, para manifestar sua expressa e livre vontade de
aquinhoar
terceiro, seu sobrinho, deixando de lado o cônjuge, com todo o
patrimônio
que tinha, limitando-se a instituir a esposa como usufrutuária
vitalícia.
Violados estarão - e isso é inadmissível - pela lei nova os fins diretos
e
imediatos que os cônjuges se obrigaram e tiveram em mira com o regime
convencional da completa separação de bens, o qual, inclusive, terá
sido, por
sua natureza, o alicerce fundamental do consentimento que expressaram
para instituir matrimônio.
Não se pode, conseqüentemente, situar a questão exclusivamente sob
a alçada do direito sucessório, fazendo-a simplistamente depender de lei
nova superveniente que deu ao cônjuge supérstite a posição de herdeiro
necessário no momento em que se abriu a sucessão, limitando o que, por
sua complexidade e por violar ato jurídico perfeito como pacto
antenupcial e a
livre expressão de vontade dos nubentes ao contrair matrimônio, não pode
deixar de merecer interpretação ampla e que não leve ao desprezo
aspectos
fulcrais do matrimônio e de seu regime de bens à ocasião em que
realizados.
O regime de bens convencional do casamento uma vez isento de vícios,
é um contrato perfeito e acabado, que se integra ao patrimônio de cada
um
dos cônjuges e à união familiar, seja quanto às relações pessoais entre
si,
seja no tocante a terceiros, não podendo as regras a respeito serem
modificadas por lei nova, a qual, mesmo substituindo in totum a
antecedente,
terá vigência somente no relativo às sucessões futuras, em seqüência a
sua
entrada em vigor. (fls. 574/576).
3. Impõe-se, no caso, a interpretação sistemática e teleológica dos
dispositivos legais em comento, a fim de que não ocorra o malferimento
de princípios a
eles preexistentes.
Acerca da matéria, José de Oliveira Ascensão - "O Direito,
Introdução e
Teoria Geral", 3ª edição, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, n.
194, p. 321,
preleciona que:
A interpretação deve ter em conta a "unidade do sistema
jurídico".
Repetidamente acentuamos já que toda a fonte se integra numa ordem, que
a regra é modo de expressão dessa ordem global. Por isso a interpretação
duma fonte não se faz isoladamente, atendendo por exemplo a um texto
como se fosse válido fora do tempo e do espaço. Resulta pelo contrário
da
inserção desse texto num conjunto jurídico dado.
Aplicando-se o acima disposto ao caso concreto, tem-se que, permitir a
uma
lei superveniente nomear como herdeiro necessário quem antes não o era à
época de
testamento lavrado em conformidade com manifestação de vontade expressa
e
consubstanciada em pacto antenupcial de separação total de bens, é
tornar inválido tal
testamento e emprestar efeitos retroativos ao pacto que existia e se
tornou perfeito e
acabado com o casamento, afrontando a boa fé e a vontade dos cônjuges
que, com
certeza, assim decidiram considerando as circunstâncias familiares e
sociais, bem como
os reflexos econômicos futuros na linha sucessória.
Savigny, lembrado por Paulo Nader (Curso de Direito Civil, Vol. I, 6ª
edição,
Editora Forense), distinguiu duas grandes classes de normas jurídicas:
a) referentes à
aquisição de direitos; b) as que dizem respeito à existência (ou
inexistência) ou modo de
ser de um direito ou de um instituto jurídico. No primeiro caso, não
pode haver
retroatividade da nova lei.
4. Importante, neste patamar, destacar a importância do Princípio da
Boa-Fé
Objetiva e seus elementos caracterizadores na celebração dos contratos.
Sobre o
assunto, trago à colação texto de Judith Martins-Costa, em sua obra
"A Boa-fé no Direito
Privado", no qual a autora refere-se as condições da responsabilidade
pré-contratual:
A existência de negociações, qualquer que seja a sua forma, antecedente
a
um contrato; a prática de atos tendentes a despertar, na contraparte, a
confiança legítima de que o contrato seria concluído; a efetiva
confiança, da
contraparte; a existência de dano decorrente da quebra desta confiança,
por
terem sido infringidos deveres jurídicos que a tutelam; e, no caso da
ruptura
das negociações, que esta tenha sido injusta, ou injustificada – aí
estão,
sinteticamente postas, as condições da responsabilidade
pré-negocial."
Pensamento semelhante desenvolve Karina Nunes Fritz:
Percebe-se, então, o importante papel atribuído à
boa-fé objetiva no direito
alemão: ela completa, integra a liberdade de exercício de direitos, a
autonomia privada e seu principal desdobramento, a liberdade contratual,
poder conferido pelo ordenamento ao sujeito de decidir acerca da
celebração
de um contrato e de determinar livremente seu conteúdo. Significa isso
dizer
que as partes devem, no exercício dessa autonomia, agir eticamente,
considerando os interesses do outro, aspecto essencial da idéia de
boa-fé.
Daí dizer Larenz que o "princípio da boa-fé significa, em seu
sentido literal,
que cada um deve manter lealdade à sua palavra e não frustrar ou abusar
da
confiança, que forma a base indispensável para todos os relacionamentos
humanos, (significa) que ele deve proceder como se pode esperar de
alguém
que pensa honestamente ".
A boa-fé objetiva não é, como se costuma dizer, uma fórmula vazia. Seu
conceito remete a valores éticos, como lealdade, honestidade e
consideração
pelos interesses alheios, razão pela qual é também denominada de boa-fé
ética, mas isso não implica indefinição.
(...)
Por essa razão, diz Martins-Costa que, na tarefa de verificar se
determinado
comportamento corresponde, ou não, aos padrões de honestidade e lealdade
exigidos pela boa-fé, deve o juiz averiguar qual a concepção de boa-fé
vigente na doutrina e jurisprudência, pois, como enfatiza a autora,
"não se
trata de determinar, por óbvio, qual é a sua própria valoração ". Também
Rosado de Aguiar Júnior compartilha dessa visão ao afirmar que "a
boa-fé é
uma cláusula geral cujo conteúdo é estabelecido em concordância com os
princípios gerais do sistema jurídico (liberdade, justiça e
solidariedade) ".
("Boa-fé objetiva na fase pré-contratual" Editora Afiliada, p.
110/111)
Também citando Rui Rosado de Aguiar, discorre Lucinete Cardoso de Melo
que:
Segundo Ruy Rosado de Aguiar, podemos definir boa-fé como "um princípio
geral de Direito, segundo o qual todos devem comportar-se de acordo com
um padrão ético de confiança e lealdade. Gera deveres secundários de
conduta, que impõem às partes comportamentos necessários, ainda que não
previstos expressamente nos contratos, que devem ser obedecidos a fim de
permitir a realização das justas expectativas surgidas em razão da
celebração e da execução da avença".
Como se vê, a boa-fé objetiva diz respeito à norma de conduta, que
determina como as partes devem agir. Todos os códigos modernos trazem as
diretrizes do seu conceito, e procuram dar ao Juiz diretivas para
decidir.
Mesmo na ausência da regra legal ou previsão contratual específica, da
boa-fé nascem os deveres, anexos, laterais ou instrumentais, dada a
relação
de confiança que o contrato fundamenta.
Não se orientam diretamente ao cumprimento da prestação, mas sim ao
processamento da relação obrigacional, isto é, a satisfação dos
interesses
globais que se encontram envolvidos. Pretendem a realização positiva do
fim
contratual e de proteção à pessoa e aos bens da outra parte contra os
riscos
de danos concomitantes.
Na questão da boa-fé analisa-se as condições em que o contrato foi
firmado,
o nível sociocultural dos contratantes, seu momento histórico e econômico.
Com isso, interpreta-se a vontade contratual. ( "O princípio da
boa-fé objetiva no Código Civil",
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6027)
Destaca-se, assim, a necessidade de aplicação do Princípio da Boa Fé
Objetiva na complementação das normas que as partes deixaram de usar e,
mais ainda,
de se aferir o sentido a ser emprestado às declarações de vontade,
especialmente
quanto aos temas expressamente contratados.
Aldemiro Rezende de Dantas Júnior citando Alfonso de Cosio e Cabral, escreve:
No direito moderno a boa-fé assumiu o papel de uma fonte de normas
objetivas, cuja atuação concreta se dá mediante a aplicação de
princípios
gerais, esclarecendo em seguida, que isso significa que a boa-fé pode
ser
entendida como norma geral, que se diversifica e especializa para cada
situação concreta, ou seja, cujo conteúdo será formado e determinado em
função das circunstâncias concretas. ("Teoria dos Atos Próprios no
Princípio da Boa-Fé", Editora Juruá)
Segundo, ainda, o referido autor:
(...) em relação aos contratos, a conduta ditada pela boa-fé se impõe
não
apenas ao longo da execução do mesmo mas antes mesmo de ter se
aperfeiçoado o ajuste e ainda depois que o mesmo já foi integralmente
cumprido nas fases pré e pós contratuais. E ainda mais, tal
comportamento
não se impõe apenas aos negócios jurídicos que se situam dentro do campo
das obrigações, mas em relação a todos os negócios jurídicos e m geral.
(ob.
cit.)
No mesmo sentido, Judith Martins-Costa ao discorrer sobre os direitos
instrumentais decorrentes da boa-fé objetiva:
Dito de outro modo, os deveres instrumentais "caracterizam-se por
uma
função auxiliar da realização positiva do fim contratual e de proteção à
pessoa e aos bens da outra parte contra os riscos de danos concomitantes",
servindo, "ao menos as suas manifestações mais típicas, o interesse
na
conservação dos bens patrimoniais ou pessoais que podem ser afetados em
conexão com o contrato (...)".
Trata-se, portanto, de "deveres de adoção de determinados comportamentos,
impostos pela boa-fé em vista do fim do contrato (...) dada a relação de
confiança que o contrato fundamenta, comportamentos variáveis com as
circunstâncias concretas da situação ". Ao ensejar a
criação desses deveres,
a boa-fé atua como fonte de integração do conteúdo contratual,
determinando a sua otimização independentemente da regulação
voluntaristicamente estabelecida. ("A Boa-Fé no Direito
Privado"; Editora
Revista dos Tribunais, p. 440)
Afirma Pontes de Miranda, em seu Tratado de Direito Privado", Tomo
III,
Editora BookSeller, p. 374:
Rigorosamente, as regras de boa-fé entram nas regras do uso do tráfico,
porque tratar lisamente, com correção, é o que se espera encontrar nas
relações da vida. Os usos do tráfico, mais restritos, ou mais
especializados,
apenas se diferenciam, por sua menor abrangência. Quando se diz que a
observância do critério da boa-fé, nos casos concretos, assenta em
apreciação de valores, isto é, repousa em que, na colisão de interesses,
um
deles há de ter maior valor, e não em deduções lógicas, apenas se alude
ao
que se costuma exigir no trato dos negócios. Regras de boa-fé são regras
do
uso do tráfico, gerais, porém de caráter cogente, que de certo modo
ficam
entre as regras jurídicas cogentes e o direito não-cogente, para
encherem o
espaço deixado pelas regras jurídicas dispositivas e de certo modo
servirem
de regras interpretativas.
Busca-se assegurar, como se vê, a proteção à confiança fundada de cada
uma das partes contratantes e suas legítimas expectativas não apenas
quanto à validade
e eficácia do negócio jurídico mas quanto ao seu cumprimento, a fim de
que sejam
alcançados os resultados reais colimados pelas partes.
Com efeito, não se pode olvidar que são constitucionalmente assegurados
os princípios da segurança jurídica, da boa-fé objetiva, da proteção da
confiança e do ato
jurídico perfeito.
Sobre o ato jurídico e os negócios jurídicos firmados anteriormente à
vigência do Novo Código Civil, doutrina Daniel Guerra Gunzburguer, em
artigo publicado
na Revista Forense, julho/agosto 2005, p. 29:
Assim, embora o art. 2.035 estabeleça que os efeitos dos negócios
jurídicos
constituídos antes da entrada em vigor do Código Civil de 2002 ficam
subordinados aos seus preceitos, somos de opinião que, para tais
negócios
jurídicos, devem ser respeitados os dispositivos da lei anterior, seja
ela o
Código Civil de 1916 ou qualquer outra, em decorrência do art. 5º, XXXVI
da
Constituição Federal, que protege o ato jurídico perfeito
(...)
O ato jurídico já se consumou e portanto seus efeitos devem decorrer da
regra em vigor utilizada na época de sua constituição. (...)
Assim sendo, conclui-se que quando concretizada a obrigação sob a égide
da lei anterior, esta será a lei competente para regular todos os seus
efeitos.
Alei nova terá, portanto, incidência imediata somente com relação aos
fatos
que não atinjam direitos adquiridos ou ato jurídico perfeito, sob pena
de
ensejar violação aos dispositivos constitucionais considerados como
cláusula
pétrea no art. 60, § 4º da Constituição Federal.
Em artigo intitulado "Regime patrimonial de bens entre cônjuges e
direito
intertemporal", Lindajara Ostjen Couto menciona o entendimento de
juristas renomados
acerca da matéria:
1.A lei em vigor tem efeito geral e imediato, mas não pode prejudicar o
direito
adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, conforme determina
o arts.
5º XXXVI, da Constituição Federal e art. 6º, caput, da Lei de Introdução
ao
Código Civil.
2.O jurista Pontes de Miranda considera que "lei
nova estabelecendo outro
regime legal, ou que modifica o existente até então, não alcança os
casamentos celebrados antes dela, salvo regra explícita em
contrário".
3.O posicionamento do Washington de Barros Monteiro é o seguinte: "As
relações de caráter patrimonial, que o casamento origina, regulam-se
pela lei
do tempo em que se formaram. O regime de bens não está sujeito às
alterações da lei nova".
4.O Jurista Leônidas Filippone Farrula Júnior afirma que
o casamento se
aperfeiçoa com as núpcias e as questões patrimoniais do casamento se
regulam pela legislação vigente à época da celebração. E, ainda,
completa
que a alteração do regime de bens aos casamentos anteriores ao CC/02
acarretaria a infringência ao ato jurídico perfeito e ao princípio
constitucional
de irretroatividade das leis.
5.Afirma, ainda, que a interpretação literal do art. 2.039, quando
menciona "é
o por ele estabelecido", se refere a todo o ordenamento jurídico
referente aos
regimes de bens, assim entende que, o código anterior, mesmo revogado,
permanecerá eficaz para disciplinar esta matéria.
6.Maria Helena Diniz tem a posição de que a lei revogada
permanecerá a
produzir efeitos "porque outra lei vigente ordena o respeito às
situações
jurídicas definitivamente constituídas ou aperfeiçoadas no regime da lei
anterior" ou "se deve aplicar a lei em vigor na época em que
os fatos
aconteceram." ("Teoria dos Atos Próprios no Princípio da
Boa-Fé",
Editora Juruá "http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6248&p=2).
José da Silva Pacheco em artigo publicado na Revista da Academia
Brasileira de Letras Jurídicas, Ano XVIII, n. 21, Rio de Janeiro , 1º
Semestre de 2002, p.
66, comenta:
Entretanto, entre as disposições transitórias, inscreve-se a do art. 2.039
segundo a qual, nos casamentos celebrados na vigência do Código Civil
anterior, observa-se, quanto ao regime de bens, o que nesse código é
estabelecido, mesmo depois de iniciar a vigência do novo Código Civil.
Nessa mesma linha de pensamento expressa o Excelso Pretório que:
O disposto no artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal se aplica a toda
e
qualquer lei infraconstitucional, sem qualquer distinção entre lei de
direito
público e lei de direito privado, ou entre lei de ordem pública e lei
dispositiva.
Precedente do STF." (RTJ 143/724, Rel. Min. MOREIRA ALVES, Pleno -
grifei) Cumpre ter presente, bem por isso, a lição da doutrina, que,
tomando
em consideração a realidade jurídico-constitucional vigente no Brasil,
repudia,
por incompatíveis com a Constituição da República, todas as hipóteses de
retroatividade injusta: "... um contrato perfeito e acabado na
vigência de uma
lei permanece intocável, nas suas disposições, ainda no que diz respeito
aos
seus efeitos futuros, manifestados quando já começou a viger uma lei
nova
derrogante. A aplicação da lei nova, nessa hipótese, implicaria
retroatividade,
em desobediência ao preceito constitucional.
....................................................... Regra básica e
inalterável é que todas as
conseqüências de um contrato concluído sob o império de uma lei,
inclusivamente seus efeitos futuros, devem continuar a ser reguladas por
essa lei em homenagem ao valor da certeza do direito e ao princípio da
tutela
do equilíbrio contratual. A aplicação imediata da lei nova aos efeitos
posteriores à sua vigência incide no seu fato gerador, e, portanto,
implicaria
aplicação retroativa." (ORLANDO GOMES, "Questões Mais Recentes
de
Direito Privado", p. 4, item n. 3, 1988, Saraiva - grifei) Perfilha
igual
orientação J. M. OTHON SIDOU, para quem, considerada a concepção
vigente no sistema normativo brasileiro pertinente à resolução do
conflito
intertemporal de leis, "A lei nova não atinge conseqüências que,
segundo a
lei anterior, deviam derivar da existência de determinado ato, fato ou
relação
jurídica, isto é, que se unem à sua causa como um corolário necessário e
útil", enfatizando, a esse propósito, que: "Retroativa e,
portanto, condenável
(...) é não somente a regra positiva que contrasta com as conseqüências,
já
realizadas, do fato consumado, mas também a que impede as conseqüências
futuras do mesmo fato, por uma razão relativa só a ele." ("O
Direito Legal", p.
228/229, item XIII, 1985, Forense - grifei). (AI 250949/SP, Relator
Ministro
CELSO DE MELLO, DJ 05/09/2000).
Do acima exposto, firmam-se as seguintes conclusões:
- dispõe o artigo 2.039, do Código em vigor, que o regime de bens nos
casamentos celebrados na vigência do anterior será o que foi por ele
estabelecido;
- tendo sido fixado, em pacto antenupcial firmado sob a égide do Código
Civil de 1916, o regime de separação de bens, em estrita observância ao
referido
princípio da autonomia da vontade, lei alguma posterior poderia
alterá-lo por se tratar de
ato jurídico perfeito;
- permanecendo, portanto, com plena eficácia, o pacto antenupcial, devem
ser respeitados os atos jurídicos subseqüentes, dele advindos,
especialmente o
testamento celebrado por um dos cônjuges;
- existe no plano sucessório, influência inegável do regime de bens no
casamento, não se podendo afirmar que são absolutamente independentes e
sem
relacionamento no tocante às causas e aos efeitos esses institutos que a
lei particulariza
nos direitos de família e das sucessões;
- a dissolução do casamento pela morte dos cônjuges não autoriza que a
partilha de seus bens particulares seja realizada por forma diversa da
admitida pelo
regime de bens a que submetido o casamento e nem transforma o
testamento, se feito
por qualquer deles em conformidade com as disposições da lei e levando
em conta o
pacto antenupcial adotado, em ato jurídico inoperante, imperfeito e
inacabado;
- o art. 2.042 do Novo Código Civil deve ser ser interpretado em
consonância com os arts. 2.039 do mesmo Diploma legal e art. 6º § 1º da
LICC,
observadas as peculiaridades do caso concreto, pois tanto o testamento
quanto o pacto
antenupcial firmado entre as partes na vigência da lei antiga, devem ser
respeitados,
como atos jurídicos perfeitos, sob pena de se gerar uma situação de
insegurança jurídica
e de se ferir os princípios da autonomia da vontade e da boa-fé
objetiva, de observância
obrigatória a fim de se assegurar a proteção à confiança fundada de cada
uma das
partes contratantes e suas legítimas expectativas não apenas quanto à
validade e
eficácia do negócio jurídico mas quanto ao seu cumprimento.
Pelo exposto, acompanho o relator e dou provimento ao recurso especial.
É com o voto.
VOTO-VISTA
O EXMO. SR. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES:
Na assentada do dia 19 de março de 2009, pelo voto do relator -
Min. CARLOS FERNANDO MATHIAS - foi conhecido e provido o recurso
especial interposto pelo ESPÓLIO DE PAULO MARTINS FILHO contra acórdão
da
Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro,
sendo acolhida a tese segundo a qual, na espécie, em vista das
peculiaridades
que cercam o caso em comento, deve ser afastada a invocação da regra de
que a
sucessão se subordina à lei vigente à época do falecimento, de modo a
serem
tidas como hígidas as disposições de última vontade do testador.
Na ocasião, proferi voto acompanhando o relator. Em seqüência, o
Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA pede vista dos autos, inaugurando a
divergência, para não conhecer do recurso especial, em face dos
seguintes
argumentos:
a) de acordo com as disposições do Código Civil de 2002, o
cônjuge supérstite é herdeiro necessário;
b) a capacidade para suceder corresponde à lei em vigor quando da
abertura da sucessão;
c) inexiste direito adquirido de herdar enquanto vivo o titular do
patrimônio a ser partilhado, e
d) não houve renúncia à herança pela viúva.
Com o prosseguimento do julgamento, nova vista dos autos é
requerida, agora pelo Min. LUÍS FELIPE SALOMÃO, que profere voto no
mesmo
sentido do relator, acrescido das seguintes conclusões, verbis :
"dispõe o artigo 2.039, do Código em vigor, que o regime de bens
nos casamentos celebrados na vigência do anterior será o que foi
por ele estabelecido;
- tendo sido fixado, em pacto antenupcial firmado sob a égide do
Código Civil de 1916, o regime de separação de bens, em estrita
observância ao referido princípio da autonomia da vontade, lei
alguma posterior poderia alterá-lo por se tratar de ato jurídico
perfeito;
- permanecendo, portanto, com plena eficácia o pacto antenupcial,
devem ser respeitados os atos jurídicos subseqüentes, dele
advindos, especialmente o testamento celebrado por um dos cônjuges;
- existe no plano sucessório, influência inegável do regime de bens
no casamento, não se podendo afirmar que são absolutamente
independentes e sem relacionamento no tocante à causa e aos
efeitos esses institutos que a lei particulariza nos direitos de
família e das sucessões;
- a dissolução do casamento pela morte dos cônjuges não autoriza
que a partilha de seus bens particulares seja realizada por forma
diversa da admitida pelo regime de bens a que submetido o
casamento e nem transforma o testamento, se feito por qualquer
deles em conformidade com a lei e levando em conta o pacto
antenupcial adotado, em ato jurídico inoperante, imperfeito e inacabado;
- o art. 2042 do Novo Código Civil deve ser interpretado em
consonância com os arts. 2039 do mesmo Diploma legal e art. 6º §
1º da LICC, observadas as peculiaridades do caso concreto, pois
tanto o testamento quanto o pacto antenupcial firmado pelas
partes na vigência da lei antiga, devem ser respeitados, como atos
jurídicos perfeitos, sob pena de se gerar uma situação de
insegurança jurídica e de se ferir os princípios da autonomia da
vontade e da boa-fé objetiva, de observância obrigatória a fim de
se assegurar a proteção à confiança fundada de cada uma das
partes contratantes e suas legítimas expectativas não apenas
quanto à validade e eficácia do negócio jurídica mas quanto ao
seu cumprimento."
Nesse contexto, tendo em vista o enriquecimento das discussões,
com a vinda a lume de novas teses e argumentos, solicitei vista dos
autos,
apesar de já ter proferido meu voto, para uma reflexão mais aprofundada
acerca
da controvérsia.
Analisada a questão de forma mais acurada, com a vênia devida,
tenho que a solução alvitrada pelo relator, e já adotada por mim em um
primeiro momento, deve prevalecer.
Com efeito, por Paulo Martins Filho e Mercedes Magdalena
Serrador Martins foi firmado pacto antenupcial em 19 de maio de 1950,
lavrado
nos seguintes termos:
"Resolveram que o seu casamento se regerá pela completa
separação de bens; que assim todos os bens presentes e futuros
pertencerão como próprios e serão incomunicáveis, bem assim os
rendimentos de tais bens, podendo cada um dos outorgantes e
reciprocamente outorgados livremente dispor dos seus bens e
rendimentos sem intervenção do outro e como lhe aprouver,
mantendo cada um dos outorgantes e reciprocamente outorgados
a exclusiva autoridade de administração, usar e dispor de seus
bens a seu livre arbítrio" (fls. 139)
Referido documento ganha eficácia em 31 de maio do mesmo ano,
com a celebração do matrimônio dos contraentes pelo regime da separação
de
bens (fls. 138).
Em 25 de junho de 2001, passados, portanto, mais de 50 anos da
lavratura do pacto antenupcial, nova manifestação de vontade é emitida
pelo
cônjuge varão, no mesmo sentido das anteriores, agora na elaboração de
seu
testamento, deixando para um sobrinho todos os seus bens, gravados,
porém,
com a cláusula de usufruto vitalício em favor de sua esposa.
Do quanto exposto, é possível constatar a coerência e certeza com
que os cônjuges dispõem acerca da destinação de seu patrimônio, restando
questionar se vontade assim tão claramente expressa subsiste aos ditames
impositivos do novo Código Civil.
Com efeito, em 26 de maio de 2004, falece Paulo Martins Filho.
Nessa ocasião já está em vigência o Código Civil de 2002 que, assim,
passa a
reger a sucessão do cônjuge varão, por força do disposto no art. 1787 do
referido Diploma Legal, verbis :
"Art. 1787. Regula a sucessão e a legitimação para suceder a lei
vigente ao tempo da abertura daquela."
Do mesmo teor, a norma contida no art. 1577 do Código de 1916,
segundo a qual "A capacidade para suceder é a do tempo da abertura
da
sucessão, que se regulará conforme a lei então em vigor".
Dessa forma, salvo melhor juízo, a controvérsia não se instala
especificamente sobre matéria de direito intertemporal, ou sobre quais
as
normas incidentes sobre a hipótese em comento, mas sim sobre o modo de
sua
interpretação.
Com efeito, o art. 1829, I, do Código Civil vigente reconhece ao
cônjuge a condição de herdeiro necessário, "salvo se casado este
com o falecido
no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória
de bens
(art. 1640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o
autor da
herança não houver deixado bens particulares;".
Assim, no que respeita ao regime de separação convencional de
bens, que nos interessa no particular, o cônjuge, segundo uma
interpretação
literal da norma, é herdeiro necessário.
Nessa ordem de ideias, Mercedes Magdalena Serrador Martins
seria herdeira de metade dos bens deixados por Paulo Martins Filho,
passando,
esse patrimônio, com sua morte, a seus sobrinhos que, assim, teriam
legitimidade para requerer sua habilitação no inventário dos bens
deixados pelo
cônjuge varão, como entendeu a Corte carioca.
Essa não parece, porém, a melhor exegese a ser dada ao art. 1829,
inciso I, do Código Civil de 2002.
De fato, o legislador reconhece aos nubentes, já desde o Código
Civil de 1916, a possibilidade de autodeterminação no que se refere ao
seu
patrimônio, autorizando-lhes a escolha do regime de bens, dentre os
quais o da
separação total, no qual, segundo Pontes de Miranda, "os
patrimônios dos
cônjuges permanecem incomunicáveis, de ordinário sob a administração
exclusiva de cada cônjuge, que só precisa da outorga do outro cônjuge,
para a
alienação dos bens de raiz" (Tratado de Direito Privado. São Paulo:
Ed. Borsói,
tomo 8, p. 343), incomunicabilidade que se perpetua com o falecimento de
um
deles, dada a possibilidade de se excluir o cônjuge sobrevivente da
qualidade
de herdeiro, através de testamento, como no caso em comento.
Assim, qualquer que seja a razão pela qual os cônjuges decidem
por renunciar um ao patrimônio do outro, essa determinação é respeitada
pela
lei anterior. No novo Código Civil, porém, adotada interpretação literal
do art.
1829, se conclui pela inclusão do cônjuge sobrevivente como herdeiro
necessário, o que no caso de separação convencional de bens, significa
que é
concedido aos consortes liberdade de autodeterminação em vida, retirada
essa,
porém, com o advento da morte, transformando a sucessão em uma espécie
de
proteção previdenciária.
Cuida-se, iniludivelmente, de quebra na estrutura do sistema
codificado. Com efeito, não há como compatibilizar as disposições do
art.
1639, que autoriza os nubentes a estipular o que lhes aprouver em
relação a
seus bens, bem como do art. 1687, que permite a adoção do regime de
separação absoluta de bens (afastando, inclusive, a necessidade de
outorga do
outro cônjuge para a alienação de bens), com os termos do art. 1829, que
eleva
o cônjuge sobrevivente à qualidade de herdeiro necessário, determinando,
inexoravelmente, a comunicabilidade dos patrimônios. De fato, seria de
se
questionar o porquê de se escolher a incomunicabilidade de bens, se eles
necessariamente se somarão no futuro.
Tal inconsistência é apontada pelo Professor Miguel Reale, que a
respeito do tema assim se pronuncia, verbis :
"Em um código os artigos se interpretam uns pelos outros", eis
a
primeira regra de Hermenêutica Jurídica estabelecida pelo
Jurisconsulto Jean Portalis, um dos principais elaboradores do
Código Napoleão.
Desse entendimento básico me lembrei ao surgirem dúvidas
quanto ao verdadeiro sentido do inciso I do art. 1.829 do novo
Código Civil, segundo o qual a sucessão legítima cabe, em
primeira linha, aos "descendentes, em concorrência com o
cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no
regime da comunhão universal de bens ou da separação
obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no
regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver
deixado bens particulares".
Há quem entenda que, desse modo, o cônjuge seria herdeiro
necessário também na hipótese de ter casado no regime de
separação de bens (art. 1.687), o que não me parece aceitável.
Essa dúvida resulta do fato de ter o art. 1.829, supratranscrito,
excluído o cônjuge somente no caso de "separação obrigatória".
A
interpretação desse dispositivo isoladamente pode levar a uma
conclusão errônea, devendo, porém, o intérprete situá-lo no
contexto sistemático das regras pertinentes à questão que está
sendo examinada." (Estudos Preliminares do Código Civil. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 61 e 62)
Tecidas essas considerações, o ilustre professor faz um aparte para
explicar que a razão pela qual se teve por bem incluir o cônjuge como
herdeiro
necessário foi a alteração do regime legal de bens, da comunhão para a
comunhão parcial, o que pode resultar em nada sobrar para o meeiro, se o
patrimônio do falecido se compuser exclusivamente de bens particulares.
De
todo modo, sobre a interpretação do art. 1829, I, conclui:
"Recordada a razão pela qual o cônjuge se tornou herdeiro, não é
demais salientar a importância que o elemento histórico tem no
processo interpretativo. Tendo, pois, presente a finalidade que o
legislador tinha em vista alcançar, estamos em condições de
analisar melhor o sentido do mencionado inciso, mantida que seja
sua redação atual.
Nessa ordem de idéias, duas são as hipóteses de separação
obrigatória: uma delas é a prevista no parágrafo único do art.
1.641, abrangendo vários casos; a outra resulta da estipulação
feita pelos nubentes, antes do casamento, optando pela separação
de bens.
A obrigatoriedade da separação de bens é uma conseqüência
necessária do pacto concluído pelos nubentes, não sendo a
expressão "separação obrigatória" aplicável somente nos casos
relacionados no parágrafo único do art. 1641.
Essa minha conclusão ainda mais se impõe ao verificarmos que -
se o cônjuge casado no regime de separação de bens fosse
considerado herdeiro necessário do autor da herança - estaríamos
ferindo substancialmente o disposto no art. 1687, sem o qual
desapareceria todo o regime de separação de bens, em razão de
conflito inadmissível entre esse artigo e o art. 1829, inc. I, fato que
jamais poderá ocorrer numa codificação à qual é inerente o
princípio da unidade sistemática.
Entre uma interpretação que esvazia o art. 1687 no momento
crucial da morte de um dos cônjuges e uma outra que interpreta
de maneira complementar os dois citados artigos, não se pode
deixar de dar preferência à segunda solução, a qual, ademais,
atende à interpretação sistemática, essencial á exegese jurídica"
(Op. cit, p. 62 e 63).
Pouco resta a acrescentar.
De fato, a interpretação ampliativa do termo "separação
obrigatória", constante do art. 1829, inciso I, do Código Civil de
2002, para
abranger não somente as hipóteses elencadas no art. 1640, parágrafo
único, mas
também os casos em que os cônjuges estipulam a separação absoluta de
seus
patrimônios, não esbarra na intenção do legislador quando decide
corrigir
eventuais injustiças decorrentes da alteração do regime legal, ao mesmo
tempo
em que respeita o direito de autodeterminação concedido aos cônjuges no
atinente a seu patrimônio tanto pela legislação anterior, quanto pela
presente.
Além disso, se evita a perplexidade retratada no caso em comento,
no qual os cônjuges de maneira cristalina e reiterada estipulam a forma
de
destinação de seus bens e acabam por ter suas determinações feridas,
ainda que
post mortem .
Cumpre assinalar que a proteção ao cônjuge sobrevivo, para
aqueles que não se conformam com a renúncia ao patrimônio do falecido
feita
quando da escolha do regime de bens, pode se dar por outras formas que
não
sua qualificação como herdeiro necessário, a exemplo da estipulação de
usufruto vitalício a seu favor, nos exatos moldes do presente caso.
Ante o exposto, conheço do recurso e lhe dou provimento para
restabelecer a sentença de primeiro grau, que indefere o pedido de
habilitação
do espólio de Mercedes Magdalena Serrador Martins no inventário do bens
deixados por Paulo Martins Filho.
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